terça-feira, 17 de agosto de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Pintura de Rogério Albino

17 de agosto

A MORTE DE JOSÉLIA

Elmar Carvalho

No domingo, Dia dos Pais, fui a Campo Maior. Na casa paterna encontrei a minha irmã Maria José, que passou a minhas mãos um envelope contendo vários recortes de jornais, que ela cuidadosamente colara num papel de boa qualidade, de modo que esses recortes estavam em perfeito estado de conservação. Eram pequenas notas tipográficas, do final da década de 1970, dos jornais Folha do Litoral, Norte do Piauí e O Estado. A maioria continha poemas de minha autoria, do final de minha adolescência. Alguns desses textos, embora não os renegue, não os recolherei em livro. Havia breves notas sobre o lançamento do livro Galopando, primeira obra a agasalhar meus versos, e que mais me causou emoção, por isso mesmo. Também faziam parte do opúsculo os poetas Paulo de Athayde Couto, Josemar Neres, Paulo Couto Machado e Rubervam Du Nascimento.

E havia, no meio dessa relíquia de celulose, duas notas sobre o trágico acidente automobilístico em que faleceu minha irmã Josélia, no apogeu de sua beleza e na plenitude de suas quinze primaveras. Ali estava uma elegia que escrevi sob o impacto de sua morte, e que se encontra estampada no meu livro Rosa dos Ventos Gerais. No meio desses velhos papéis, havia um texto manuscrito, de que já não tinha a menor lembrança, vazado em nervosa prosa poética, em que eu extravasava as minhas emoções ao ferir essa tragédia familiar. Ela faleceu no dia 2 de julho de 1978, e mal completara quinze anos de vida. Era bela. Era alegre. Era cheia de vida. Sua alegria era verdadeiramente contagiante. Exercia feliz e natural liderança sobre suas amigas. Soubemos que no último dia de aula, quando viriam as férias de julho, ela abraçou todos os seus colegas de classe, um a um, meninos e meninas, e lhes disse que fazia aquilo porque lhes desejava umas férias tão alegres como as que ela teria. Também escreveu num caderno uma breve crônica em que pedia que, quando morresse, fosse posto um ramo verde sobre seu túmulo. Parecia ter a premonição de que morreria no verdor dos anos. E um ramo verde apareceu no local em que ela foi sepultada. E – quem sabe? - talvez as suas férias, em outros infinitos páramos de Deus, tenham se convertido numa eterna festa de paz e beatitude.

Recordo muito bem. Eu estava sob uma das traves do estádio de futebol de Buriti dos Lopes, em minha posição de goleiro, quando vi umas moças virem em minha direção. Reconheci que eram umas amigas de minha família e de minhas irmãs. Logo, salvo engano, a Clotildes Duarte me disse que minhas três irmãs haviam sofrido um acidente, mas que estavam bem. Quando percebeu que eu havia assimilado o golpe, acrescentou que não iria me enganar; que a Josélia havia morrido, e que seus parentes iriam me levar a Parnaíba, para eu ficar ao lado de meus pais. Soube, depois, que meu pai, homem extremamente emotivo e sentimental, ao saber da notícia estendeu-se no solo, prostrado, arrasado. Um de meus irmãos teve a presença de espírito e inteligência emocional para cantar uma música religiosa da predileção dele, que dizia para a pessoa segurar na mão de Deus e ir em frente. Imediatamente, o velho levantou-se e criou forças para fugir do desespero. Minha mãe, que sob certos aspectos sempre fora mais forte e mais contida que meu pai, ficou arrasada, e ficou prostrada por vários dias. No dia seguinte, o meu amigo Antônio Gallas escreveu uma de suas Crônicas da Cidade, dedicada a Josélia, que era sua aluna. O texto foi lido por Gilvan Barbosa, de bela e vibrante voz. Dessa época, o poeta Jorge Carvalho encontrou entre os pertences e pequenas lembranças de sua mãe um pequeno impresso, em sua memória, que me repassou de forma muito atenciosa através de e-mail. O diretor dispensou os alunos do Colégio Comercial, onde minhas irmãs estudavam, e eles encheram a catedral, de onde saiu o cortejo fúnebre em direção ao Cemitério da Igualdade, de nome tão sugestivo quanto apropriado.

