quarta-feira, 4 de maio de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO

Foto meramente ilustrativa


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4 de maio

AS NORMALISTAS E O MALANDRO

Elmar Carvalho


Do meu posto de observação, eu via o bando de estudantes passar, não sei se a caminho da escola, ou se desta retornando, pela indefinição do horário. Mas as moças não estavam vestidas de azul e branco, como as normalistas da bela música de Benedito Lacerda e David Nasser, magistralmente imortalizada pelo inesquecível Nelson Gonçalves, com sua vibrante e melodiosa voz grave, que, saída das cônicas e metálicas bocas das amplificadoras de outrora, encantou gerações de românticos, seresteiros, saudosistas e outras faunas similares. Não sei se eram normalistas. Creio que não. Sei que a farda não era alviceleste, mas branca e verde, talvez em virtude do modismo ambientalista. Certamente, em decorrência da idade, carregavam ilusão e esperança, esta simbolizada pela cor do uniforme.

Contudo, me fizeram retornar ao país de minha adolescência, quando, da esquina em que me postava, eu via as normalistas passarem, a caminho do Patronato, no qual funcionava a escola, no alto de suave colina, onde eram realizados festejos e quermesses. A colina já não existe. Foi sufocada por um monstrengo de tijolo e argamassa. De algumas admirei a beleza e a graça de menina e moça, à distância, um tanto recolhido em minha mal dissimulada timidez. De outras, colhi a graça e a beleza, nos contidos e não tão contidos namoros de então, quando não existia, no sentido deturpado de hoje, a palavra fico. Fico era mesmo do verbo ficar, ou, no máximo, o episódio em que Pedro I se recusou a voltar para Portugal.

Perto de onde eu me encontrava, notei a presença de um velho fauno boêmio, que arrastava as asas para uma vendedora ambulante, sentada à sua banca. O seu sotaque, com um chiado excessivo nos esses, mormente nos plurais, era o de um carioca, pelo menos de um falsificado carioca “paraguaio”, querendo impressionar a moça, já não tão moça assim, com a sua gíria, gingado e chilreio. Escutei quando o velho fauno disse que trabalhava porque precisava, mas que voltava porque a amava, em manjado repertório de cantadas, que seriam românticas, acaso não fossem cômicas pelo desgaste do uso exaustivo, repetitivo. Quando um seu conhecido ia passando, o quase decrépito boêmio perguntou, carregando no chiado e no carioquês:
- E aí, elas te deram os corpos?
O outro não perdeu o rebolado e, igualmente malandro e bem humorado, retrucou:
- Não, os corpos eram delas!
E forçou o chiado, arremedando o (talvez) falso carioca.
Já as estudantes haviam deixado de passar, carregando com elas o simulacro de um outro tempo, que ainda remanesce na memória de uns poucos.

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