domingo, 31 de outubro de 2010

ANTOLOGIA DO NETTO

Texto e charge: João de Deus Netto



FONTES IBIAPINA
João Nonon de Moura Fontes Ibiapina nasceu na fazenda Lagoa Grande, município de Picos, em 14 de junho de 1921. Segundo ele, "pego pra estudar já grande", veio para Teresina matricular-se no Colégio Diocesano. Formou-se pela Faculdade de Direito do Piauí, exerceu a magistratura durante muitos anos. Foi professor, diretor do Colégio Rural e Artesanal Pio XII, Juiz de Direito e membro do Conselho Estadual de Cultura, da Associação Profissional dos Jornalistas do Piauí, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense. Primeiro presidente e um dos fundadores da Academia Parnaibana de Letras, fundada em 28 de julho de 1983 e oficialmente instalada em 19 de outubro, do mesmo ano. Na Academia Piauiense de Letras, ocupou a cadeira n° 9, cujo patrono é Alcides Freitas. Colaborou em periódicos, como "Opinião" (1953) e "Avante" (1952), sendo diretor desse último, órgão do Grêmio Centrista "Da Costa e Silva", (Não confundir com o "Avante" de 1958, dos alunos do Colégio Estadual Zacarias de Góis). Quando começou a escrever participava de concursos de contos promovidos pelas revistas "Cigarra" e "Alterosa", nas quais chegou a ser vencedor. Essa fase está registrada em seus dois primeiros livros: Chão de Meu Deus (1958) e Brocotós (1961). Já como escritor consolidado, foi 1° lugar no VII Concurso Nacional do Clube do Livro com o romance Vida Gemida em Sambambaia e Prêmio Mobral com Lorotas e Pabulagens de Zé Rotinho. O escritor faleceu a 10 de abril de 1986, em Parnaíba, Piauí.

SAIBA MAIS:
http://www.wigg.com.br/entretenimento/fontes-ibiapina-um-contador-de-historias/12612.html

sábado, 30 de outubro de 2010

QUASE CAÇADOR (NOSTALGIA)

ALCIONE PESSOA LIMA


As pessoas que vivem em cidades grandes não experimentam algumas situações que são privilégios de quem mora na zona rural. São momentos que fazem parte da vida dessa gente desde o nascimento, como morar longe da escola, jogar bola em campo de várzea, participar de pescarias, caçadas etc.

Pois bem. Eu nasci na capital, mas vivi pelos tenros anos em localidades à época rurais dessa cidade e pude participar de algumas dessas delícias da vida simples de uma comunidade.
Morava longe da escola e tinha sempre que esperar toda a “corriola” para juntos irmos pela estrada de chão àquele lugar sagrado onde, mesmo iniciando já sabendo ler, escrever e todas as quatro operações aritméticas, consegui aprender, não só sobre matérias curriculares, mas lições de cidadania e humanidade.

E o tempo passou. E por muitas vezes entrei por buracos adrede feitos na cerca que protegia a pista do aeroporto para jogar bola. Travessuras que não esbarravam aí, pois após as peladas saia com os amigos, de baladeira em punho, à procura de passarinhos como a pomba-rola, casaca de couro, ou seja, só escapavam mesmo o urubu, o bem-te-vi e o anum porque sabíamos que se alimentavam de insetos ou animais necrosados.

E quantas vezes não descemos para as margens dos rios que banham esta cidade, não só para vê-los exuberantes em suas grandes enchentes, mas para pescarmos o piau, com isca feita de pirão de farinha de mandioca, folha de mamão e água quente, para pegar o visgo; e o mandi, com pequenas minhocas retiradas de lugares úmidos próximos às bananeiras plantadas em nossos quintais.

Era uma festa! Após a pescaria, caiamos n’água em um banho gostoso, mas eu, sempre medroso, pois não sabia nadar, razão por que lembrava-me sempre de uma frase de meus pais: “cuidado, pois água não tem cabelo”. Lógico, como toda criança/adolescente tive os meus momentos de desobediência e, por pouco, não fui tragado por aquelas águas.

Mas, mesmo vivendo todas essas aventuras, faltava-me participar de uma caçada, não daquelas de passarinhadas, com estilingue ou pedras na mão, após a queimada da vegetação rasteira do campo de aviação, como chamávamos, e, sim, com espingarda e munição para abater animais maiores, como um veado, cutia, paca etc. Isso, lógico, só vale para aquela época, quando não tínhamos a consciência ecológica de hoje e, sem sombra de dúvidas, a condição financeira que nos privilegia a termos na mesa a comida farta. Era, sim, um desejo de aventura, porém, não se pode olvidar que a principal causa era mesmo a sobrevivência.

E como o tempo não espera por nada, passou toda essa fase da vida e já entrando na fase adulta surge o convite que sempre esperei: participar de uma caçada.

Em uma bela manhã de março/99 nos reunimos, eu e mais dois amigos, um deles nascido pelas bandas de Joaquim Pires-PI, que foi o grande mentor e encorajador da aventura, e, após prepararmos as armas, ou seja, duas espingardas e um velho mosquetão, não sei de quem herdado, e os mantimentos, tanto para nos alimentarmos quanto para realizarmos escambo (troca de enlatados por uma suculenta galinha caipira) e pegamos um ônibus rumo ao destino. Sorte nossa que naquele tempo não havia fiscalização para coibir o transporte das armas.
Chegando próximo ao lugar que ficaríamos, melhor dizendo, a casa dos pais de um dos amigos, que conhecia muito bem a região, lá estava à nossa espera, após avisos pela Rádio Pioneira, um amigo com uma carroça puxada por uma velha burra, sega de um olho, que nos levaria até a casa onde nos arrancharíamos por dois dias. Era época de Semana Santa. Veja só, mesmo sendo um católico praticante e respeitador das normas da igreja e os costumes de todos que professam essa religião, não os obedeci e fui em busca da realização do sonho há tanto desejado.
Chegando no rancho prometido, lá estavam os pais e alguns irmãos do amigo condutor dos novéis caçadores que nos receberam com um largo sorriso e abraço. Nos sentimos também em casa.
Esperamos a noite, então, para começarmos a grande caçada em uma região de mata e alguns morros de onde se ouvia, até de dia mesmo, o barulho de macacos prego.
A noite caiu e, antes de sairmos, também veio uma forte chuva que fez adiar por algumas horas o plano traçado. E, ainda na espera do tempo melhorar, descobri um acervo valioso de livretos de cordel sobre uma mesinha na sala daquela casa de taipa e coberta de palha de babaçu. E lá estavam: “A morte de Lampião”, A serpente assassina”, “A grande traição” etc. Meus olhos brilharam e comecei a comentar sobre cada uma das obras, até lê-las recitando, a ponto de deixar levar-me por cada estória, pois havia uma platéia atenta e interessadíssima em me ouvir. Teatralizei as cenas e procurei ler cada texto com muito cuidado, sem perder o tempo da melodia, e, enquanto isso, a chuva lá fora não dava trégua. Ficamos de seis da tarde até mais ou menos a uma da manhã do dia seguinte. E ninguém arredava o pé. Mas eram muitos os livretos. Até que cansei. Também perdi a coragem de sair para a grande caçada, pois o tempo apenas tinha dado uma trégua. Esse foi o pensamento dos demais amigos, mas resolveram ir a uma festa em uma localidade próxima. Eu fiquei tentando dormir, mas um “caburé” teimoso resolveu cantar por toda a noite no alto de um velho e imponente pé de tamboril que existia no terreiro da casa.
E a noite, realmente, após o longo momento de êxtase na leitura dos livretos, não foi fácil, pois amanheci com alguns sintomas de catapora, meio febril e com algumas pequenas bolhas pelo corpo. Mesmo assim, tive a coragem de logo cedo dar o primeiro tiro com o velho mosquetão, pois foi o que me sobrou, e de uma forma surpreendente a todos consegui alvejar o chato da noite: o “caburé”. Daí, criei mais coragem e saí com os amigos por um vale próximo à casa. Nos separamos mais à frente até eles encontrarem um incauto veado. E eu, sozinho, apreciava mais a paisagem do que buscava os animais para abater. E o que mais me chamou a atenção foi quando deparei-me com um gavião que carregava uma cobra com as garras e assentado no galho de um árvore morta travava uma luta terrível com uma serpente. Ela, utilizando-se de suas armas enroscava-se nas patas da ave e esta, com a sua sagacidade rapineira tentava acertar a cabeça da peçonhenta como se fosse o golpe fatal que a levaria a nocaute. Bela cena que somente a natureza nos oferece! Ali estava um quadro de puro contraste entre a natureza morta (a árvore) e a viva (a lei da sobrevivência).

