sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Não conhecemos o Brasil literário


CUNHA E SILVA FILHO

Num longo e amadurecido artigo no Prosa & Verso do jornal O Globo (11/02/2012) sobre a realidade da crítica literária brasileira contemporânea, de título “Desdramatizando a crise da crítica”, o professor da UERJ, João Cezar de Castro Rocha, entre outras ponderações acerca da importante questão entre críticos e autores, crise da critica e crise da literatura, nos chama a atenção para a necessidade de mudanças de estratégias e de procedimentos no terreno da critica literária a fim de darmos conta da diversidade e da quantidade também da produção literária contemporânea. Já no seu tempo, o crítico Álvaro Lins (1912-1970) até via com bons olhos quando se falava em crise da literatura, visto que para ele a crise é um sintoma de algo que está vivo.
Segundo Castro Rocha, muito mais do que a produção do passado, está a exigir toda a atenção dos críticos, sobretudo porque esses numerosos autores, entre ótimos, bons , médios e ruins, precisam de ser analisados com um aparato teórico-crítico que esteja sintonizado com a nova realidade das novas mídias eletrônicas advindas dos avanços da internet e do surgimento de obras de leitura eletrônica, os chamados e-books, da influência de blogs literários, da pesquisa eletronicamente globalizada e dos novos recursos tecnológicos da mídia jornalística, dos confusos e indeterminados tempos pós-modernos, ou para outros estudiosos de literatura, produção ficcional e poética “pós-pós- moderna,” rótulo resultante de um trabalho de pesquisa do Departamento de Letras da UFRJ...
Sabemos que as histórias literária de que dispomos se encontram limitadas a fases já conhecidas da produção literária brasileira. Seus autores, seja individualmente , seja em trabalhos coletivos, ainda assim não abarcam de forma mais imediata o que se vem produzindo nos grandes centros culturais do pais e no interior do país, onde a produção intelectual se mostra pujante, com autores de talento e dignos de também serem conhecidos por outros leitores do Brasil.
Dadas as nossas dimensões continentais, o Brasil literário, considerando-se a produção cultural dos estados separadamente, é um desconhecido e – o que é de se lamentar -, ainda cheio de preconceitos entre os autores de outras estados da Federação. Há opiniões tão grosseiras e carentes de conhecimento e de atualização com respeito a outras regiões do país que nos deixam perplexos vindo elas de parte do próprio meio acadêmico universitário.Revelar noções preconcebidas sobre escritores de outras regiões brasileiras me parece revelar da parte de quem enuncia um contrassenso desses um tremendo desserviço à cultura brasileira. É postura inadequada, ignorante e provinciana de quem as enuncia.Até os desconhecidos, ainda que sem talento, merecem o nosso respeito étco-profissional.
O professor da UFRJ, crítico e historiador Afrânio Coutinho (1911-2000) quando projetou organizar a sua monumental obra coletiva A literatura no Brasil (São Paulo: Global, 2003. 7 v.) , mostrara, no seu tempo, largueza de visão do que fosse uma história literária mais abrangente de um país. Hoje, mais do que nunca, vivemos esse impasse, o de termos que escrever, utilizado-se de recurso eletrônicos de ponta, ou, nas palavras de Castro Rocha, “... as possibilidades criadas pela tecnologia digital”, uma história da literatura brasileira contemporânea o mais completa possível, recorrendo à mesma ideia de visão progressista de Afrânio Coutinho, ele próprio um inovador dos estudos literários entre nós nos meios universitários. Seria, no caso, uma história literária que, por ser realizada eletronicamente, poderia ser, periodicamente, atualizada como já aconteceu com a Enciclopédia Britânica, que enviava, não sei se ainda o faz, de tempo em tempo, conforme as necessidades e os progressos e inovações do conhecimento, matéria atualizadora daquela notável obra para seus usuários.
Naturalmente, no caso de nossa história literária contemporânea, seria um trabalho de altíssima envergadura intelectual, com um corpo de organizadores reunindo gente de reconhecido saber na área e com colaboradores escolhido com o principal critério: conhecimento do assunto e competência teórica e prática.
Um obra dessa magnitude seria um ponto de partida para mobilizarmos competentes scholars da literatura brasileira nos diversos estados e selecionados sem qualquer coloração ideológica ou de natureza culturalmente tendenciosa, sem ranços, pois, de patrulhamentos, muito ainda comum em vários estados brasileiros, sobretudo oriundos dos meios universitários.
No campo da crítica literária, da teoria, e da produção não pode haver mais estrelismos, comportamentos antidemocráticos de sobreposição de postura acadêmica sobre críticos teóricos e autores dos diversos gêneros da literatura e de outras formas de criação artística, tanto dos grandes centros quanto das capitais e do interior do país..
Uma passagem do mencionado professor da UERJ sintetiza bem a condição da crítica e da produção literária brasileira, além de abrir um caminho de mudanças objetivas e desejáveis para o clima de “obituário” e de “coveiros” que, de tempos em tempos, discutem a atividade crítica no país e , muitas vezes, de forma não-construtiva e desalentadora: “A reinvenção da crítica exige uma nova perspectiva, capaz de descobrir a potência da circunstância que nos cabe transformar, em lugar de insistir numa melancolia feita sob medida para o papel anacrônico do intelectual palmatória do mundo.No reduzido parágrafo seguinte, conclui Castro Rocha: “É hora de abandonar essa máscara”.

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