sábado, 10 de abril de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho

Vista panorâmica de José de Freitas, vendo-se a igreja de N. S. do Livramento

Velho trampolim do açude Pitombeira

9 de abril

PADRE DEUSDETE E O SANTOS DE LIVRAMENTO

Logo ao iniciar a caminhada, deparei-me com o colega Carlos Dias, que vinha em sentido contrário. Fiz meia-volta e o acompanhei. Envergava ele, que é natural do interior de São Paulo, uma camisa do Santos, que voltou à moda com os seus meninos alegres, moleques e bons de bola. Perguntou-me se eu torcia pelo Santos. Em resposta, contei-lhe o seguinte: quando eu tinha de treze para catorze anos de idade, morei na bela e bucólica cidade de José de Freitas, durante um ano. Foi um período muito feliz de minha vida. Quase todo dia, pela manhã, saía a passear, com o Carlos de dona Irá e o Itamar, e mais algum de meus irmãos ou outro garoto da vizinhança. Às vezes, alguns de meus colegas iam pegar vim-vim, com o uso de visgo colocado em uma haste posta na gaiola do “chama”; outras vezes, íamos escalar o morro do Fidié, que na época não era conhecido por esse nome, mas simplesmente como morro, que hoje preferiria chamar de Morro do Livramento, em homenagem ao nome antigo da localidade e a sua padroeira; muitas vezes nosso destino era o açude Pitombeira, de onde pulávamos do velho trampolim. Também banhávamos no olho d' água, perto do cabaré Jumento Velho, lá para as bandas do mercado público. Invariavelmente, à tarde, ia jogar futebol num campinho que havia na frente da casa do grande marceneiro Zezé Barros, que também era um peladeiro. Esse campo ficava dentro de uma quinta, tinha terreno arenoso, e era rodeado por belas e frondosas árvores, entre as quais uma imensa mangueira. Gostava muito desse campo, pois, sendo eu goleiro, a areia macia me possibilitava enfeitar as defesas, projetando-me no espaço, quase a levitar, na construção de belas pontes, que hoje classificaria de estaiadas. Certa vez, jogando na periferia da cidade, e sendo então pequeno e franzino, alcei um verdadeiro voo, para cair com a bola encaixada em meu peito. Essa estripulia acrobática arrancou delirantes aplausos de um torcedor, que gritava que eu parecia um “passarinzim”. Tempos depois esse terreno onde jogávamos foi comprado pela família do Pedro e do João Rocha, e as peladas foram proibidas. Por isso, certa tarde, em que estávamos batendo bola, perto da casa da família Santana, fomos avistados pelo padre Deusdete Craveiro de Melo, que era meu professor de Português, no segundo ano ginasial, e diretor do Colégio Antônio Freitas. O padre, de dentro do seu famoso fusca, me perguntou a razão de estarmos jogando na rua. Expliquei-lhe que o nosso campo fora fechado. Ele, então, sugeriu que fizéssemos outro, na frente do cemitério velho, conhecido por cemitério dos ricos, como se a morte fizesse algum tipo de distinção social, e acrescentou que nos daria uma bola de couro, as traves, apito, e os tornos para marcação do campo. Liderei os garotos da vizinhança e fizemos o campo. O padre cumpriu a promessa, inclusive mandando fincar as traves e os tornos. Diante disso, fiz uma carta ao Armazém Paraíba, narrando esses fatos, e pedi uma equipe de um time de futebol. Um ou dois meses depois, quando eu já perdia a esperança, a empresa mandou deixar a farda do Santos em minha casa. Depois, encetei uma campanha para a aquisição dos calções, o que também deu certo. Pouco depois, minha família retornou a Campo Maior, mas tenho notícia segura, através de meu amigo Francisco Costal, josé-de-freitense, fiscal do Estado e radialista, de que esse campo ficou em atividade durante muitos anos. De modo que, respondendo à pergunta do magistrado Carlos Dias, paulista e torcedor do Santos, posso dizer que sou santista desde menino, desde que joguei num time chamado Santos, que ajudei a criar, na aprazível e querida cidade de José de Freitas, outrora Livramento.

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