18 de março Diário Incontínuo
BREVE NOTÍCIA FAMILIAR
Elmar Carvalho
Domingo
passado, recebi de meu pai breve anotação manuscrita, feita a meu
pedido, sobre os nossos avoengos. Ele registrou apenas o que sabia de
memória, sem consulta a registros de livros cartorários e outros
alfarrábios. Muitas informações contidas nesta nota estão nos
livros “Vultos da História de Barras”, de Wilson Carvalho
Gonçalves, e em “O Ponta-de Rama” e “Ruas, Avenidas e Praças
de Piripiri”, ambos de meu primo Fabiano Melo, de onde as colhi.
Meu pai tinha apenas treze anos de idade quando foi chamado ao
gabinete do diretor do tradicional Colégio Diocesano, do qual era
aluno interno, numa época em que pouquíssimos piauienses conseguiam
cursar o antigo ginásio.
Para
que se tenha uma pequena ideia de como era restritivo, excludente e
elitista o sistema de ensino, basta que eu diga que muitos de seus
antigos colegas se tornaram governadores, senadores, deputados,
magistrados e detentores dos mais altos cargos públicos do estado.
Foi chamado, logo após concluir a prova parcial do dia 30 de
setembro de 1939, para receber do diretor Padre Chaves, que depois se
tornou um dos maiores historiadores do Piauí, a impactante notícia
de que seu pai havia morrido. Era filho único do terceiro casamento
de meu avô. Padre Chaves, que conheci e que concedeu a mim e ao
jornalista Domingos Bezerra excelente entrevista, que publiquei na
revista Cadernos de Teresina, editada pela Fundação Cultural que
leva o seu nome, foi afetivo e cuidadoso ao dar a notícia,
proferindo palavras de conforto e resignação; recomendou que meu
pai fosse repousar.
Meu
avô tivera oito filhos do primeiro consórcio e nenhum do segundo.
Diante desse inesperado acontecimento, papai voltou para Barras, a
chamado de sua mãe, e só veio a concluir o ginásio muitos anos
depois. Meu avô paterno se chamava João de Deus Nascimento; era
filho de Emiliana e Silvestre Ribeiro do Nascimento. Graças a seu
esforço e labor, fez prosperar uma gleba de terra, situada na data
Luiz de Souza, e conseguiu amealhar algumas reses, engenho de cana e
casa de farinhada. Era respeitado em sua localidade e na cidade de
Barras, onde era muito conhecido. Para que se tenha uma idéia de sua
personalidade marcante, basta que eu conte dois episódios de sua
vida.
Certo
dia, uma de suas noras, deu-lhe a notícia de que o marido estava de
namoro com uma mulher da redondeza. Meu avô chamou um agregado de
sua confiança e se dirigiu até certo ponto, perto da casa da amante
de seu filho, de onde dava para ouvir as gargalhadas e arrulhos dos
dois pombinhos nos colóquios e conciliábulos amorosos. Constatada a
infidelidade cometida pelo rebento, ficou de tocaia. Quando ele
retornava para casa, o abordou de forma enérgica, e lhe disse que se
voltasse a “pular a cerca”, iria aplicar-lhe uma sova caprichada,
de que ele jamais esqueceria. Não se soube da surra, porque não
mais se soube de transgressão do rapaz. Eram os costumes severos da
época, de fortes reprimendas.
Morava,
na vizinhança, uma parenta de meu avô, creio que sobrinha, cega de
nascença e entrevada, como se dizia antigamente. Levava a vida a
cantar hinos religiosos e a rezar, em perpétua vigília e
penitência. Meu avô, falecido em 1939, pedira para ser enterrado
perto de sua cova. Talvez tenha sido recebido por ela, sarada de seus
males, coberta pelo manto de glória e beatitude que deve ornar os
que levaram uma vida de sofrimento, renúncia e conformação. No
cemitério campestre da chapada de Luiz de Souza, perto de faveiras,
sambaíbas, paus-d'arcos e pequizeiros, repousam, lado a lado, os
restos mortais de meu avô João de Deus e dessa parenta, que aceitou
com fé e resignação o sofrimento que lhe coube, e que viveu como
um anjo, a orar e a entoar cânticos e “excelências” a Deus.
Meu
avô conheceu minha avó na cidade de Barras, onde ela morava em
companhia de seu irmão Elpídio Lucas Furtado de Carvalho.
Chamava-se Joana Lina de Deus Carvalho e nascera em Piripiri. Era
filha de Miguel Furtado do Rego. Era sua mãe Izabel Lina, de antigas
estirpes cearense e piauiense. Muitas décadas após meu pai deixar o
seu pago, fui com ele conhecer o local onde ele nascera, que fica a
poucos quilômetros da cidade de Barras. Vi meu pai tomado de
profunda emoção, com os olhos marejados, a olhar o olho-d'água de
sua infância, que ainda corria perene, a rever o buritizal da várzea
e o morro verdejante onde se erguera outrora a casa de seu pai.
