domingo, 12 de setembro de 2010

SELETA PIAUIENSE



CANÇÃO DE AMOR E MORTE

PAULO MACHADO

Antônia Flor – flor da gameleira –
toda manhã lavrava a terra
com a sabença de quem conhecia
o sabor agridoce dos araçás.

Antônia Flor – flor da gameleira –
na cinzentura da tarde, guardava
no aprisco cabritos e borregos
da fúria profana dos carcarás.

Antônia Flor – flor da gameleira –
aos oitent’anos tinha os olhos acesos
a alumiar, como os olhos de maracajás.

Antônia Flor – flor da gameleira –
fez do amor à terra sua peleja,
sua crença, sua razão de bem-viver.

Antônia Flor – flor da gameleira –
teve o corpo crivado de balas –
à sombra de uma velha ingazeira.

Carpideiras puxaram excelências
e tiranas, com a notícia da morte
a correr nos estirões das veredas.

Um comentário:

  1. A leitura desse belo e trágico poema de Paulo Machado, poeta piauiense, me remete, à guisa de uma interpetação preliminar, primeiro ao seu título formado do vocábulo universalmente historicizado, que é o amor, e de um outro de semântica disfórica e igualmente universal na sua historicidade. Por outro lado, é preciso desentranhar do lexema "amor" um desdobramento com equivalência a um outro implícito, que é "vida".lexema também de alcance semântico universal
    Ou seja, o poema, no tema congrega amor, vida e morte, sendo que, no sintagma "canção" do título,o poema completa , ou melhor, sintetiza sua parte formal que se torna responsável por dar o tom rítmico do conjunto dos versos e, nos dois útimos tercetos, o sentido elegíaco como ocorre nos epicédios ou nênia.
    Cada estrofe , à exceção, da última, comporta o estribilho "Antônia Flor - flor da gameleira". Atente-se para o fato de que nesse estribilho o lexema "Flor", com maiúscula, já por si reitera a metáfora "flor da gameleira", na qual o nome próprio vai do nível da denotatividade para o da conotatividade. Essa imagem composta da parte e do todo de uma espécie do reino vegetal a um tempo que remete à beleza de Antônia, a insere no espaço telúrico da paisagem nordestina. Quer dizer, a personagem retratada no poema se torna parte indivísivel da paisagem e, por essa razão mesmo é que seu destino tem um peso muito mais trágico dado que alguém ,cujo devotamento ao trabalho da terra só poderia merecer as bênçãos da vida, ao contrário, morre estupidamente e, já em idade avançada, sem nunca ter perdido um dia sequer no trabalho árduo com a terra.
    No poema há um equilibifro perfeito entre os elementos musicais, quem merecem análse mais profunda, e as implicações sociais do homem, ou mulher, que vive no campo.
    A poesia não é só estrutura formal, estéica, ritmos, e rimas,mas, como lembra Eagleton, um testemunho da História.

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