Naquele instante pus a arma ao chão, sentei-me em um tronco velho de palmeira, deitado ao chão, e passei a ser um mero espectador da natureza. Com sentimento de puro arrependimento, até por que lamentei muito ter mandado para a “terra dos pés juntos” o incauto “caburé”. Desisti de prosseguir a busca por qualquer outro ser vivo que servisse como troféu ao meu insano desejo há muitos anos alimentado.

Lamentei pelo destino da pobre coruja, que à noite poderia ter-se chamado de “caburé da lua” e, no momento de sua partida para a morada celeste, suponho, ter-se tornado o “caburé do sol”, pois o astro-rei já brilhava clareando a vida e iluminando a morte.

Assim posso dizer: um dia quase fui um caçador. Que bom que não consegui!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

DISCURSO DE RECEPÇÃO NA ACALPI (*)

REGINA FREITAS

Açude Caldeirão, em Piripiri

Elmar Carvalho e Regina Freitas, na solenidade de posse


Do mar eu trouxe
o vento que dança
em torno de meus cabelos.
Trouxe este meu cheiro
de sal, mariscos e maresia.
Vaqueiro fui e fazendeiro
de estrelas-do-mar que
subiram ao céu para formar
constelações e galáxias.
Nas pontas agudas de meus dedos
cintilam fogos- de-santelmo.
Meus olhos têm o brilho
que roubei das ardentias.
Os relâmpagos das procelas
pousaram nas minhas mãos
e nelas se aninharam.
Do ritmo do mar eu trouxe
os meus gestos e o meu jeito de falar.
Num lance de búzios
joguei minha cartada final
em que fui anjo terminal.
Do mar eu trouxe a cantiga
do vento na voz dos búzios.
Sobre o dorso de alados cavalos –marinhos
pesquei sereias malévolas que me
encantaram e depois fugiram.
No vai e vem das ondas
busquei o meu gesto de
posse e devolução.
Trouxe o meu beijo temperado
no salamargo de suas águas.
Trouxe tesouros sepultos
nas covas do coração.
Com o mar aprendi meu modo
de caravela: meus dedos
são filamentos que machucam
sem querer, que ferem sem ter porquê.
Trouxe caracóis que se (con)fundiram
com os caminhos labirínticos que trilhei.
Louros, nunca os tive,
exceto algas em meus cabelos.
Arrebatado por navios-fantasmas
conheci várias e inefáveis dimensões.
Nadei contra as correntes marinhas,
mas a elas cansado me entreguei;
despojado da púrpura e do cetro
com que havia lutado.
Trouxe do mar as conchas ilusórias
-multiformes e multicores-
com que minha vida enfeitei.
Mas, sobretudo, trouxe a vida
na alegria das chegadas
e na tristeza das despedidas.”

