sábado, 1 de janeiro de 2011

ELMAR CARVALHO, O HOMEM E SUA OBRA (*)



JOÃO CARVALHO FONTES e EDILBERTO VILANOVA

Antes de falarmos da obra de Elmar Carvalho, vamos falar do homem, que além de escritor, poeta, crítico literário, é magistrado de formação humanística e profissional competente como costuma acontecer quando o profissional associa humanismo à técnica.
Elmar nasceu em Campo Maior, mas é um oeirense de coração. Seu fascínio por Oeiras vem desde a infância, quando leu uma lição sobre a Vila da Mocha, num livro didático: NOSSO TESOURO. Desde então, a magia de Oeiras impregnou sua alma, levando-o a dar à luz, em sua maturidade, aos poemas: NOTURNO DE OEIRAS, NOTURNO DO CEMITÉRIO VELHO DE OEIRAS, a que acresce os acordes encantados de misteriosos bandolins; e agora, o livro: NOTURNO DE OEIRAS E OUTRAS EVOCAÇÕES.

Falemos agora de sua obra. O que primeiro desperta atenção no livro de Elmar Carvalho é a forma humilde com a qual ele dispõe seus escritos, abrindo desde o princípio, um diálogo com o leitor, através do reconhecimento à grandeza histórica e cultural de Oeiras, valorizando, dignificando e reverenciando nossa terra de maneira carinhosa, numa reunião de textos que não só desempenham um papel literário, mas também documentam passagens suas pela velha capital.
O que mais aguçou meus sentidos de leitor no livro Noturno de Oeiras e Outras Evocações, de Elmar Carvalho, sendo eu também afeito a semeaduras na lida da lavoura das palavras; foi o esmero na tessitura imagética da geografia oeirense e a forma como alinhavou seus tecidos poéticos. Em suas evocações, Elmar emoldura com palavras, paisagens figuradas por seres reais e imaginários, traçando às vezes linhas de maniqueísmos e contrastes evidenciadas em seus versos , com incidências de caracteres típicos da linguagem barroca, como se pode notar no seguinte trecho do poema Noturno de Oeiras:
No Horto do pé de Deus
Visagens rezam contritas.
No Horto do pé do Diabo
Assombrações assombram
Bichos e visitas
Assim como repagina o almanaque de tradições e lendas oeirenses e como um artesão de santos, esculpe novas imagens e eterniza nomes maiores responsáveis pela feitoria da cultura e da arte piauienses, oriundos da velha urbe e pinta os universos multifacetados, mágicos e misteriosos de Oeiras, que, apesar da atmosfera mítica, sobrepõem-se lúgubres, soturnos, aprofundados nos recônditos da alma, onde os homens e os fantasmas fundem-se nas sombras da noite e como num acesso de metempsicose, todos os objetos e seres amordaçados nos velhos sobrados conspiram. Nos poemas, a linguagem e o ambiente têm a mesma ideia de composição, formando assim, um só corpo. Veja como as palavras ganham forma neste trecho do poema Noturno do Cemitério Velho de Oeiras:
Cemitério de abandono
Fantasma sem sono
Abrem os portões
De gonzos gementes, enferrujados,
E vagam pelas
Ruas adormecidas
-sombras tênues, diáfanas,
Esquecidas.

Os textos são permeados por simbologias e por se tratar de evocações, mesmo nem sempre sendo cósmicas, projetam um cenário neo-simbolista. O que é notado também na linguagem, nos casos de criação de prosopopéias e sinestesias. Em noturno de Oeiras, o poeta personifica a casa da pólvora: à distância a casa da pólvora/vigia em sua solidez de pedra bruta. Como também tece uma engenhosa e bela fusão de sentidos, através da degustação e da percepção sonora neste trecho do poema N.C.V.O: onde músicos falecidos/ acordam sons delicados/ doces como alfenim.
Embora o livro seja dinâmico e repleto de polimorfia, não deságua em incoerências, pois conserva a unidade temática durante todo o desenvolvimento, não sendo assim amorfo, porém pluriformizado, visto que não há nele a ausência de formas e sim o convívio simultâneo de formas distintas, com uma predominância geral: a linguagem poética. Seja na crônica ou na crítica literária, Elmar Carvalho nunca perde a poeticidade, elaborando narrativas e comentários cheios de imagens e combinações sonoras ricas em estética.
Suas crônicas são precisas e profundas, dotadas de uma linguagem apurada, como quem penetra surdamente no reino das palavras e se serve delas para abraçar os amigos e eternizar as horas. Por elas passeiam momentos memoráveis da história piauiense, como o encontro magistral de um grupo de escritores renomados com o mestre Possidônio Queiroz.
Na crítica literária Elmar Carvalho não perde tempo com subterfúgios, com arroubos de exegetas, nem com exibicionismos enciclopédicos, como fazem muitos dos nossos críticos. Elmar demonstra todo seu conhecimento literário dentro da obra do próprio autor analisado, sem necessariamente recorrer a teorias e/ou cânones da literatura universal, penetrando as entrelinhas com um grande conhecimento de composição poética.
Ao criticar o grande poeta Nogueira Tapety, Elmar afirma que o poeta citado considerava a sinceridade dos sentimentos colocados no papel. Numa opinião pessoal, Elmar diz que um verdadeiro poeta, qual um profeta imerso em seu misticismo e arrebatado em sua fé, deve construir sua vida como um poema e conforme sua poesia.
Parafraseando O.G. Rêgo de Carvalho, digo que um autor não pode ter piedade de si mesmo, tem que se expor a nu, nem que seja para o ridículo, mas é preciso se expor e escrever com sinceridade, como se estivesse rasgando o coração. Tudo isto é notável com forte expressão na obra de Elmar Carvalho, escrita com palavras navalhadas de amor e saudade.

(*) Apresentação de lançamento do livro Noturno de Oeiras e Outras Evocações, na edição do Sarau Ágora do dia 23.12.2010, cujo evento aconteceu no Café Oeiras.

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