segunda-feira, 14 de junho de 2010

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS

Elmar Carvalho



A CURICA FULÔ

A menina viu o ninho da pequenina curica jandaia. Lembrou-se das constantes recomendações da mãe para que não retirasse os ovos e os filhotes dos ninhos. A mãe dizia, com muita emoção e ênfase, que a avezinha iria ficar muito triste pelos filhos perdidos, assim como ela também morreria de dor se a menininha lhe fosse arrebatada. A menina relutou, pensou muito, mas terminou não resistindo e levou a pequenina curica. Ao chegar em casa, ouviu os sermões e a reprimenda da mãe, que lhe disse para repor o filhote no ninho. Muito sentida, a menina se preparava para cumprir o que a mãe lhe recomendava, quando o pai chegou da roça. Este, vendo a tristeza e o choro da filha, pediu à mulher, que por aquela vez deixasse a filha criar a curiquinha. A mulher, com muita relutância e de má vontade, concordou com o marido. Um largo sorriso estampou-se na face daquela menina tristonha, que não tinha brinquedos, exceto uma boneca muito feia, feita de trapos e palha de milho. A criança dedicou todo o seu esforço e tempo a criar a pequenina ave. Preparava a comida, limpava a caixa de papelão em que a colocava e punha água numa tampa de flandre bem limpa. Todo o seu cuidado reservava para a sua jandaia. Constatado que era do sexo feminino, deu-lhe o nome de Fulô. A ave nunca soube o que fosse uma gaiola. Nunca ficou presa, e, no entanto, nunca foi embora. Mesmo quando a menina ia buscar água ou dar algum recado na vizinhança a jandaia voejava perto da dona ou pousava-lhe no ombro. Nunca aprendeu a dizer palavras, exceto o nome daquela criança que lhe criara e amara. A tristeza da menina diminuiu desde que passou a criar o passarinho. A própria mãe já admitia que a vinda da curiquinha fora o melhor remédio para a permanente melancolia da filha. Um dia, não se sabe de que, a menina amanheceu morta. Morrera enquanto dormia. Parecia sorrir. Dir-se-ia que estava mais feliz do que nunca estivera em vida. Os pais choraram tudo que tinham de chorar; verteram as lágrimas que tinham de verter. Num caixãozinho tosco de madeira apenas serrada encerraram a filha, e a sepultaram no cemitério campestre, debaixo de uma faveira, que então estava florida, com as bolotas se debruçando sobre a cova. Quando olharam para cima, viram a Fulô pousada num galho, muda, encolhida, como se estivesse triste, como se soubesse o que acontecera. Parecia sentir que nunca mais veria a sua pequenina dona. Quando todos se foram, a curica ainda permanecia no galho da faveira. Na visita de sétimo dia, após a reza do terço, perceberam que Fulô estava na faveira, sozinha. Ao entardecer, quase na hora do por do sol, viram Fulô dar algumas voltar ao redor da casa que fora sua, a dizer, bem alto e de forma bem pronunciada, o nome de sua dona. Depois a viram juntar-se a um bando de jandaias que passava. E nunca mais se teve notícia daquela curica, que fora a única alegria de uma criança triste.

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