Meu
avô materno se chamava José Horácio de Melo, nascido no lugar
Campestre, município de Piracuruca, no dia 5 de agosto de 1893, e
falecido em 13 de agosto de 1965. Era filho de Horácio Luiz de Melo
e Antônia Quitéria de Carvalho. Horácio Luiz era filho de Antônio
Luiz de Melo e Hygina Rosa de Menezes. Antônia Quitéria tinha como
pais João Bartolomeu de Carvalho e Mariana Rosa de Carvalho. Eram do
município de Piracuruca. Minha avó materna se chamava Maria
Carlota, e era chamada de Paroara, dizem que por causa de sua tez
alva e rosada como essa flor. Pertencia às famílias Sousa e Mendes,
de Piracuruca. Morreu jovem, quando minha mãe tinha apenas onze anos
de vida.
Por
essa razão, mamãe foi morar com sua tia, irmã de seu pai, Maria
Cristina Lima de Melo. Com a morte desta, passou a morar com sua
prima Mirozinha, minha madrinha, até casar-se com meu pai. Devo
muito a essa madrinha, que me emprestava, através de meu pai, os
livros da biblioteca do Grupo Escolar Valdivino Tito e os de seu
próprio acervo. Mamãe não guardou traumas e nem mágoas de sua
orfandade, e nem de ter morado com esses parentes. Pelo contrário,
tinha uma quase veneração por sua tia e por sua prima, e lhes tinha
uma devoção de filha e irmã. Quando falava delas, era sempre com
saudade e respeito.
Nunca
tive paciência para empreender pesquisa histórica e muito menos
genealógica, que acho importante, mas um tanto tediosa, de modo que
desejei fazer apenas um breve registro, para que meus descendentes e
irmãos conheçam um pouco dos nossos ancestrais. Aliás, meu pai,
homem humilde, mas altivo a seu modo e no bom sentido da palavra,
sempre foi avesso a empáfias e blasonarias de presumidas e pretensas
nobiliarquias genealógicas, sabedor de que todos somos pó e de que
ao pó da terra voltaremos. Só me falou, com mais detalhes, de
nossos avoengos quando eu já tinha cinquenta anos de idade, por
sinal em Piripiri, terra a que somos ligados por laços de sangue, no
Auditório Osíris Neves de Melo, quando eu representava várias
academias a que pertenço, a convite da professora Clea Rezende Neves
de Melo, na solenidade em que foram lançados um livro dela e outro
meu, o Lira dos Cinqüentanos.
Meu
pai, ainda bem moço, veio para Campo Maior, onde trabalhou na Casa
Inglesa. Posteriormente, ingressou no antigo Departamento de Correios
e Telégrafos - DCT, através de concurso público, no ano de 1958.
No início de sua vida de casado e de servidor público, morou no
povoado Papagaio, hoje cidade de Francinópolis, por cerca de dois
anos. O DCT virou ECT, e meu pai terminou indo para Parnaíba, onde
por vários anos chefiou a agência local dessa empresa. Mas, amante
inveterado e incondicional de Campo Maior, terminou regressando mais
uma vez a minha terra natal, onde, aposentado, pratica dominó todos
os dias com os irmãos Vicente, Antônio Wilson e Chico Andrade.
Minha mãe consagrou todo seu esforço e dedicação a cuidar do
marido e dos filhos. E como cuidou!...
Que bela história de vida possui o casal Srº Miguel e Dona Rasália e que sorte possui a nossa Campo Maior, por tê-los acolhidos tão generosamente.
ResponderExcluirCampo Maior os deu abrigo, eles como que em retribuição nos deram uma prole maravilhosa, dentre eles o Mestre Elmar Carvalho, mago das letras que graças a sua fértil imaginação nos faz viajar a galáxias nunca dantes visitadas.
Mestre Elmar, não me furto em dizer, parafraseando o famoso Drummond:"Eu não sabia que a história de vossos pais era mais bonita que a de Robison Crusoé"
Caro Zé Francisco,
ResponderExcluirObrigado pelas excelentes palavras que vc disse em relação a meus velhos pais. Certamente eles se comoverão quando lê-las, oportunamente.
Caro Elmar:
ResponderExcluirGostei muito do seu diário relatando o tema de seus antepassados. Eu vejo como se aprende lendo sobre outras vidas de pessoças mais próximas, do que foram, de como eram, do que fizeram, do que significaram para a poseridade ainda que esta seja de interesse mais da fam ília relatada.
Vejo que seu diário incontínuo chegou pra valer. Os textos vêm surgindo, os assuntos vão mudanado , fazendo, assim, a sua história passada ao papel oou ao texto virtual. Foçi bom que você incluísse seções novas no seu blog, como a de uma antologia de poetas de todas as partes, tempos e lugares. Os diárioçs , pouco a pouco, vão compondo a história da vida privada, individual e socialmente. As fotos e illustrações são bem-vndas porque complementam o texto escrito e nos fzem conhecer pessoas, objetos, casas, paisagens, m onumentos etc.
Cunha e Silva Filho
Poxa padrinho Elmar fiquei bastante emocionada ao ler sobre esse registro familiar, sabia uma coisinha aqui e outra ali, que por curiosidade sempre perguntava p/ mamãe, e como eu gostava de ouvir essas histórias de nossa familia, mas agora fiquei sabendo alguns relatos que ainda não sabia, e por isto te agradeço...
ResponderExcluir"As minhas filhas sempre me pedem p/ contar históias de minha familia, avós, de nossos pais e de quando eu era pequena e moravámos todos juntos, nós, os 8 irmãos". Muito bom reviver um pouco da nossa história...dá uma saudade....