Senhor Presidente
Dignas Autoridades
Eminentes Acadêmicos
Senhoras e Senhores

O autor destes versos que li, intitulados “Poemarít(i)mos”, os quais transpiram criatividade, sonoridade, emoção, convencimento, é José Elmar de Mélo Carvalho, inquestionavelmente um nome de destaque no cenário artístico-literário piauiense, por isso que nesta noite de gala, a sociedade acorre ao chamamento da Academia de Ciências, Artes e Letras de Piripiri (ACALPI), para a festa de sua posse solene, novo acadêmico que passa a compor o quadro desta Assembléia de cultura.
O ritual da investidura prima pela simplicidade, mas denota a grandeza do seu significado aos olhos de todos quantos enaltecem os valores do espírito.
A história da cultura humana registra nos seus anais a existência dessas agremiações desde antigas eras, com a Filosofia de Platão e, no mundo ocidental, entre os séculos XV e XVIII. Todas voltadas para o culto às ciências, as artes e às letras, na busca constante da divulgação do saber.
Elmar, o acadêmico que hoje penetra, triunfante, os umbrais da ACALPI, pela sua própria vida, pelo seu curriculum muito rico, pelos seus passos nas linhas de sua peculiar poesia e de sua produção em prosa, pela sua inteligência, dinamismo, força de vontade, competência, determinação e otimismo, traz novas energias e entusiasmo para os que aqui labutam, e a disposição de lutar ao nosso lado.
Sinto-me feliz e honrada por estar aqui, hoje, neste momento em nome da Academia de Ciências, Artes e Letras de Piripiri (ACALPI) incumbida de dirigir palavras de saudação recepcionando o novel acadêmico José Elmar Carvalho.
Laços de parentesco e profissionalismo nos unem desde muito tempo, pois descendemos da mesma família piripiriense, pertencemos à mesma carreira de profissionais, porém o vínculo mais forte é o da amizade, da especial admiração que tenho por ele em razão dos seus conhecimentos no mundo da arte da poesia, da prosa, conhecimentos jurídicos e, principalmente e sobretudo por sua fé inabalável em Deus. Elmar, continuamente agradece os dons recebidos, como ele mesmo proclama na apresentação de seu livro Rosa dos Ventos Gerais: “Louvarei sempre o Senhor pelas dádivas recebidas em forma de versos, e graças darei à poesia, que ontem e hoje enche os meus dias”. E concluindo seu discurso de posse na cadeira nº 10 da Academia Piauiense de Letras, anuncia “...quero deixar consignado que a marcha da humanidade é para frente e para cima, infinitamente, eternamente em ascensão para Deus, em contínuo aperfeiçoamento, e que um dia Deus nos receberá em seu regaço, puros e redimidos, como parte integrante de seu corpo místico”. E arremata: “Creio que as quedas e as imperfeições, que as evoluções e os retrocessos, que os avanços e os recuos fazem parte de um plano divino e perfeito, como são divinos e perfeitos os giros alucinantes dos elétrons, as rotas luminosas dos cometas e as órbitas sincronizadas das esferas celestiais. E algum dia compreenderemos esse plano maravilhoso, quando estivermos com Deus e em Deus.”
Por isso que me tornei ledora contumaz e incondicional de sua obra, sorvedoura das emoções que transmite através de sua produção literária.
Elmar, por ter suas origens familiares em Piripiri, dado que o torna apto a pertencer a nossa Academia, nasceu em Campo Maior no ano de 1956. Bacharelou-se em Administração de Empresas, exerceu vários cargos públicos, formou-se em Direito, tornou-se Magistrado – Juiz de Direito, servindo atualmente na Comarca de Regeneração.
Como cultor das letras, Elmar enriquece o seu curriculum de imortal compondo os quadros das seguintes academias: Parnaibana de Letras, Academia de Letras do Vale do Longá, da Academia Maçônica de Letras do Estado do Piauí, Academia de Letras da Magistratura, Academia de Letras e Belas Artes de Floriano e Vale do Parnaíba e, Academia Piauiense de Letras.
É verbete e estudado em vários livros, de autores diversos.
Autor de inúmeras obras, principalmente como poeta, Elmar encanta com um estilo único, pessoal, inovador, como destaca-se em numerosos textos, plenos de originalidade no uso da linguagem poética.
Dentre suas obras, ressalta-se: “Cromos de Campo Maior”, “Noturno de Oeiras”, “Rosa dos Ventos Gerais”, esta contemplada com o prêmio Ribeiro Couto – obra reunida, conferido pela União Brasileira de Escritores (Rio de Janeiro), “ Sete Cidades – roteiro de um passeio poético e sentimental”.
Colaborador de vários jornais e revistas do Piauí, como “Presença”,“Almanaque da Parnaíba”, “Jornal O Dia”, “Meio Norte”, “Folha do Litoral”,”Gazeta Campomaiorense”, etc.
Foi agraciado com as seguintes distinções: “Medalha do Mérito Visconde da Parnaíba” (outorgada pelo Instituto Histórico de Oeiras), “Personalidade Cultural” (União Brasileira de Escritores /RJ),”Comenda do Mérito Da Costa e Silva” (União Brasileira dos Escritores/PI), e “Comenda do Mérito Renascença” (Governo do Piauí).
Além de poeta é cronista, contista e crítico literário.
Vale comprovar a propriedade de estilo de Elmar com a leitura do poema: “NOTURNO EM DOR MAIOR
Na noite ca’lad(r)a
um cão ladra
sem resposta
um galo canta
sem o eco doutro galo
um vaga-
lume vaga
sem lume
vaga-
rosa/mente
demente
na noite vaga
uma nave
noctívaga
navega
na vaga
do mar sem movimentos
nos cataventos
sem ventos
e de mira/gens
a noite espreita
nos olhos vidrados
do enforcado”
e poema ENIGMA
entre o som
o sono
o sonho
a sombra e a sobra
eu me decomponho
em escombros
em farpas e agulhas
escarpas e fagulhas
desfeito enfim
em fogos de artifício
feito estrelas de mim
esfinge autoantropofágica que
não se decifrou e que a si
mesma se devorou”
nos quais destacamos a riqueza de estilo de Elmar na construção de palavras com palavras, sílabas e novas palavras, como vemos nos textos “A Ilha do Sonho e do Encanto”: As árvoresa de variados tamanhos, eram muito vivas, bem verdes e brilhantes, de diferentes formas e folhagens, luxuosas, luxuriosas, luxuriantes, e se embalavam e acenavam e bracejavam, movidas por vontade própria, interagindo com a gente”, e em “Uma Bela Morte”: “...Serenamente, sem um suspiro que não fosse mais leve que a mais leve brisa, qual uma vela cuja chama se extingue harmoniosamente, sem oscilações e vacilações, após cumprida a sua missão de iluminar, consumindo-se em seu próprio mister, sem um esgar, sem um ricto que lhe vincasse a feição composta, morreu, como se apenas meditasse ou dormisse”.
Elmar, a tua trajetória de homem de caráter e de intelectual ,singularidade no estilo, na concepção, na forma, na inspiração, enriquece qualquer silogeu.
Te acolhemos, sem que houvesse um só voto discrepante, e agora te aplaudimos e te abraçamos.
Seja bem vindo!

(Discurso de recepção proferido pela acadêmica Regina Freitas, em 17/10/10, em Piripiri-PI, na Câmara Municipal de Piripiri-PI, quando da posse do acadêmico Elmar Carvalho na Academia de Ciências, Artes e Letras de Piripiri-PI.)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

DALILÍADA - épico moderno baseado na vida e na obra de Dalí

ELMAR CARVALHO


V

A decomposição compõe
esculturas nas órbitas
vazias das caveiras
e um balé antropofágico se inicia
no verme que esculpe as duras
arquiteturas das ossadas.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

DE PAPAGAIO A FRANCINÓPOLIS



27 de outubro  Diário Incontínuo

DE PAPAGAIO A FRANCINÓPOLIS

Elmar Carvalho

Conversei, neste domingo, no shopping, com dona Inês, irmã do desembargador Antônio Gonçalves. Perguntou-me pela Fátima, de quem foi colega nos Correios. Falamos do tempo em que fui juiz em Inhuma, sua terra natal, em substituição à juíza titular, que se encontrava de licença. Fomos abordados pela professora Glória Soares, sua amiga, e velha amiga de meus pais, embora bem mais nova que eles. Na rápida conversa que entretivemos, falamos em Francinópolis, o antigo povoado de Papagaio. Disse que tinha um livro da história desse município para entregar a meu pai. Prometi-lhe que qualquer dia iria buscá-lo. 

Disse-me ela que tinha algumas fotos minhas, de quanto eu era criança; acrescentou que eu fora um dos meninos mais bonitos que ela já vira. Pedi-lhe que escaneasse as fotografias, e me mandasse por e-mail, o que ela o fez, em tempo recorde. Numa delas, estou entre meus irmãos João e Antônio; em outra, estou a fazer pose, como pequeno e amestrado galã de cinema; na terceira, talvez aos dois anos de idade, caminho despido na rua arenosa, feliz, de pança cheia, tendo por fundo uma casa em ruínas. Não pude deixar de me lembrar, vendo essa terceira foto, dos versos do poeta, que dizem que, no verdor dos anos, as graças e as esperanças vão florindo à nossa frente, enquanto os desenganos vão ficando para trás, mas que, no crepúsculo da vida, as flores e as esperanças vão ficando para trás, enquanto os desenganos e as ilusões vão marchando à nossa frente.
Os irmãos João, Elmar e Antônio

Meus pais moraram no povoado Papagaio de dezembro de 1957 a janeiro de 1959. Eu era filho único na época. O segundo filho do casal nasceu no começo de 1958. Portanto, lá cheguei com um ano e oito meses e de lá saí com dois anos e nove meses. Fico imaginando a vida de meus pais nesses tempos longínquos. Ainda jovens, recém-casados, distantes dos parentes e dos pagos natais, começando a vida matrimonial num pequeno povoado, encravado na paisagem adusta do agreste. Mas foram anos felizes, pois eles guardaram boas e alegres recordações desse período.

