1º de março
AS MARCAS DO TEMPO
Elmar Carvalho
Nesta segunda-feira, quando eu vinha de manhã cedo para o serviço, o meu carro apresentou problemas na direção hidráulica, no ar-condicionado e no sistema de freios, de modo que resolvi estacioná-lo na cidade mais próxima, enquanto aguardava o reboque. Segundo o mecânico me disse ao telefone, talvez tenha quebrado uma das correias do motor. Parei no acostamento da BR, e fiquei aguardando no comércio de um conhecido meu. Ficamos a conversar sobre assuntos diversos, e sobre o tempo de minha adolescência, em que estive nessa cidade a passeio. Durante a prática, entrou no estabelecimento um homem, aproximadamente de minha idade. Tinha uma cicatriz bem acentuada na testa. Em outro lugar eu não o teria reconhecido, mas ali imaginei fosse determinada pessoa.
Consultei meu anfitrião a esse respeito, tendo ele me confirmado tratar-se da pessoa que eu imaginava ser. Mais ou menos em 1972, quando estive a passeio nessa cidade, esse homem era magro, cabeludo e de boa pele, e era o centro das atenções, por ser o filho do alcaide. Estava quase sempre acompanhado por um séquito de apaniguados. Saturno, o tempo, que nada respeita, em sua insolência desabrida, devastou os seus cabelos, desenhou-lhe os sulcos das rugas e lhe deu a corpulência de certa adiposidade. Não deu mostras de me haver reconhecido, mesmo porque não tive nenhuma aproximação com ele, em nossa juventude, e só o vi à distância. E se me reconheceu, não sei o que deve ter pensado sobre o que o tempo também armou para cima de mim.
Essa circunstância me fez lembrar uma outra, de natureza algo tragicômica. Noutra cidade, onde servi, um senhor, casado com uma amiga minha, quis visitar um antigo amigo seu, com o qual trabalhara, no serviço de construção da ferrovia central do Piauí, em sua juventude, várias décadas atrás. Sua mulher, não sei se por causa da distância ou se por algum presságio vindo de sua intuição, o aconselhou a não fazer essa visita. Mas ele, acometido de forte saudosismo e em homenagem à amizade dos velhos tempos, insistiu em fazê-la.
Ao chegar à pequena cidade, depois de ter visto o que restou da velha ferrovia e da minúscula estação ferroviária, logo localizou o velho amigo. Marchou para cumprimentá-lo com muito entusiasmo, sorridente, com os braços já abertos para o fraternal amplexo, e com a saudação enfática de entusiasmo e alegria já a lhe escorrer dos lábios. Entretanto, o outro, friamente, apenas disse: “Mas Fulano, tu estás acabado”. O meu amigo, diante da ducha de água gelada, murchou todo, encolheu-se todo como uma bexiga esvaziada, e nada conseguiu articular em resposta. Nem ao menos uma simples indagação comparativa de revide a quem parece não se olhar no espelho: E tu, e tu?.. A minha amiga, em coro com os festivos bem-te-vis, apenas lhe disse, como futura advertência: “Bem que eu te disse, bem que eu te disse...”
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