FONSECA NETO
Um concerto lítero-musical encheu de grande música a UFPI. Casa cheia para apreciar as escolhas do pesquisador, musicólogo e historiador da música, doutor João Berchmans de Carvalho Sobrinho, professor e coordenador do Nupemus-Núcleo de Pesquisa em Música da Ufpi.
Na parte lítero, o lançamento de dois livros seus: “Músicas e Músicos em São Luís – Subsídios Para a História da Música no Maranhão” e “Texto e Contexto: a Comédia Musical Uma Véspera de Reis”, de Francisco Libânio Colás. Ambos pela Ética Editora.
Na musical, um Sanctus, de missa de Colás, um allegro de Mozart, além da comédia musical “Uma Véspera de Reis”, com a Orquestra de Câmara da Ufpi, coro e solistas do DMA, participação especial do coro Laetitia Spes, do ICF e regência de Cássio Martins.
Quiséramos todo lançamento de livros assim fosse. No caso, não poderia ser diferente: Berchmans é um animal musical por excelência e sua vida parece ritmada pela força lúdica dos tons sincro e sinfonizados, escriturando com as letras do alfabeto e com as claves das aberturas partiturais.
Os livros sobre a música maranhense são disso notáveis exemplos: mergulhou ele nos arquivos do Maranhão e de Portugal e destes saiu compondo um ótimo texto de história no tocante à música e à sociedade ludovicense dos séculos passados. Mais: como nos arquivos de músicos o papel é partitura, e nestas encontrou preciosidades, fê-las ressoar açoitando poeiras de tempo e de silêncio.
Piauiense enraizado nas graças da Conceição das Barras do Marataoã e no antigo São Gonçalo do Amarante, seu interesse pela temática maranhense veio do contato com o manancial de fontes do “Inventário João Mohana”, do APMA, rico repositório de registros do passado da capital da América portuguesa equinocial. Mohana fora um padre-médico que dedicou parte de sua vida a coligir fontes sobre a música no Maranhão e escreveu um livro precioso: “A Grande Música do Maranhão”. Berchmans fez tese doutoral em musicologia tratando desse contexto, na Ufrs, concluída em 2003.
Tese e livro são revisitações às entranhas da São Luís oitocentista, captando os ritmos de sua vida cultural a partir dos ecos ainda timbrando das naves sacras e dos palcos de salões teatrais. Lembra que as linhagens primevas da elaboração musical local vem dos dois séculos anteriores e seu lugar são as igrejas e conventos da velha ilha-capital, sede de bispado desde 1677.
Assim, o século XIX apenas assistirá à constituição de outros palcos para a grande música, assinalando, ali, uma mudança social mais profunda. Do coro da velha Sé da Vitória, em Introitus, Sanctus, Benedictus e Agnus Dei de vário Te Deum, de capelas brancas e negras, a grande música encherá teatros de concertos operísticos, sinfonias e mais batutais, quiçá, diga-se, profanamente profusas.
Na segunda metade do Oitocentos há uma São Luís ainda compenetrada de europeidade e o campo musical nutre e se nutre de valoroso intercâmbio com Portugal, Itália, França. Se não popular como o tambor e a música sacramental que corre em todos os poros sociais por ação das irmandades católicas e associações afins, o teatro nesse tempo tem sua recepção numa elite que ‘consome’ a matéria musical esteticizada.
Berchmans recorta esta passagem de J. Jansen, indicativa das mudanças que afetavam então as sociabilidades de certa classe social de S. Luís: “Nas grandes noites de espetáculo, não eram mais as cadeirinhas de arruar carregadas por negros possantes, vestidos em cores vivas que traziam os espectadores mais abastados e de onde saltavam as damas com seus veículos custosos; agora, saltavam da landeau, do coupé, ou da vitória, puxados por belos e luzidios cavalos. Já era do passado a luz de velas de espermacete; eram os bicos de gás com camisinhas incandescentes que iluminavam o ambiente”.
Nem à luz de velas de espermacete ou de camisinhas incandescentes; foi à luz elétrica que, ressuscitado desse ambiente por J. Berchamans, vimos executada no palco do novo cine-tetro a grande arte de Colás e sua riqueza partitural aspergida sobre nós. Bravo, dr. Bequimão!
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