Meu pai fora tomar posse de seu emprego no DCT, em cujo mister percorria a linha telegráfica, em plena Chapada Grande, então ainda mais desértica, quase intocada, pois os nativos preferiam as proximidades dos córregos e dos rios e a exuberância fértil dos brejos. Quando meu pai chegou de mudança, o seu colega, amigo e compadre Joel, que não o conhecia, havia colocado provisão de lenha na casa e água nos potes, num gesto de lhaneza, que meu pai nunca esqueceu. Hoje seu filho, o médico Ozael dos Santos, é o prefeito do município.

No alto do morro, então terra nua, sem benfeitorias, vestido apenas de árvores nativas, havia a pequena e singela ermida, sob a invocação de São Francisco, onde meus pais devem ter rezado tantas vezes, sobretudo meu pai, rezador fervoroso. Tive durante algum tempo um sonho repetitivo, talvez falsa memória das conversas paternas, em que eu passava por uma pequena cidade, que tinha uma espécie de mureta com degraus a perlongar um morro, no qual havia um cemitério.


Cerca de dois anos atrás, quando meus pais, eu e meu irmão César fomos visitar Francinópolis, pude ver o morro com suas palmeiras imperiais, seus belos jardins, e os degraus que seguiam em direção à igrejinha, que tivera uma pequena ampliação. A escadaria era ladeada por uma mureta cheia de ondulações, e no cimo do outeiro, na frente do templo, havia um Cristo Redentor, de braços bem abertos, como a dar boas vindas aos visitantes. Depois, vimos o cemitério, com as sepulturas encarapitadas nas encostas de outro morro. E o meu sonho recorrente como que se concretizou.   

terça-feira, 26 de outubro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Vicentinho, envergando a camisa do Caiçara Esporte Clube

26 de outubro

A TOGA E A BOLA

Elmar Carvalho

No sábado, à tarde, estive na churrascaria que leva o nome do falecido Chico Nunes, que tive a oportunidade de conhecer muitos anos atrás. Trata-se de uma das primeiras a comercializar capote na região de Campo Maior, e é a mais famosa nessa especialidade gastronômica. Fica em aprazível localidade, perto do povoado Alto do Meio, às margens da rodovia que vai para Castelo. Com o falecimento do Chico, sua mulher e filhos continuaram a tocar o negócio. Como as cozinheiras são as mesmas, a qualidade permanece inalterável. Quando o filho do Chico, de nome Valdemar, que havia sido aluno do Zé Francisco Marques, veio conversar conosco, começamos a falar sobre futebol, mormente sobre os velhos atletas campomaiorenses, em virtude de que o Zé Francisco havia dito que o rapaz havia sido um grande jogador, tanto em quadra como no futebol convencional. Lembramos, entre outros, os nomes de Escurinho, Cabo Dulce, Vicentinho, Chico Galo, Deca, Chico Catita, Deca, Zé Duarte, Geraldinho, Mormaço, Cabo Valter, João de Deus, Zé Moura, Edmar Pinto e Augusto César. Falamos sobre os goleiros Coló, Beroso, Icade e José Olímpio Filho, este um dos melhores em futebol de salão. Nesse ponto, o Zé Francisco fez questão de dizer que eu havia sido um bom goleiro, e que o Bartolomeu, seu primo, só iniciava os jogos de que seu time participava quando eu chegava para defender sua meta. Como eu perguntasse se ele não estava exagerando, passou-me um pito, e pediu-me que não mais duvidasse de sua palavra, pois não tinha necessidade de me incensar.

Des. Alencar

O Valdemar Nunes, depois de saber que eu era juiz de Direito, espontaneamente, talvez por associação de ideias, deu o seguinte depoimento sobre o desembargador Alencar: quando ele era o titular da Comarca de Campo Maior, foi participar de um jogo no Alto do Meio. Contou-nos que lhe fizeram um lançamento. Ele dominou a pelota no peito; habilmente, deu um “banho de cuia” no adversário, para em seguida dominar a bola novamente e tocá-la para o seu companheiro de equipe. O Valdemar, então um menino, achou tão bela a jogada, que nunca a esqueceu, mesmo depois de ter atuado no futebol profissional do estado e no time de futebol de salão do Armazém Paraíba. O desembargador ainda hoje atua no time da AMAPI, que recentemente, na categoria máster, foi campeão em torneio nacional da magistratura. Foi ele o capitão da equipe, enquanto o meu amigo e colega Rodrigo Alaggio foi considerado o melhor jogador do campeonato na categoria. Devo dizer, sem puxa-saquismo, que o jogador Alencar tem um estilo elegante, avesso que é às rifas dos chutões. Tem bom domínio de bola e sabe distribuir os passes com categoria, sem colocar em dificuldade o companheiro. É lutador e aguerrido, com preparo físico invejável para a sua idade, que não irei declinar. Agora, por favor, não me perguntem se algum dia ele já fez algum gol contra. De qualquer sorte, isso faz parte dos azares e vicissitudes pebolísticas, e quem nunca cometeu uma jogada infeliz que atire a primeira pedra.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


AS PROEZAS DO CORCUNDA LAMBILASCA

Elmar Carvalho

Quando conheci o corcunda, o gaiato que nos apresentou foi logo dizendo: “Esse aí é o Lambilasca, o cabra mais perigoso que Deus já botou na face da terra. Devora uma hoje, e já deixa a outra amarrada para o dia seguinte.” O homúnculo negaceou, com um leve sorriso de falsa modéstia, mas notei que ele, como o sapo da fábula, impava de orgulho e satisfação; pareceu agigantar-se, inflado por dentro e por fora. A felicidade fátua se estampava na expressão do rosto. O peralta terminou contando a sua história.

O corcunda morava na periferia da cidade. Conseguira receber um benefício da assistência social, por causa de sua doença. Sendo franzino, feio e corcunda, um dos maridos que fora trabalhar em São Paulo, no corte de cana, não hesitou em lhe confiar a mulher. Deveria ajudá-la, em eventual dificuldade, mas sobretudo vigiá-la, para que ela não andasse em má companhia, e principalmente em companhia masculina. Tratava-se de uma morena carnuda, cheia de curvas, brejeira, risonha, faceira. Um mimo, uma graça da natureza. Era o marido amigo e compadre do corcunda, e se chamava Deodato; a mulher tinha o nome de Lúcia. A recomendação marital foi feita no churrasco de despedida, numa cachaçada animada, para a qual Lambilasca concorrera com alguns quilos de carne e dois litros de aguardente. A mulher achou graça da recomendação; o corcunda se fez de sério, compenetrado de sua missão.

