quarta-feira, 12 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


12 de maio

O CAVALO E O JUMENTO

A nota de ontem, deste diário, fez-me lembrar dois casos acontecidos em viagem. No primeiro, ia eu para Capitão de Campos, quando, chegando perto de Cocal de Telha, avistei um esbelto cavalo, que atravessava pachorrentamente a estrada. Para apressá-lo, e desse modo livrá-lo de eventual acidente, buzinei. O animal, que mais parecia um potro, apressou-se, mas num choto saltitante e requebrado, jogando a cabeça e as crinas para um lado e outro, de forma moleca e faceira, o que me deu a nítida impressão de que ele estava a zombar de minha buzina e preocupação, que evidentemente julgou impertinentes, em sua avaliação cavalar. Galantemente desceu a rampa da estrada e sumiu na verdejante moita de mufumbo que havia. O outro caso aconteceu com um taxista, meu conhecido. Vinha ele de uma longa viagem, em que fora buscar o carro, que lhe haviam furtado, quando, um pouco depois da cidade de Piracuruca, atropelou um jumento. Atordoado pelo susto e pelo sono, e talvez pelos “arrebites” que tomara, para se manter acordado, desceu para ver o estrago no veículo que recuperara do larápio. O prejuízo foi grande e o veículo ficou sem funcionar. Ele, então, dirigiu-se ao jumento morto. Disse-lhe, dedo em riste, que estava pensando em lhe dar uns tiros; que ele, se não fosse um grande filho de uma égua, poderia estar vivo, e comendo os verdes capins da campina que ali havia; que poderia estar com os seus colegas e irmãos; que poderia estar a namorar sua jumenta predileta, mas que, imprudentemente, jumento burro que era, preferira vir para o asfalto, para provocar aquela desgraça. Um motorista que parara, em solidariedade, o chamou à razão. Fez-lhe ver que o jumento já era defunto; que, mesmo que não estivesse morto, não entenderia aquela lengalenga. Por fim, concluiu dizendo que ele não poderia matar quem já estava morto. O taxista recobrou a razão, e encerrou sua verborrágica catilinária contra o jumento morto, réu e vítima da imputação que lhe foi feita, como se diz na linguagem forense.

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