quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


Elmar, Zé Wilson e Zé Francisco, no adro da igreja de D. Lobão




Igreja de Lagoa do Piauí

22 de dezembro

VIAGEM AOS SEIOS DA ADOLESCÊNCIA

Elmar Carvalho

Neste domingo, fui a Lagoa do Piauí. Lá estive em 1972/1973, quando eu tinha de 16 para 17 anos. Fomos eu, o Zé Moura e o Zé Wilson, cujos parentes de sua falecida mãe eram dessa localidade. Nos hospedamos na pousado do saudoso Chico Oliveira, que faleceu solteiro, ainda relativamente novo. Além da pousada, ele tinha um posto de combustível e um clube dançante em Demerval Lobão, cidade que fica a aproximadamente cinco quilômetros. Tomamos umas calibrinas e ouvimos muito carimbó, que então estava na moda, sobretudo na voz de Pinduca, com a sua roupa estilizada e chapéu rodeado de penduricalhos. Salvo engano, algumas músicas se chamavam “Mataram meu peru”, “Hoje é dia de bibi”, “Sinhá Pureza”, e uma cheia de trocadilhos engraçados e difíceis, em que a letra falava que eram muitos “socós para um só socó coçar”, um verdadeiro “trava língua”. Namorei uma moça, que depois perdi completamente de vista. Nos meus ardores adolescentes, tentava abraçá-la com veemência, mas ela prudentemente negaceava o corpo, em sua timidez de cabocla interiorana.

Hoje, o povoado é uma cidade, mas ainda conserva o bucolismo das árvores, dos quintais floridos e dos terrenos baldios, verdejantes de capim, de matapasto e de outras plantas silvestres. Lá encontrei a maior tamarineira que já pude ver e um pequizeiro vergado de frutos, redondos como uma bola de tênis. Por entre os verdes quintais uma torre telefônica, que não existia, aparentava anunciar um suposto progresso. O primeiro prefeito da cidadela foi o Nonato Carvalho, primo do Zé Wilson. Felizmente, a ermida da localidade, na qual imaginei um dia me casar, parecia não ter sofrido muitas modificações, exceto por uma bela praça gradeada, referta de plantas ornamentais, que a circundava. Quando estive na povoação, na época a que me referi, havia uma prostituta que fazia ponto perto da ponte (observe-se o trocadilho cheio de aliterações, em que estardalhaça a sua presença a bilabial explosiva p). Os garotos da Lagoa desciam com ela até o leito seco do riacho e lá desaguavam a concupiscência adolescente. Não sei se alguns saíam montados em cavalos alados ou de crista, oriundos de gonocócicos bacilos e vacilos. Certamente saíam apaziguados e mais felizes. Na viagem de agora, que me fez recordar a de outrora, fui com Antônio José, meu irmão, e Zé Francisco Marques, marquês de Bitorocara, de campomaiozeiras plagas. Tirei muitas fotografias dos logradouros e paisagens a que me referi.

No retorno a Teresina, fiz uma parada estratégica em Demerval Lobão. Lá encontrei Zé Wilson, meu anfitrião da primeira viagem. Casado pela segunda vez, caduca agora com um filho de poucos meses. Caduca no bom sentido, pois ele é um cinquentão bem conservado e saudável. Fomos olhar a igrejinha da antiga Morrinhos, que conservei em minha memória. Na década de 70, Francisco da Izinha era o locutor das amplificadoras do templo, que funcionavam como uma espécie de rádio; hoje, a urbe tem rádio de verdade. Nosso ponto de apoio era a casa do sr. Ernesto Ribeiro, que depois se tornou prefeito da cidade. A mulher dele, dona Iracema, era irmã de Abdoral Paz, pai do Zé Wilson. Os dois filhos do casal, Antônio Ernesto e Arildo Ribeiro Paz, tinham forte pendores para a arte plástica. Para comemorarmos, praticamos breve libação, em que celebramos esse reencontro, ocorrido algumas décadas depois da viagem juvenil.

O Arildo se casou com sua prima Bernadete, irmã do Zé Wilson. Como eu tivesse admirado um azulejo, por ele pintado, deu-me esse mimo. Foi pintado com os dedos, e não com palheta ou pincel. Contudo, num único ponto se percebe a marca de sua impressão digital, como se ele quisesse impor a sua assinatura, a sua individualidade ou marca pessoal. Trata-se de uma paisagem em que a lua se destaca no princípio do anoitecer, quando as cores se tornam cambiantes e o céu avermelhado. Nota-se o seu talento e habilidade nos detalhes do capim, em que quase se lhe sente a textura, bem como na árvore desnuda, que se esgalha em direção à lua cheia. Também uma cerca discreta, quase a se confundir com a linha do horizonte, revela o talento do Arildo, através dos detalhes minimalistas. É um desenho simples, limpo, mas em que se pode perceber, mormente pela pintura do capim, do céu e das nuvens, que o pintor soube usar recursos do figurativismo e da arte abstrata. Zé Wilson nos convidou para retornarmos, noutra ocasião, em que ele abateria uns galináceos para regalo de nosso estômago. Prometemos retornar. Retornaremos, decerto.



Azulejo pintado por Arildo Ribeiro


2 comentários:

  1. Joserita Maria de Melo Carvalho24 de dezembro de 2010 às 16:57

    Legal demais essas tuas viagens ao "passado"...deve ser uma experiência incrível a pessoa voltar a um lugar aonde esteve a muitos anos atrás. Ei padrinho Elmar me dá notícias da Bernadete, irmã do Zé Wilson, eu me lembro que brincava com ela quando a gente morava no conjunto do Ipase em Campo Maior.Tu viu ela nessa viagem ?

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  2. Não a vi. Vi apenas o Arildo, primo legítimo e marido dela. Vi ainda um filho do casal, já rapaz. Mas ela reside em Demerval Lobão, assim como o Zé Wilson.

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