quinta-feira, 27 de outubro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO



27 de outubro

MEUS LIVROS

Elmar Carvalho

Em outubro do ano passado, mudei-me para minha atual residência, juntamente com minha mulher e meus filhos. Mas somente agora, um ano depois, estou a concluir a reorganização de minha biblioteca. No dia 15 de setembro de 1975 fui admitido como empregado dos Correios (ECT), lotado em Teresina. A partir dessa data, comecei a comprar os livros que ao longo de todos esses anos formaram seu acervo. No começo de 1977, consegui minha remoção para Parnaíba, a fim de cursar Administração de Empresas, no Campus Ministro Reis Velloso, da UFPI. Continuei a adquirir livros. Para assumir o meu cargo de fiscal na extinta SUNAB, a 10/08/1982, retornei para Teresina. Prossegui em minha aquisição de obras literárias e revistas. Enquanto solteiro, mudei-me de casas e “repúblicas” algumas vezes. Nessas mudanças, perdi alguns livros. As traças e cupins me devoraram muitos outros, assim como antiliterárias goteiras. Os empréstimos a amigos e conhecidos, sem observância do VV (Vai e Volta), me deram cabo de outros mais, cuja perda de alguns ainda sinto e lamento.

Como estava dizendo, em outubro passado saí da casa em que morei durante mais de vinte e cinco anos, no bairro Memorare. Durante esse tempo conservei o mesmo número de telefone fixo. Como não a vendi, mantive a biblioteca nela, durante vários meses. Gradativamente, fui levando alguns volumes, por necessidade de rápidas consultas, conquanto não seja propriamente um pesquisador, como sabem meus raros leitores e amigos. Depois de reparar e pintar a velha morada, para poder alugá-la, fui forçado a retirar os livros, que já atingiam alguns poucos milheiros. Fátima, minha mulher, providenciou o encaixotamento desses milhares de amigos de papel. Ajudei a carregar as pesadas caixas de papelão, tendo que subir ou descer várias vezes íngreme escada. Na minha idade, essas travessuras são arriscadas, e não sei como não sofri alguma avaria em meu esqueleto, uma vez que muitas pessoas ficam “descadeiradas” por causa desses esforços inabituais.

Embora a casa fosse simples, ao longo de 25 anos a fui reformando e ampliando, de modo que pude abrigar os meus livros, em três diferentes compartimentos, embora nem sempre de forma muito adequada. Somente após ampliar a nova casa, com a construção de um dormitório e uma varanda, pude, como já disse, levá-los. Por vários meses, as várias caixas ficaram empilhadas na varanda, até que eu pudesse tomar um fôlego financeiro, e mandasse construir uma estante, no compartimento que será uma espécie de escritório e biblioteca. Minha mulher se encarregou dessa parte, discutindo com a empresa o formato do móvel embutido. Dei alguns palpites, no sentido de ampliar a parte destinada aos livros. Finalmente, na quinta-feira, dia 13, a bendita estante foi montada. Desde então, até o domingo passado, em meus dias de folga, estive pessoalmente a colocar os volumes na prateleira, com a ordem que lhes queria dar, conforme o tamanho, o assunto e observando o fato de formarem ou não coleção, bem como para executar novos e mais radicais descartes, cuja necessidade logo antevi.

Como dizem os demagogos de plantão, tive de cortar na própria carne. Ao adquirir a nova casa, sabia que iria ter de desfazer-me de várias obras, por insuficiência de espaço, mesmo tendo feito a aludida ampliação. Quando comecei a colocá-las na estante, logo percebi que teria de descartar muito mais do que havia pensado. Para mim já é um prenúncio das coisas que haverei de deixar, quando fizer a viagem definitiva. Começo, pois, a aprendizagem de meu processo de desapego aos bens materiais, de que me considero apenas procurador ou vaqueiro. Já no trabalho de encaixotamento, fui separando alguns livros, de literatura ou história, para doar à biblioteca pública de Campo Maior; os jurídicos, doarei à biblioteca do CENAJUS, órgão dirigido pelo amigo Carlos Brandão, juiz federal; entregá-los-ei ao magistrado Paulo Roberto Barros, maçom paradigmático, que lhes há de dar a adequada destinação.

Os destinados a Campo Maior, entregarei pessoalmente ao meu amigo Soares (José Soares da Silva), com algumas orientações, para que ele os repasse ao acervo da Biblioteca Pública Municipal, onde, entre outros dedicados servidores, o escritor, historiador e acadêmico Moaci Ximenes velará por eles. Somente agora me dou conta de que, na intermediação do Soares, há um simbolismo muito expressivo e importante para mim; é que, no início de minha adolescência, ele me repassou vários romances, sobretudo da autoria de José de Alencar, pertencentes à biblioteca do senhor Antônio Cardoso de Oliveira, que fora coletor estadual e chefe da Mesa de Renda no município. Leitor extremamente voraz, na época, eu logo os devolvia, para receber sucessivamente novos volumes. Muitas das obras que doarei ostentam o autógrafo de seus autores, alguns de minha profunda amizade e admiração. Espero que me perdoem. Mas preferi entregar os seus livros aos cuidados da biblioteca pública de minha terra natal, onde os leitores maduros, de longa cabotagem, e os jovens estudantes poderão apreciar suas páginas, do que deixá-los encaixotados, como em urna fúnebre, na varanda de minha casa.

 Caro amigo Elmar Carvalho:
Na parte em que você fala nesta crônica – Meus livros – sobre o destino de seus livros, senti uma ponta de desânimo seu com respeito a descartes de volumes, falta de espaço e outras coisas. Não, Elmar, meu poeta lido e em parte estudado por mim, Você não pode pensar em ideia de limites existenciais ainda, pois é ainda muito moço e tem muito tempo para manter seu talento e sua criativade em movimento e em momentos de grande nível literário em relatos, em textos, enfim, que agradam a quem sabe reconhecer a responsabilidade do ato de escrever com amor e prazer pelo que faz.
Há muita água pela qual passar no caminho da vida intelectual. Esteja certo disso.
Cumprimentos do amigo,
Cunha e Silva Filho

2 comentários:

  1. JOSÉ FRANCISCO MARQUES27 de outubro de 2011 às 21:57

    Mestre Elmar,
    Grande gesto o seu em tornar útil o seu precioso acervo literário. Ouvi diversas vezes de sua própria fala, o carinho de devotava a tal raridades.Agora, sob nova perspectiva, eles certamente servirão como norte aos nossos conterrâneos ávidos pela boa leitura.Parabéns!!!!!!

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  2. JOSÉ FRANCISCO MARQUES27 de outubro de 2011 às 22:00

    Mestre Elmar,
    Grande gesto o seu em tornar útil o seu precioso acervo literário. Ouvi diversas vezes de sua própria fala, o carinho que devotava a tal raridades.Agora, sob nova perspectiva, eles certamente servirão como norte aos nossos conterrâneos ávidos pela boa leitura.Parabéns!!!!!!

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