Quando o marido se foi, três dias depois, ele começou a se insinuar, de forma discreta, quase como quem não quer nada, prestando pequenos favores, cercando a morena de zelos e cuidados, e até mesmo a socorrendo em pequenas dificuldades financeiras. Não se esquecia de presentear o afilhado, de apenas dois anos, que lhe tinha verdadeira adoração, tanto pelos afagos, como pelos brinquedos que recebia. Um frango aqui, um quilo de carne ali, e o fato é que o homúnculo já era visto com certa frequência na casa do compadre. Chegara a tomar alguns tragos de conhaque na companhia da comadre, na salinha da casa. Para não entrar em muito psicologismo, que isso deixo para os mestres da literatura, devo dizer que da sala para o quarto do casal, numa noite de conhaque, muitas risadas e muita conversa, foi um passo rápido demais. A bebida, os agrados, a carência da comadre, mulher nova, cheia de vitalidade, tudo concorreu para o fato ser consumado. Um moleque da vizinhança, espreitando das sombras e das frestas das portas e janelas, viu quando os dois entraram na alcova, aos beijos e abraços, até que a luz foi cautelosamente apagada.

Logo o boato se espalhou no bairro. Também outros viram sinais de que havia algo mais entre o vigia e a vigiada, que não apenas simples amizade e compadrio. Quando o marido retornou, depois de mandar uma carta avisando ao compadre e à mulher o dia da chegada, foi recebido com um baita churrasco, que o Lambilasca patrocinou, em homenagem ao amigo que voltava. Quando o último convidado saiu, o marido já se encontrava roncando, a pleno pulmões, escornado, completamente bêbado. O corcunda ainda se encontrava na casa, a conversar com a comadre. Foi visto saindo altas horas da noite, cautelosa e furtivamente, procurando as sombras e os lugares mais ermos.

Não tardou muito, alguém contou ao marido as suas proezas. Conta-se que o traído teve uma briga feia com a “traíra”, na qual perdeu completamente as estribeiras, vindo mesmo a lhe dar uns sopapos. Quando o homem lhe perguntou porque fora trocado por um animal tão feio e ainda por cima aleijado, a morena respondeu que ele era muito mais homem; que era carinhoso, cheio de tesão, e além do mais com um membro tamanho GG, ou, na linguagem clara e crua que ela usou, grande e grosso. E como um arremate e coroamento do requinte da vingança e da maldade feminina, acrescentou que Lambilasca tinha ejaculação retardada, e que só faltava lhe matar de prazer. E mais não disse porque não lhe foi perguntado.

domingo, 24 de outubro de 2010

ANTOLOGIA DO NETTO

TEXTO E CHARGE: JOÃO DE DEUS NETTO


NOGUEIRA TAPETY

O poeta Benedito Francisco Nogueira Tapety nasceu na fazenda Canela, em Oeiras, Piauí, no dia 30 de dezembro de 1890. Filho de Antônio Francisco Nogueira e Aurora Leite Nogueira. Irmãos: Maria de Jesus Nogueira Campos (Bembém), Amélia (Dengosa), Amália (Cheirosa), Joaquina (Quinquina), Jeconias (Barra), José (Zé) e Sebastião (Bastim) Nogueira Tapety.

Estudou as primeiras letras em sua terra natal. Fez curso preparatório em Teresina. Ingressou na tradicional Faculdade de Direito do Recife, onde se formou em 1911.
Promotor Público, em 1912, da antiga capital do Piauí. Conselheiro Municipal. Idealizou a criação de uma instituição de artífices que redundou, posteriormente, na União Artística Operária Oeirense. Ano seguinte, Delegado-Geral de Teresina. Assessor do Governador Miguel Rosa.
Jornalista desde o tempo de estudante. Colaborou no "Diário de Pernambuco", do Recife. Na capital piauiense, tornou-se colaborador freqüente de "O Piauí" e enviava trabalhos para "O Diário", de Belém. Adotava o pseudônimo Mesquita Petiguara.

SAIBA MAIS: http://www.fnt.org.br/nogueira_tapety.php

NOTÍCIA CULTURAL

Programa mostra a luta que foi etapa importante no processo de independência do Brasil
O De Lá pra Cá deste domingo (24) relembra um capítulo da história brasileira pouco conhecido e divulgado: a Batalha de Jenipapo. A luta foi uma etapa importante no processo de independência do Brasil ,com a adesão do Estado do Piauí, como destacam os entrevistados: o historiador piauiense Fonseca Neto, o quadrinista piauiense Bernardo Aurélio e o jornalista Laurentino Gomes, autor do best seller 1822. E, ainda na edição, a participação musical da banda piauiense Roque Moreira.
Ao contrário do que se imagina, a independência do Brasil não se limitou ao grito de Dom Pedro I primeiro no riacho do Ipiranga e nem se deu de forma pacífica como relata a história oficial. Ela foi um processo que demorou quase dois anos, marcado por lutas violentas e sangrentas, como a da Batalha do Jenipapo ocorrida no Piauí em 13 de março de 1823. Além de consolidar a independência na região, o embate pôs fim aos planos portugueses de manterem uma colônia no norte do Brasil.
Apresentação Ancelmo Gois e Vera Barroso
Direção geral
José Araripe Jr
Direção
Carolina Sá
Livre
Horário: domingo, 18h
Reapresentação: quinta, 20h30

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

PIRIPIRI - CELEIRO DE ARTE, CULTURA E LITERATURA (*)

ELMAR CARVALHO

Comitiva vinda de Campo Maior, composta por João Alves Filho (pres. ACALE), José Francisco Marques, Cardosinho, e Corinto Filho
Elmar e a juíza Regina Coeli Freitas

Em julho de 1963, quando eu tinha sete anos de idade, fui acordado cedo, por meu pai. Iríamos fazer uma viagem de trem, que então fazia o percurso Parnaíba a Campo Maior e vice-versa. Meu pai e seu colega de DCT Vicente Ibiapina iriam conhecer o mar – o mar que carrego no meu nome, e que só iria conhecer nove anos depois, em viagem comemorativa da colação de grau de minha turma, no antigo Ginásio Estadual. Conheci primeiro os verdes mares bravios de José de Alencar e de Iracema, a índia de negras madeixas e lábios de mel. Somente em 1975 conheci o litoral piauiense, quando fui morar em Parnaíba. Ainda hoje sinto a aragem refrescante a afagar minha pele, de casa para a estação. Fomos no chamado carro dos Correios. Os vagões foram puxados por uma locomotiva a diesel. Entretanto, cheguei a ver, algumas vezes, a velha maria fumaça a desfilar pelos trilhos de minha cidade, toda negra, toda resfolegante, a tocar seu sino e a emitir o seu apito saudoso, cachimbando sua lenha, e a agredir o azul do céu e o branco das nuvens com as baforadas de seu penacho negro de fuligem. Parte de suas engrenagens e vísceras eram expostas, e o seu movimento me atraía e me aterrorizava simultaneamente, pois dizia a lenda que ela tinha uma espécie de ímã, que poderia puxar um menino que lhe estivesse muito perto.

