A MORTE DE CHICO
Elmar Carvalho
Era um pequeno macaco, da raça prego. Logo, tornou-se o mimo da casa, especialmente das crianças. Olhos pequenos, vivos, ligeiros. Prestava atenção em tudo o que as pessoas faziam. Tinha o hábito de lhes imitar os gestos, o que o tornava ainda mais querido, simpático e engraçado. Os pequenos gostavam de vê-lo descascar e comer uma banana.
O dono da casa o comprou numa feira livre. A seu favor, diga-se que cuidava muito bem do macaquinho, limpando-lhe diariamente a casinha. Banhava-o, escova-lhe o pelo, e o alimentava convenientemente. Deu-lhe o nome de Chico, que é um nome quase comum em se tratando de símio. O macaquinho retribuía-lhe o amor e dedicação, afagando-o e procurando a sua proximidade. Gostava de imitar o dono, quase como se fosse um número circense de mímica. Parecia saber que o homem gostava de suas imitações gestuais.
Um dia, não sei por que motivo, o dono da casa resolveu tirar a barba no quintal, perto de onde ficava o Chico. Parece que faltou energia elétrica, e o banheiro ficava muito escuro, de modo a dificultar o manuseio da navalha. O homem não tinha barbeador elétrico e não gostava de aparelho de barbear moderno, de lâminas descartáveis. Na verdade, gostava de uma navalha antiga, importada da Inglaterra, e herdada de seu pai. Era um verdadeiro ritual quando ia amolá-la numa madeira apropriada a essa finalidade. Igualmente, era quase uma cerimônia ritualística o seu barbear, em que utilizava um recipiente esmaltado, também antigo, para produzir a espuma; depois, usava um pincel de cerdas naturais para espalhá-la no rosto. Então, abria a navalha, com seu cabo de madrepérola e sua lâmina da aço, brilhante e bem limpa. Chico, com seu jeito esperto, com seus olhinhos vivazes, não tirava a vista do dono, parecendo achar muito graça naquela novidade do barbear. Viu quando o homem meticulosamente esticava a pele, para depois ceifar os pelos com a lâmina inoxidável, que reverberava ao sol da manhã. Após fazer a barba, quando mal terminava de lavar o rosto com água e sabão, foi chamado às pressas para atender um telefonema.
Chico não perdeu tempo. Saltou para a pequena mesa, onde o homem deixara a vasilha com a espuma, o pincel e a navalha. Pegou o pincel; mergulhou-o na espuma e passou-a no rosto. Ficou muito engraçado, parecendo um pequenino palhaço simiesco, o que despertou o riso das crianças, que estavam perto. Em seguida, pegou a navalha, que ficara com a lâmina aberta, e a levou em direção á face, em local próximo ao pescoço, como vira o dono fazer. Em sua inocência animal, sem noção de como a lâmina deveria ser posicionada, movimentou-a de cima para baixo, e nesse gesto, que os meninos acharam tão engraçado, cortou a jugular. Soltou um grito fino, estridente, lancinante, com os olhos esbugalhados, como se quisesse entender o que havia acontecido.
Logo caiu, esvaindo-se em sangue. O sangue de um vermelho vivo misturou-se com o branco da espuma. Mas agora já não era um palhaço buscando uma outra cor. Era a morte pintando de rubro a mesa e o Chico. Foi o dia mais triste daquelas crianças. Fizeram um pequeno caixão e sepultaram o maquinho no quintal, à sombra de um pau-d'arco, que então desabrochava suas flores, como se fossem lustres de ouro.
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