Tentei ajudar a levar o caixão. Mas como o senti pesado, embora minha irmã fosse tão leve em sua beleza esbelta, em sua espiritualidade alegre. Acho que ele me pesou na alma, porque eu sabia que aquela era uma viagem de onde não se regressa jamais. A não ser na saudade dos que nos amam, dos que sentem a nossa falta. Certamente por isso, meu pai mandou gravar numa placa, que contém a imagem de seu rosto eternamente jovem, os imortais versos de Da Costa e Silva: “Saudade! Asa de dor do pensamento!”

6 comentários:

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  2. q lindoooooooooo, me emocioneiiii de noovo, principalmente quando o sr. fala no vovô e na vovó, quando ficam sabendo da morte da tia josélia..beijos

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  3. Caro Elmar:
    Estou em Curitiba e, no computador do meu filho mais vleho, acabo de ler a página de dor malferida e de saudadade eterna.´uma bela e elegíaca crônicade irmão amado e e de amaro pensameto distanciado. O sentimento dese tipo de saudade atualiza o fato e o revive na dor cicatrizada, porém jamais materialmente aceita.A sua querida Josélia teve o destino dos que se vão cedo e têm sua biografia brutalmente interrompida.
    Imagine-se o que essa jovenzinha teria dado de felicidade e de alegria para seus pais. Isso tudo lhe foi cortado.
    A litertura tem lá suas compensações: ela traz nossos mortos amadíssimos mais para perto de nós e, simultanemaente, quando, no papel escrito ou impresso, de alguma forma nos consola e muito. Mas como dói, eu diria pensando no grande poeta Cruz e Sousa, que sofreu em vida as perdas de entes queridos. A poesia, ou a crônica poetizada,como esta que lhe dedicou de corpo e alma, tem suficiente poder de tonar sua irmãzinha sempre viva e doce, e bela e alegre junto de você e de sua família.
    Cunha e Silva Filho

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  4. Prezado amigo Cunha e Silva,
    Seu excelente comentário terminou me fazendo escrever uma outra nota no Diário Incontínuo sobre o falecimento de minha irmã. Remexer no passado traz essas consequências e desdobramentos. Mas isso foi um ajuste de contas que eu me sentia na obrigação de fazer comigo mesmo.

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  5. meu estimado amigo elmar,acabo de ler,sobre esta tragédia ocorrida na sua familia,que me deixou muito emocionado,e surpreso,pois tive a alegria e felicidade de morar com voce na casa do estudante pobre do piaui,e sei o tanto que voce é possuidor de um coração bom,sencivel,amoroso,não é a toa que voce é um grande poeta do nosso estado.
    Elmar, o trágico acidente ocorrido com sua querida irma,me tocou muito, haja visto que eu embora com um ano e seis meses de idade,também perdi a minha querida~e inesquecivel mãe,que se chamava Dora,vítima de atropelamento no rio de janeiro,com apenas 22 anos de idade,meu pai mamede lima,com l9 anos.
    NA OCASIÃO DO ACIDENTE MINHA MÃE ME LEVAVA NOS BRAÇOS,SEGUNDO JORNAL DA ÉPOCA,SÓ NÃO MORRI,PORQUE ELA ME JOGOU LONGE DO CARRO QUE NOS ATROPELOU.,tenho comigo o exemplar deste referido jornal onde o acidente foi noticia de primeira página.
    Aproveito para dizer que sempre me vem a mente ,aqueles dias inesqueciveis de casa de estudante,quando ríamos muito.com as bricadeiras de nosso querido e inesquecivel EDMAR OLIVEIRA PINTO,por que eu rezo todas as noites.
    Elmar hoje moro em Maringá Paraná,tenho como esposa a Nídia,filha do sr. Jaime Medina e de dona Dulce, que foram colegas de seu pai nos correios,sou pai de tres filhas, Marilia,Natália, e Letícia.
    quero aproveitar ainda para convida- lo para vir conhecer Maringá,onde voce irá encontrar muita inspiração ,pois a cidade é muita bonita,no que diz respeito a natureza.
    quero encerrar dizendo que tenho muito orgulho de ter um amigo com as qualidades humanitárias como voce.
    um abraço fraterno .

    RUI.

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  6. Caro Rui,
    Fico satisfeito com sua visita ao blog.
    Estimo que vc e sua família estejam bem.
    Tenho tido notícias suas através do nosso amigo e conterrâneo João de Deus Netto, blogueiro mor e artista maior de Campo Maior.
    Tenho tido contato com seu irmão, o boa praça Vinício.
    Sobre minha curta temporada na Casa do Estudante (quatro meses) postei uma breve crônica neste blog, ilustrada com fotos dela e do velho Liceu, onde estudei nesses quatro meses.
    Abraço e sucesso sempre.

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