Nessa viagem meu pai e seu amigo seguiram para o litoral e eu fiquei em Piripiri, entregue aos cuidados do seu colega dcetista Josino, que me foi levar à casa da tia de minha mãe, Chiquinha Melo Freitas, casada com Raimundo de Freitas, patrono da cadeira que passo a ocupar. Foi a vez primeira em que estive nesta bela cidade, então ainda pequena e bucólica, com as suas flores, cheiros e cores, porquanto é a “terra de buganvílias e madressilvas”, como a denomina poeticamente a professora Clea Rezende Neves de Melo. Depois, estive aqui outras vezes, uma das quais para disputar uma partida de futebol, em minha posição de goleiro. Jogamos no campo do quartel da Polícia Militar, recém inaugurado. Não recordo o resultado da partida. Portanto, me é mais conveniente dizer que houve um empate. À noite, saímos para aventurar uma paquera com as moças em flor de então. Recordo que, certa vez, fui a um piquenique no açude Caldeirão, com minha tia Maria José e seu marido Armilo. Ficamos à sombra de belas árvores nativas. Participei aqui de vários eventos literários e culturais, sobretudo lançamento de livros. Como vou constantemente a Parnaíba, pude acompanhar o acentuado progresso de Piripiri nas últimas décadas, com o surgimento de novos comércios, edifícios e logradouros. Hoje, posso dizer que a estação, onde estive na minha infância, por onde passaram locomotivas e vagões, transformou-se numa espécie de locomotiva da arte e do lazer, local de eventos e promoções culturais.

Nas solenidades culturais de que participei, tive a oportunidade de falar em alguns dos bardos piripirienses. Já escrevi um ensaio de crítica literária sobre o vate Osíris Neves de Melo, de versos tão belos e tão sentimentais. É ele o pai da poetisa, cronista, historiadora e memorialista Clea Melo, de quem tenho recebido inúmeras provas de consideração e apreço, cabendo-me ressaltar que a recíproca é verdadeira, na mesma intensidade. Já proclamei o talento de Baurélio Mangabeira, sobrinho de meu patrono, mormente a mordacidade de sua veia humorística e satírica. Já exaltei o potencial poético de Newton Freitas, tio da confreira Regina Coeli Freitas, falecido em pleno albor da mocidade, quando sua alma ainda era um botão que se alcandorava para mais longos e elevados voos. Considero-o, sem nenhum favor, o verdadeiro introdutor do modernismo literário no Piauí, porque o fez de forma firme, decidida, sem concessões medrosas ao ecletismo parnasiano e simbolista vigente. Piripiri, no aspecto cultural, tem dado figuras notáveis ao Piauí, tanto no campo musical, de que é exemplo Jorge de Carvalho Melo, como na seara do humor, em que pontificam João Cláudio Moreno, Dirceu Andrade e Amaury Jucá. Igualmente, por uma peculiaridade sua, tem sido um celeiro de magistrados, entre os quais cito os desembargadores Osíris Neves de Melo, irmão de nossa colega Clea Melo, Antônio Rezende, Antero Rezende e Nívea Assunção, bem como os confrades João Bandeira do Monte Filho e Regina Coeli Freitas, que ilustram a nossa magistratura estadual. Tenho a honra de ser acolhido pelas belas e desvanecedoras palavras desta colega e amiga.

Do meu ensaio sobre o poeta Osíris Neves de Melo, gostaria de transcrever, como uma homenagem a todos os piripirienses, a seguinte parte lírica e introdutória:

“O poeta João Ferry, amigo do poeta Osíris Neves de Mello (sobre quem já me detive em longo estudo), que bem merecia ter um logradouro com o seu nome, se é que já não o tem, cantou todo o encantamento deste torrão no poema que leva o seu nome – Piripiri. Cantou os pau-d’arcos floridos, derramando suas flores de ouro, como lustres soberbos de góticas catedrais. Exaltou o belo bucolismo da Fonte dos Matos, do Recreio, do Mocozal, do Paciência e do Mosquito, no exotismo engraçado desses nomes, que nos fazem viajar nas asas poderosas do pensamento e da saudade. Nesse périplo poético nos deparamos com o riacho Cabresto, que certamente só tem rédeas nos verões das secas inclementes, mas creio ser indomável nas invernadas das chuvas, nos tempos felizes das cachoeiras, da fartura e do verde reverdecido em verde cada vez mais verde. O Garibaldi de tantas recordações, de tantas conversas, de tantos sonhos que se concretizaram em realidade e de outros que se derruíram em desilusões e irrealizações. Açude Anajás, Flor dos Campos e rio dos Matos, já nos trazem evocações líricas e bucólicas na poesia de seus nomes, que cheiram a terra molhada e a flores silvestres. O primeiro é um céu a retratar outro céu, na ressonância da imagem dacostiana; o segundo faz lembrar um campo matizado de flores do campo, flores simples, flores humildes, flores incultas, jamais encontráveis nos jardins dos palácios e das mansões, porque apenas cultivadas pelo Supremo jardineiro que as criou; e o rio dos Matos, filho dos matos, na sugestão de seu nome floral.

Por fim, a evocação dos festejos de Nossa Senhora dos Remédios, onde tantos buscaram remédio para seus males, nas promessas da esperança e da fé, onde tantos namoros foram deflagrados, na cumplicidade dos olhares, onde a saudade nascia das bocas das amplificadoras, nas músicas e nos recados do locutor, onde corações eram arrematados nas quermesses dos apaixonados, onde prendas eram leiloadas nas quermesses dos devotos, para as obras da Igreja e ajuda aos necessitados.”

Como disse, a mulher de meu patrono era minha tia avó. Na verdade, muitos parentes e ancestrais, tanto por parte de minha mãe como por parte de meu pai, são de origem piripiriense. Nos livros de meu primo e amigo Fabiano Melo, escritor de mérito e notável artista fotográfico, andei colhendo informações a esse respeito. Só pude ingressar neste sodalício porque minha avó paterna nasceu nesta terra. Chamava-se Joana Lina de Deus Carvalho. Era filha de Miguel Furtado do Rego. Sua mãe chamava-se Izabel Lina, de antigas estirpes cearense e piauiense. Meus avós maternos são membros de velhas famílias de Piracuruca e Piripiri. Sobre eles, por necessidade de síntese, direi apenas o seguinte: Meu avô materno se chamava José Horácio de Melo; nasceu no lugar Campestre, município de Piracuruca, no dia 5 de agosto de 1893. Era filho de Horácio Luiz de Melo e Antônia Quitéria de Carvalho. Horácio Luiz era filho de Antônio Luiz de Melo e Hygina Rosa de Menezes. Antônia Quitéria tinha como pais João Bartolomeu de Carvalho e Mariana Rosa de Carvalho. Eram do município de Piracuruca. Minha avó materna se chamava Maria Carlota, e era chamada de Paroara, dizem que por causa de sua tez alva e rosada como essa flor. Pertencia às famílias Sousa e Mendes, da terra dos irmãos Dantas. Morreu jovem, quando minha mãe tinha apenas onze anos de vida.

