sexta-feira, 3 de setembro de 2010

SEM RUMO

CUNHA E SILVA FILHO
Para Cunha e Silva Neto


Em qualquer parte estaremos. A vida, algumas vezes, nos dá o seu sem-sentido. Vago sortilégio nos empurra para algum lugar, conhecido ou não. Quem é o responsável pelos nossos rumos e andanças baudelairianos ou, em outros sentidos e latitudes, cesarioverdianos? “Pensamento de um Ocidental”. Que lindo, estranho e comovente poema!
Vejo largas ruas de Curitiba, Ruas que, na sua maioria, não conheço pelos nomes, nem pela exatidão topográfica. Dá trabalho para se conhecer uma cidade maior. No Rio de Janeiro foi a mesma coisa. Penei por mais de um mês pra poder me posicionar no tocante às ruas do Centro e este, a meu ver, não é tão grande assim. Apanhei, contudo, aprendi, não obstante os nomes de algumas delas ainda me confundam.
O mesmo diria de Teresina, onde vivi quinze anos consecutivos, pois, em Amarante, minha terra natal, só morei na infância de três anos. Hoje, a bela Cidade Verde”, tão sabiamente cantada em verso pelo poeta Hardi Filho, desconheço nos seus desdobramentos progressistas. Só a velha parte do Centro me é agora familiar. A nova Teresina, a sua nova periferia, os seus novos bairros e construções verticalizadas, isso tudo me é estranho e nesse mapa atualizado me perco. Invejo os que puderam acompanhar-lhe o crescimento sem perder por isso o bonde, não o da História, mas o da urbe.
Ruas curitibanas. São ruas pelas quais já passei muitas vezes, entretanto, na confusão automobilística, por elas cruzo e recruzo tentando em vão ( o grande Eça diria “debalde”) situar-me. Nunca fui bom de mapas e muito menos de assunto relacionado a espacialidade, ao contrário de minha mulher, que, uma vez visto um local, logo o guarda com a sua invejável memória, assim como o faz com respeito a números de telefones e celulares. Quanta memória que não tenho! Em compensação, minha capacidade retentiva se distingue potencialmente para armazenar palavras. Oh, como as guardo tão bem e, amiúde, até sei quando as vi pela primeira vez e mesmo nos contextos lingüísticos nos quais as aprendi!
Gosto de palavras, em especial das que desconheço. Elas me dão a medida correta de quanto somos, vocabularmente, pobres e desamparados.Uma vez uma professora de língua inglesa me contou que um colega dela, também professor dessa disciplina, sabia praticamente todas as palavras de um dicionário inglês-português. Suponho que de tamanho médio, porquanto reter os milhares de verbetes de um dicionário desk-type me parece descomunal e impossível, tendo em vista que esses gigantes lexicográfico contêm milhares de cross-refrences, ou seja, armazenamento só possível a um computador.
Na realidade, esta crônica, como se vê, não tem rumo. Será que tem sentido? A se ver pelo titulo, portanto, pela sua função catafórica, não tem com certeza. “Pouco me importa”, nesta situação aquela frase fina do diálogo entre o sedutor capitão Rett Butler, galã de “E o vento levou.”, no papel desempenhado pelo ator Clark Gable e Scarlet O’Hara, aquela linda e estouvada personagem vivida pela atriz Vivien Leigh. Não havia mais volta para uma possível reconciliação de um grande amor na tumultuada vida do belo par romântico.
Quem dita o rumo de uma crônica é o momento epifânico do ato da escrita. Só ele detém a autonomia deste mistério das palavras no papel ou na tela do computador. Só ele sabe por que me abalanço a alinhar à mão e, depois, a digitar no teclado, nesta meio cálida tarde de Curitiba, por sobre esta escrivaninha do quarto de minhas netinhas, estas divagações passageiras sem destino , forçando a mão e o pensamento a moldarem, na folha branca, alguma forma de comunicação íntima e unilateral, de vez que não estou cogitando aqui da figura do leitor ideal ou de qualquer classificação teórico-narratológica. Quem me dera pelo menos alcançasse o reduzido número de leitores de um certo romance de Machado de Assis!
O pensamento sem rumo ainda me empurra para o lado cultural curitibano e chego a uma conclusão que talvez, por sua natureza, se estenda a outras capitais brasileiras: a de que as histórias literárias, regionalmente falando, são tão fascinantes e enriquecedoras quanto as do conhecido eixo hegemônico Rio-São Paulo. Todas têm suas histórias específicas, suas “questões coimbrãs”, suas defasagens cronológicas em comparação com os centros culturais dominantes, todas têm seus nomes ilustres, suas figuras mais em evidência no passado e no presente,seus lances de virtudes e de vícios e, por último, suas costumeiras injustiças contra alguns escritores. A vida literária dessas antigas províncias, seus episódios mais conspícuos que merecem os registros dos historiadores locais, mantêm entre si enormes semelhanças com os outros estados do país.
No Paraná, recortando o tempo de rupturas poéticas do fazer literário canônico, não se pode esquecer o nome de Paulo Leminski, da mesma maneira que, no Piauí, não se pode esquecer de H. Dobal, Mário Faustino ou, nas suas pretensões iconoclastas, de Torquato Neto.Em Curitiba, fiquei sabendo que Leminski (1944-1989) é autor de um romance experimental chamado Catatau, que, no meu juízo, precisa de ser mais divulgado. Me pus, desse modo, a par daquilo que não conhecia da história literária contemporânea paranaense, para mim só mais evidente através dos poetas Tarso da Silveira, Emiliano Perneta e Rocha Pombo, este último como poeta, não como autor de uma Historia do Brasil, um volume da qual havia na biblioteca de meu pai. De curitibanos já conhecia, os críticos Andrade Muricy, Temístocles Linhares, Wilson Martins e, na ficção contemporânea, o mais conhecido deles nacionalmente, o contista Dalton Trevisan.
Da mesma forma, esse recorte regionalista me faz pensar naquela antiga idéia de “ilhas culturais” ou regiões geográficas, em número de sete (Amazônia, Nordeste, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro concebidas pelo ensaísta e ficcionista gaúcho Viana Moog, formulação esta hoje algo ultrapassada, dados os seus vínculos tainianos ( clima, região e meios de produção) de unidades literárias separadas do conjunto geral da literatura brasileira, diante dos avanços das mídias atuais, tornando cada vez mais estreito o contato entre estados brasileiros, e mesmo assim longe ainda está do desejável ideal de reciprocidade.
Na minha deambulação mais recente levei comigo duas antologias, uma de autores franceses e outra, de ingleses e norte-americanos, uma obra de filosofia pra não filósofos e um livro de poemas, Onde humano (Teresina, PI, editora Nova Aliança, 2009, 114 p.) do jovem piauiense Luiz Filho de Oliveira, obra cuja leitura concluí em Curitiba e que me causou forte impressão.
No geral, pouco li do que levei, mas , em terras estranhas, os planos tornam-se sem rumo, tal como o título do cronista.

Um comentário:

  1. Que bom que mesmo nos "dias atuais" podemos contar com uma leitura como a sua: serena e interessante...parabéns! Carmary Leite

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