9 de setembro
AUTOMUTILAÇÃO POR LOUCURA
Elmar Carvalho
Antes da reunião da APL, conversei um pouco com o confrade Humberto Guimarães, de palestra agradável, e que sempre tem um caso interessante ou curioso para contar. Falei-lhe, uma vez que ele é membro da junta psiquiátrica do nosocômio da Colônia Major César Oliveira, que havia solicitado, a requerimento do Ministério Público, o laudo psiquiátrico sobre o estado atual de um preso, que havia requerido uma progressão de regime prisional. Essa abordagem lhe fez lembrar um caso recente, que passou a contar.
Um paciente dessa casa de internação, que cumpria uma medida de segurança, encontrou, por acaso, um avantajado prego, do tipo caibral. Após comentar para um dos servidores sobre a possibilidade de enfiá-lo em seu próprio crânio, guardou-o cuidadosamente em frasco de vidro transparente, como se fosse uma joia ou um troféu. O empregado, talvez por desconhecer o seu histórico, não deu importância ao que o louco disse, nem ao fato de ele haver recolhido o artefato metálico como se fora uma preciosidade. Ocorre que esse interno fora submetido à medida de segurança exatamente por haver esmagado, anos atrás, a cabeça de seu irmão, também débil mental, que dormia placidamente em uma rede, com uma pedra, que achara ideal para essa macabra finalidade.
Dias após, esse demente, chamado de Paes Landim, não por pertencer a essa família, mas por ser natural da cidade de igual nome, procurou o serviço médico, em razão de uma forte coceira que sentia na cabeça, motivada pelo prego caibral, que fincara na própria caixa encefálica, mediante vigorosas marteladas. Perguntado pelo médico que o atendeu sobre se sentia dores, respondeu que não, mas apenas a forte coceira, que o incomodava bastante. Então, assim como na época em que matara o mano, não demonstrava nenhuma emoção, nenhum sentimento de culpa ou remorso. Foi mandado para o Hospital de Urgência de Teresina, para fazer exames, que bem determinassem a localização do prego e a possibilidade de sua retirada, sem perigo de vida.
Os exames revelaram que o prego havia rompido um vazo sanguíneo, mas ao mesmo tempo estava funcionando como uma espécie de tampão. Sua retirada seria fatal, porquanto provocaria uma hemorragia no cérebro. Dessa forma, foi desaconselhada a extração do prego. Dois ou três dias depois, Paes Landim começou a sentir tonturas, e logo veio a falecer. Gostaria de fazer ao amigo Humberto Guimarães, erudito e psiquiatra do mais alto e brunido coturno, uma sibilina e freudiana pergunta: será se esse louco, sabendo, lá nos porões mais recônditos de sua mente, que a sua doença, assim como a de seu irmão, se localizava na cabeça, não teria praticado as duas mutilações como uma forma de se insurgir contra a loucura? Como uma maneira de extirpar a doença, que lhe impedia de ser ou de existir plenamente?
Cunha e Silva Filho
COMENTÁRIO
Tenho lido, sempe que possível, os textos do seu frequentado blog.
Faço votos que continue em seu projeto de levar o diário até a possiblilidade de torná-lo um livro.Torço por isso.
Os seus textos me dizem muito das intenções suas como autor: recolher, o mais possível, relatos, comentários, ficções, visões do Piauí e de seu povo sem restrições sociais. Creio que o que o norteia seja precisamente dar um painel de tudo aquilo que pode localizar e identificar o homem e a terra piauienses. Por isso, seus relatos, suas narrativas, suas anotações de fatos sociais, de eventos, de lugares por onde passa vão permitir um conhecimento mais de perto do que a vida piauiense tem de bom e de fundamental a oferecer aos próprios piauienses e, principalmente, aos leitores que de longe leem os seus textos, escritos com um cuidado impecável com a linguagem, sempre irrepreensível, elegante, polida, linguagem de quem escreve com a responsabilidade de um autor amante da sua própria língua.
Desta forma, continue produzindo seus textos com esta vontade determinada de contribuir para esse tipo de gênero literário que, a meu ver, salvo engano, não foi tentado por ninguém aí, fato que só enriquece a produção literária piauiense.
Com um grande abraço do amigo
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