Quero agora me reportar ao patrono de minha cadeira de nº 22, o poeta Raimundo de Freitas e Silva, neto do padre Domingos de Freitas e Silva, considerado, com justiça, o fundador de Piripiri. Através de meu primo Cláudio Denes, tive acesso a alguns poemas de sua autoria. Ele nasceu nesta urbe, no dia 14 de maio de 1875, e aqui faleceu em 24 de outubro de 1938. Foi casado com Francisca Melo Freitas. Era tio de Benedito Aurélio de Freitas, o Baurélio Mangabeira, uma das figuras emblemáticas da Literatura Piauiense. Segundo anotou a professora Clea, no seu livro Velhos Conterrâneos Luminosos, de que tive a honra de ser o prefaciador, era ele um poeta natural, autodidata, e uma espécie de repórter, que “expressava, em versos, o cotidiano da cidade piripiriense e vizinhas”. Pelos poucos poemas a que tive acesso, pude perceber que ele não era um erudito, mas demonstrava ter um talento inato para versejar. Cultivava uma poesia popular, conquanto não fosse propriamente um cordelista e muito menos um repentista, que faz versos ao sabor da viola e do improviso. Contudo, dá para se perceber que ele cometia seus versos com graça, leveza, espontaneidade, sem preocupação com rimas raras e extravagantes. Ao lado de versos de temática séria ou lírica, urdia versos humorísticos, jocosos, muitos deles repassados de acentuada mordacidade satírica, em que, às vezes, não poupava nem a si mesmo ou a seus amigos, como se nota dos seguintes tercetos, datados de 26.01.1934, em que respondia ao poeta Moraes, com quem dialogou poeticamente em várias oportunidades:

És poeta, e como tal és um portento.
És poeta de elevada ilustração,
De grande respeito e de talento.

Eu porém, que não tenho inspiração
E além disto me sinto sem alento,
Vou baixinho rolando pelo chão.

Não obstante o seu viés satírico e humorístico, o poeta tinha, como todo ser humano, os seus rasgos de mau-humor, e, certa feita, incomodado com a profusão de “bons dias”, que a velha Sofia lhe almejava, nas várias vezes em que, em curto intervalo de tempo, passou à porta de sua casa, retrucou-lhe: “Bom dia, siá Sofia! Bom dia por hoje, bom dia por amanhã, bom dia por depois-de-amanhã, bom dia pelo resto da vida.” Esse episódio anedótico foi registrado no referido livro da acadêmica Clea Melo, que, sem dúvida, é a pesquisadora que mais vem trabalhando em prol da preservação da memória histórica, cultural e literária de Piripiri, em seus vários livros.

Sendo meu patrono neto do famoso padre Freitas, não perderia a oportunidade de dizer algumas palavras sobre este grande homem, e o farei da forma mais sintética possível. Pelas palavras podemos ser enganados, como somos ludibriados pelos cantos das sereias, que muitas vezes nos arrastam a naufrágios e perdições de toda sorte, como disse Camões. Contudo, pelas ações e atividades, um homem mostra realmente a essência de sua personalidade. E o padre Domingos de Freitas revelou o seu caráter através de sua vida, de suas obras, de suas ações concretas. Participou do movimento do dia 19 de outubro, em Parnaíba, o que nos mostra que ele era de fato um patriota, e que desejava a Independência de nossa pátria. Fundou escola e lecionou, o que demonstra ser ele um cidadão de ideias avançadas; portanto, sabia da importância da educação para o desenvolvimento de um país ou de uma localidade. Dividiu a sua fazenda e fez, acredito, a primeira reforma agrária privada em nosso estado, o que prova que ele era um homem sem apego aos metais, aos bens físicos, e que tinha desprendimento. Fazer reforma agrária com dinheiro e terras públicas é fácil, qualquer demagogo de plantão poderia fazê-lo, mas doar lotes de seu próprio cabedal é uma outra história, e apenas um espírito de escol o faria. Numa época de farisaísmo, ser sacerdote, ter filhos, assumi-los, dar-lhes o sobrenome e reconhecê-los em cartório, prova a firmeza de seu caráter, mostra que o padre Freitas não fugia de suas responsabilidades, e que não se curvava às hipocrisias e convenções sociais. Por todos esses fatos, atos, ações e atividades, o padre Domingos de Freitas e Silva mostrou que era verdadeiramente um grande homem, um notável cidadão, e que de fato é e merece ser considerado o fundador de Piripiri, o seu pró-homem de maior destaque e por excelência.

Encerrando minhas palavras, que já se vão alongando, além do que me era permitido, gostaria de lhes agradecer pelo meu meu ingresso nesta augusta e meritória casa de cultura e de letras, e espiritualmente abraço todos os meus confrades e lhes aconchego em meu coração. Gostaria de acrescentar que a minha admissão neste sodalício fará com que eu me sinta verdadeiramente piripiriense, e que o sangue que me corre nas veias, e que me foi legado por pessoas que aqui nasceram e aqui moraram e mourejaram não me foi transmitido em vão, porquanto tenho orgulho em dizer que tenho inquebrantáveis liames atávicos e sentimentais com esta bela e bucólica “Terra de Buganvílias e Madressilvas”.

(*) Discurso de posse de Elmar Carvalho na Academia de Ciências, Artes e Letras de Piripiri - ACALPI, em solenidade ocorrida no dia 17.10.2010.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

OSTRA

ALCIONE PESSOA LIMA


Entre o côncavo e o convexo
De um molusco bivalve percebo grudada uma pérola magnífica.
Conchas leves que escondem uma substância energética que me aguçou veias poéticas.
 

DALILÍADA - épico moderno baseado na vida e na obra de Dalí

Elmar Carvalho



IV

A cúpula recôncava
se transmuda em cabeça
de mulher picassiana
e a paranóia continua
noutra cabeça deitada.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


20 de outubro

O “MONSTRO” ATACA NOVAMENTE

Elmar Carvalho

Momentaneamente sem impressora, por causa de minha mudança de casa, fui ao escritório do amigo Carlos Cardoso, para imprimir uma “procuração”. Logo ao saudá-lo, perguntei se tinha notícia do monstro. O “monstro” em tela é o primo dele e meu amigo Otaviano. Disse-me que tinha; que recentemente ele telefonara para a irmã Cristina do Vale e Silva e disse-lhe que estava sofrendo muito, pois estava no meio do sol quente, padecendo de uma sede tremenda. Na verdade, estava numa praia de Natal, degustando uma cerveja; fazia uma excursão turística pelo Nordeste. Poucos dias depois, estava eu posto em sossego, tomando banho numa piscina, quando chegou uma pessoa amiga. Banquei o “monstro”; disse a essa pessoa que estava sofrendo muito, e que estava me afogando e afogando minhas mágoas na piscina; que a água não era água, mas lágrimas. E sorvi uma dose de uísque, por remate de meus males.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho e a juíza e acadêmica Regina Coeli Freitas

19 de outubro

POSSE ACADÊMICA

Elmar Carvalho

Neste domingo, tomei posse da cadeira nº 39 da Academia de Ciências, Artes e Letras de Piripiri – ACALPI. A solenidade aconteceu no prédio da Câmara Municipal. O auditório estava lotado. Foi uma bela festa literária, a que não faltaram, sequer, música e farto coquetel. Vários acadêmicos estavam presentes, alguns vindos de Teresina, como foi o caso do maestro e professor Vagner Ribeiro, e de outras cidades. Vários descendentes e parentes do padre Freitas, de Baurélio Mangabeira, de Osíris Neves de Melo e de Raimundo de Freitas e Silva marcaram presença, assim como outras pessoas interessadas em cultura e literatura, entre as quais Brito Júnior, chefe do Poder Legislativo local. De Campo Maior veio uma comitiva, representando meus conterrâneos, composta por João Alves Filho, presidente da Academia Campomaiorense de Artes e Letras, pelos acadêmicos Cardosinho e Corinto Filho, e pelo professor e músico José Francisco Marques. A solenidade foi presidida pelo jornalista, poeta e escritor Willekens Van Dorth; o cerimonial esteve sob o comando do acadêmico e juiz de Direito João Bandeira do Monte Filho, que foi o responsável pelo discurso de recepção ao artista plástico Luís de Assis Silva, que tomava posse da cadeira nº 22, patroneada por Tomás de Sousa Menezes. Na oportunidade, foi homenageada a banda Os Dragões, de bela e longa trajetória musical, com a Comenda do Mérito Data Botica, pelos relevantes serviços prestados às artes e cultura.

