quinta-feira, 18 de agosto de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO


18 de agosto

PARA ONDE VÃO OS CIGANOS?

Elmar Carvalho

Surgiu ontem o boato, não sei se inteiramente verdadeiro, de que um alcaide de cidade vizinha do Médio Parnaíba teria “mandado” para Regeneração um bando de ciganos, que teriam ficado acampados no centro da urbe. Consta que teriam vindo num ônibus escolar do município remetente. Os comentários diziam que, na verdade, os ciganos desejavam ir para Floriano. Diante desse último rumor, alguém deu o palpite de que seria melhor para a municipalidade regenerense fornecer transporte para que eles seguissem para o destino desejado. Um espírito, não sei se de porco, mas com certeza mais voltado para o interesse econômico local, “palpitou” de que melhor seria devolvê-los à origem ou encaminhá-los para Amarante, bem mais perto que Floriano. O imbróglio nodoso ainda está por ser desatado.

O fato é que os ciganos, que outrora eram predominantemente nômades, hoje se fixam nas cidades por muitos anos ou para sempre. O zunzum dava conta de que vários dos componentes do bando nasceram em cidades do Piauí. Com razão ou sem razão, com preconceito ou não, eles sempre foram vistos com desconfianças e suspeitas. Muitos os associam a negócios escusos ou, pelo menos, a cometerem espertezas em suas atividades e escambos. Contam-se casos jocosos, anedóticos, acontecidos em suas práticas, digamos, comerciais. Dizem que um zíngaro propôs vender um cavalo muito bonito a certo homem, que, desconfiado, por causa da má fama cigana, inspecionou o animal com extremo cuidado, sem encontrar nenhum defeito. Sem acreditar na hipótese de que o animal não tivesse alguma deficiência oculta, perguntou ao vendedor se aquele quadrúpede não tinha mesmo defeito. O outro respondeu laconicamente:
- Ganjão, o defeito está na vista...
O comprador entendeu que ele estava a dizer que o alazão era perfeito, e o comprou. No dia seguinte, descobriu que o cavalo era cego de um dos olhos. Encontrou o vendedor e propôs o desfazimento do negócio, uma vez que houvera ludíbrio. O cigano se manteve irredutível:
- Ganjão, eu lhe avisei que o defeito estava na vista! – e deu o caso por encerrado.

Não sei como será resolvido esse caso dos ciganos. Mas isso me fez recordar que, nos tempos em que eles eram nômades, a vagar por diferentes cidades e povoados, um bando deles armou suas tendas, em meados dos anos 1960, num terreno baldio perto da casa em que eu morava. Os gitanos armaram suas tendas e exibiram suas bugigangas mercantis, às vezes produtos artesanais que eles mesmos fabricavam. As mulheres, geralmente morenas, com grandes brincos e pulseiras, vestiam longas saias coloridas. Os homens usavam grossos colares. Menino, eu observava os grandes tachos de cobre em que as ciganas coziam os alimentos; usavam, em abundância, pimentões e tomates, e eu achava que aquela comida deveria ser muito saborosa. Confesso que cobicei degustar aquela iguaria, que nunca provei, mas cujo cheiro ainda mexe com o meu imaginário. Ficou um travo de coisa proibida, cobiçada, mas nunca provada.

As donas de casa tinham receio das visitas das gitanas, pois havia a suspeita de que elas furtavam objetos dos lares, ao menor descuido da proprietária. Corria o boato de que elas pediam, às vezes, um copo d' água, para com esse artifício subtraírem pequenas coisas ou mesmo dinheiro. Liam as mãos em troca de dinheiro. Algumas pessoas desejavam que elas lessem o seu passado, outras, o futuro. Algumas, pragmáticas ou medrosas, diziam que não desejavam tal leitura; que isso era apenas perda de tempo e de dinheiro, porquanto o passado já era de seu conhecimento, e o futuro também o seria, no tempo certo. Se a predição fosse ruim, iriam sofrer por algo que não acontecera e que, talvez, nunca viesse a acontecer. Seria melhor não saber, não antecipar os acontecimentos. E assim caminham os ciganos e a humanidade – entre a verdade e a mentira, entre a sinceridade e a falácia, entre o passado e o futuro, buscando o possível equilíbrio na corda bamba da vida.

Um comentário:

  1. De fato, os ciganos costumam ser vistos com desconfiança, mas sempre há quem lhe estenda a mão (seja pra ajudar, seja pra ser lida). A jornada deles deve ser muito interessante, esse diálogo com a incerteza, deve motivá-los a continuar nessa viagem típica. No fundo, no fundo, todos nós somos meio ciganos. Quem de nós nunca desejou sair por aí sem destino certo, nem que tenha sido por apenas alguns dias de férias? Isso, sem falar na extraordinária aquisição de conhecimentos empíricos.

    Abração,
    Nelson Rios

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