quarta-feira, 7 de setembro de 2011

SARAU DA CIDADANIA


Roberto Carvalho Veloso (*)

Conheci Michael Stricklin há dez anos, ainda quando eu era juiz federal no Piauí, por intermédio do amigo comum e magistrado Carlos Brandão. Michael é cidadão norte-americano e há 15 anos reside no Piauí, onde lecionava na Universidade Federal. Michael Stricklin foi professor da Universidade em Nebraska (EUA) e incentivou o intercâmbio educacional e cultural entre os Estados Unidos e o Brasil.

Àquela época, eu e Brandão fazíamos mestrado na Federal do Pernambuco e conversávamos com Michael sobre os espaços públicos de debates e discussão, tão escassos no Brasil. Olhávamos a Teresina de então e tínhamos dificuldade em encontrar espaços para tal tipo de atividade, a Ágora grega de Aristóteles.

Ágora era uma praça das antigas cidades gregas onde se reuniam as assembléias do povo. Era um centro comunitário onde se concentravam os prédios civis e religiosos e os cidadãos se reuniam para decidirem a vida política. A mais famosa foi a de Atenas.

Brandão idealizou e realizou a Ágora em Teresina. Primeiro, manteve sob os cuidados da Justiça Federal o antigo prédio da Praça da Bandeira, depois fundou lá o Centro Nacional de Cultura da Justiça – CENAJUS. Integrou mais de quarenta instituições, entre elas o Tribunal de Justiça, o Ministério Público, o Tribunal Regional do Trabalho, a Universidade Federal do Piauí, a Polícia Federal, a Prefeitura Municipal e o Governo do Estado, além da própria Justiça Federal.

No CENAJUS, a primeira casa da Justiça e Cidadania do Brasil, fruto de um projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), funciona a Biblioteca Abdias Neves, o Museu de Arte Sacra, um núcleo de advocacia voluntária, um espaço cibernético, um auditório, onde, orgulhosamente, o Brandão diz que se reuniu a associação de criadores de gado pé-duro do Piauí. A Ágora piauiense é também um espaço público na internet de cultura e cidadania, por meio do sítio www.cenajus.org.

Nesse espaço público, a Ágora piauiense, foi realizado no último dia 31 de agosto um sarau da cidadania. Conforme mesmo constou do convite, sarau “é um encontro festivo e cultural que envolve diversas artes, tais como música, cinema, filosofia, teatro e poesia como uma interação e troca de conhecimentos”.

Quando chegamos havia um varal de poesias do livro Serra das Confusões de H. Dobal. A primeira apresentação foi da banda “Big Band dos Regentes”, com a participação de Lene Alves e Chico Rato. Depois, uma performance poética da Oficina de Teatro e Literatura Dramática do Teatro Municipal João Paulo II – a partir da poesia de Hardi Filho.

Houve ainda a leitura dramatizada de trechos da obra “A Cidade em Chamas”, de Afonso Lima, por atores do Grupo Indigentes de Teatro, antes do momento que considerei apoteótico no sarau: a recitação livre de poemas. Inaugurou essa fase o desembargador federal João Batista Moreira, com a declamação de uma poesia de Mário Faustino.

O magistrado foi seguido por pessoas do povo e por outros juízes. Eu mesmo, por sugestão do desembargador federal Reynaldo Fonseca, declamei uma poesia de Costa e Silva. A poesia fluía e se espraiava pela noite cultural. O sonho estava realizado, temos uma Ágora. Dentre os poemas lidos, um me chamou a atenção, Mamãe Coragem, de Torquato Neto, na sua primeira estrofe diz: “Mamãe, mamãe não chore. A vida é assim mesmo, eu fui embora.”

A poesia foi imortalizada na voz de Caetano Veloso, parceiro do poeta piauiense no movimento Tropicália. No sarau, Laurenice França, presidente da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, cantou de improviso e sem acompanhamento a maravilhosa canção. Lembrei-me da minha época da graduação em Direito, na UFPI, quando foram realizados festivais e despontaram os grupos musicais Varandas e Candeia.

Michael Stricklin estava lá e acompanhou a tudo, participando do sarau, em uma concretização de uma conversa que tivemos há mais de dez anos e depois efetivada por Brandão. Perguntei ao Michael se ele ainda estava lecionando em Nebraska e ele me respondeu que não, pois havia se aposentado e mudado definitivamente com a mulher para o Piauí, onde havia feito muitos amigos. E, justificando sua atitude, me relatou que estava seguindo um conselho de seu pai: “Michael, a vida é muito curta, passe-a com os amigos”. A amizade, mais uma vez, foi vencedora. Os amigos do Michael agradecem.
(*) PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DA 1ªREGIÃO
PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
DOUTOR EM DIREITO PENAL

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