A minha cadeira tem como patrono o poeta Raimundo de Freitas, sob o qual discorri em meu discurso. Era ele casado com Francisca Melo Freitas, irmã de meu avô materno. Falei, brevemente, sobre alguns de meus parentes e ancestrais, uma vez que só pude ser candidato porque minha avó paterna nasceu em Piripiri. Falei dos pontos aprazíveis e pitorescos da cidade, bem como de muitos de seus poetas, escritores, artistas e magistrados. Meu pai, que morou por pouco tempo na cidade, quando trabalhou numa filial da então poderosa Casa Inglesa, em sua juventude, estava presente e se emocionou a valer. Explanei que estive em Piripiri em várias oportunidades, inclusive na minha meninice, quando cheguei a bordo de um trem, puxado por uma locomotiva a diesel, e na minha adolescência, quando disputei uma partida de futebol, atuando como goleiro, cujo resultado já não recordo; mas também participei de muitos eventos literários, em minha maturidade, várias vezes a convite da professora e escritora Clea Rezende Neves de Melo, que abrilhantou a solenidade com a sua presença. Quando falei do célebre padre Domingos de Freitas e Silva, expliquei que o enaltecimento de um homem, através de suas palavras, pode ser um ludíbrio, em que a estátua pode ficar bem maior que o modelo, mas que os seus atos e ações mostram a verdadeira essência de seu caráter, e citei quatro episódios e atitudes pelos quais esse sacerdote pode e deve ser considerado o pró-homem por excelência de Piripiri. Eleito por unanimidade, agradeci os confrades por tão belo e nobre gesto de compreensão e apreço. Fui recebido pela juíza de Direito e acadêmica Regina Coeli Freitas, que proferiu um excelente e emocionante discurso, entremeado de versos de minha autoria, que me comoveu e me afagou a alma.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


CÂNTICO ENCANTADO

Elmar Carvalho


Quando fui morar em Furta-lhe-a-Volta, logo fiquei sabendo de uma lenda que corria na redondeza. Diziam os caboclos que, de tempos em tempos, uma ou duas vezes por ano, ouviam um canto muito lindo, enfeitiçado, que parecia vir da região do olho d' água. Nunca alguém tinha visto quem assim cantava tão belamente. Mesmo porque o local era de difícil acesso, encravado num socavão da serra, uma espécie de desfiladeiro íngreme e perigoso, em que a pessoa poderia despencar no abismo, se desse um passo em falso. Os moradores achavam que o canto era de uma iara ou mãe-d' água, que moraria na vertente. Fui ver o olho-d' água. Ficava entre belas plantas aquáticas, de folhas grandes e lustrosas, rodeado de verdejantes e imponentes buritizeiros, nos quais se enroscavam trepadeiras. A nascente era borbulhante, quase como se fosse um caldeirão de água fervente. Só que a água era fria, ao ponto de engelhar a pele de quem nela tomasse banho. Era um lugar encantado, parecia, acho, o próprio jardim do Éden, tal a sua magia e temperatura agradável, com o ar puro a nos encher os pulmões. Era misterioso, escondido, encantado, como se um feitiço o envolvesse. Os moradores tinham certo receio do local, e poucos tomavam banho em suas águas, e mesmo assim só o faziam em grupo de duas ou mais pessoas. Tanto pela beleza da paisagem como pelo banho agradável, decidi fazer minha casa de taipa ali perto. Nesse tempo eu era casado de pouco tempo e ainda não tinha filho. Minha mulher não gostou muito da ideia, por receio da lenda da mãe-d'-água, mas terminou concordando, e depois passou a gostar do local. Devo confessar que não fui só por isso. Sempre fui curioso e um tanto desconfiado, e por isso gostaria de descobrir se era verdade a estória dessa música encantada. Até porque sempre fui doido por música, e sempre toquei minha viola e sempre tive um pífano para tocar as modinhas dos outros e as que eu próprio fazia. Alimentava o desejo secreto de ouvir essa iara, para me deliciar com essa música mágica. Talvez ela me ajudasse na inspiração, e eu pudesse compor uma música que se tornasse imortal, e que deixasse meu nome falado pelos séculos dos séculos.

Numa noite de lua cheia, ouvi um canto diferente. Não se parecia com nada que eu já tivesse ouvido, seja voz humana, de bichos ou de instrumentos musicais. Meus ouvidos são aguçados, finos, e capto sons que outras pessoas não escutam. A música era muito baixa; parecia vir de muito longe, ou das entranhas da terra. Minha mulher dormia plenamente. Coloquei uma camisa, para me proteger do frio, e saí mansamente, pé ante pé, para não acordá-la. Fui em busca dessa música misteriosa. Segui em direção ao olho-d' água, de onde a música parecia vir. À medida que me aproximava do desfiladeiro, a música foi se avolumando, e eu já a ouvia com bastante nitidez. Já então eu estava enfeitiçado por essa música indescritível, inefável, como diria um poeta. Com efeito, não posso compará-la a nada deste mundo. Na verdade, parecia um canto do outro mundo, suave, mavioso, maravilhoso, melodioso, cheio de sortilégio. Às vezes, um acorde se prolongava indefinidamente, como se quem cantava não precisasse respirar ou tomar fôlego. Havia riqueza de timbres, de ritmos, mas tudo harmoniosamente encandeado, numa composição inaudita. Eu já não tinha vontade própria, e parecia dominado pela música, como se estivesse enfeitiçado. Não sei como desci o cânion, cheio de pedras escorregadias e ciladas. Simplesmente fui ao encontro da música, que de fato vinha das proximidades da vertente. Quase não acreditei no que vi. Quem cantava assim tão divinamente era uma enorme cascavel, enroscada numa árvore. Não pude deixar de me lembrar da serpente tentadora do jardim do Éden. Pequenos animais se quedavam a seu redor, como hipnotizados por tão belo e atraente som. Não sei o que seria de mim. Eu marchava resolutamente, embora como um autômato, para mais perto. O cântico me embriagava, me atraía e me aterrorizava, mas não conseguia lhe resistir. Não podia fugir as seu fascínio, que talvez fosse mortal. Mas, subitamente, a música cessou, e recobrei a razão e a minha vontade própria. Foi como se acordasse de um sonho ou de um pesadelo. Voltei sobre meus passos. No dia seguinte, sem dar nenhuma explicação, derrubei a casinha, e me mudei para bem longe daquele lugar encantado.