segunda-feira, 2 de agosto de 2010

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


SALTO SEM TRAPÉZIO

ELMAR CARVALHO

Sua história é quase igual à de vários outros jovens, exceto pela tragédia que depois desabou sobre ele. E pode ser contada em poucas palavras. Entrando na adolescência, foi advertido pelos pais sobre as ciladas das drogas. Concordava com tudo que eles lhe diziam. Foi induzido a assistir palestras sobre esse tema. Compraram-lhe livros sobre o assunto. Prometeu lê-los. Na verdade não o fez. Apenas os folheou displicentemente. Emotivo, sensível, um tanto tímido e taciturno, tinha apesar disso seus dois ou três amigos mais ousados e mais extrovertidos. Talvez extrovertidos e ousados demais, o que lhe atraía como uma forma de compensação, sem nenhum psicologismo e estereótipos de manuais. Logo, para tomar o primeiro trago de cachaça ou rum foi um pulo excessivamente rápido. No início, negaceou um pouco, mas lhe convenceram de que era uma coisa extraordinária e que, além do mais, todos bebiam, nem que fosse uma vez ou outra. Depois, o primeiro cigarro de maconha, as duas ou três primeiras baforadas, sem tragar, mas, em seguida, as outras, para valer. Também lhe convenceram a fazer a cabeça com loló. Maria-vai-com-as outras foi indo, foi ficando, até que o vício começou a ficar incontrolável. Como muitos outros garotos de sua idade, começou a furtar pequenas quantias e alguns objetos em casa, para sustentar o vício, já que sempre extrapolava a sua mesada. Vieram as pressões para fazer tratamento de desintoxicação. Argumentava não precisar, já que dizia não ser viciado. Por muita insistência dos pais e das duas irmãs, foi para uma clínica, mas acabou por não seguir as regras que lhe foram prescritas. Começou tudo de novo e com mais intensidade. Expulso de casa, começou a cometer furtos e assaltos na rua, desta feita já sob o efeito do crack. Preso provisoriamente, foi solto em virtude do excesso de prazo, uma vez que ainda não havia sido condenado.

Naquele dia, o dia da tragédia, foi se drogar no apartamento de uns colegas. No dia seguinte, não se lembrando de como tudo acontecera, deu por si no leito de um hospital. Disseram-lhe que estava paralítico, da cintura para baixo. Por fim, soube como os fatos aconteceram. Tudo lhe foi contado com base nas informações de seus colegas, e devidamente apurado pela polícia. Estava muito doido, consumindo as bolinhas em ritmo acelerado. Em dado momento foi ao banheiro. Quando voltou, ao ver o seu reflexo estampado no vidro que dava para a sacada do apartamento, sob o surto de violente delírio, partiu contra esse vulto, dizendo que iria esganá-lo. Tudo aconteceu de modo demasiadamente rápido e inesperado. Seus colegas disseram que ele, ao correr contra o vidro, na tentativa de trucidar seu próprio reflexo, tropeçou, saiu despontando, catando mamonas, como se dizia antigamente. Ao bater no peitoril da sacada, caiu, em verdadeiro salto mortal, porém sem rede e sem trapézio. Como dito, não morreu; ficou paralítico. Forçado pelas circunstâncias, libertou-se da dependência química. Voltou ao convívio familiar. Arranjou novo vício, o vício da leitura. Em consequência deste, adquiriu o hábito de escrever. E a tragédia terminou não sendo tão grega assim.

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