terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

TODA REGRA TEM EXCEÇÃO

Foto meramente ilustrativa

JONAS FONTENELE
Advogado e professor

Mãe é uma instituição, não nacional, mas mundial. Como diz o ditado: mãe só se tem uma. Apesar de ter perdido a minha muito cedo , desde menino, aprendi que com mãe não se brinca. Falar mal da mãe dos outros era briga na certa, mesmo com quem já não tinha, como era o meu caso. Mãe é intocável. Aprendi também que mãe defende o filho, não importa que filho, ele pode ser considerado ser humano da “pior espécie”, mas sua mãe o ama e sempre o canalha, o bandido, o sem-vergonha é o filho da outra, como se ele – o filho da outra − também não tivesse mãe. Mãe é tão importante que no calendário, tem um dia dedicado especialmente a ela. Por esta razão, esta narrativa deveria ter sido publicada no mês de maio, mas, ao final, você caro leitor, vai entender que tudo na vida tem exceção, e, infelizmente, a instituição MÃE, não é a única exceção.

Quis o velho destino me empurrar para o exercício de uma profissão que me obriga procurar entender o ser humano. Tarefa mais do que espinhosa, cheguei à conclusão de que após vinte e três anos de formado, na verdade é tarefa impossível.

Formado em direito, iniciei minha atividade profissional na área trabalhista. Em seguida, incursionei na área cível e, por fim, descobri que gostava mesmo era da área criminal que no meu entender ali estava o ser humano na sua essência. É na área criminal que você se depara com o ser humano verdadeiro, não importa o sexo, profissão, cor ou credo. Na área criminal você descobre a verdade nua e crua, a razão do erro, e quem é digno da existência. Fixei-me, então, na área criminal.

Como diz o ditado, vi coisas que até Deus duvida. Para ilustrar esta nossa conversa, conheci um rapaz que era o código penal ambulante, respondia processo acusado de estupro, homicídio, lesão corporal, roubo, furto, atirava bem com as duas mãos, e enfrentava a polícia constantemente. Foi preso porque sua mãe pediu-lhe que se entregasse. Carregava no braço a tatuagem “EU AMO MAMÃE’. E como não poderia deixar de ser, deparei-me com a instituição MÃE em todos os processos. Mãe é aquela que nunca acredita que o filho fez algo errado, sempre foram os outros ou por influência destes.

Um belo dia, ao sair à noite do Forum de Taguatinga, deparei-me com um amigo de longa data, também advogado, amigo daqueles que a gente não pode dizer não, que me fez um pedido surpreendente: Fazer um júri pra ele no dia seguinte. Aquilo era impossível. Júri é um processo complicado, complexo, necessita de um estudo mais aprofundado, não é processo de se estudar de um dia para o outro, mas o meu amigo estava em desespero, o julgamento seria no dia seguinte e ele, além de não ter estudado os autos, não tinha nenhuma experiência no Júri. O pavor estava estampado na cara. Eis um caso de vida ou morte. Então resolvi ajudá-lo. Estudaria o processo a noite inteira, para, na manhã seguinte, defender o cliente do amigo.

Levei cópia dos autos e passei a noite me aprofundando no caso: era um homicídio, onde o agora nosso cliente, havia matado um desafeto atravessando-lhe uma faca peixeira na altura do coração. Situação difícil a do cliente, e para piorar, a mãe da vitima chegara no momento e amparou o filho que faleceu em seus braços.

Como desgraça pouca é bobagem, a mãe da vítima, que sumira da cidade logo após o homicídio, reaparecera e iria testemunhar pela primeira vez no autos, perante o corpo de jurados. Pensei comigo: pobre do meu cliente, a mãe vai depor e contar tudo sob a ótica materna, aquela de que todos outros são maus, exceto o “santo” filho. Vai sensibilizar os jurados, pois estava na cena do crime, tudo vira e podia contar o fato diferente do que acontecera, tudo no sentido de piorar ainda mais a situação do meu cliente. Passei a noite imaginando como meu cliente iria se sair desta, afinal, pensava com os meus botões, Mãe é mãe. Vai chorar no plenário, fazer o papel de mãe que todos sabemos como é.

O dia amanhece. Dirijo-me ao local do julgamento, sabendo qual seria o resultado, pois não vislumbrava uma saída satisfatória, diante daquela situação. Audiência aberta, promotor sorrindo, satisfeito com a descoberta da mãe a tempo de arrolá-la como testemunha de acusação, inicia-se o julgamento com a oitiva do acusado, que informa que não teve outra alternativa , senão ter que matar a vitima, que após a vítima tê-lo espancado por duas vezes, invadira seu barraco para espancá-lo pela terceira vez. Única testemunha, a mãe da vitima é chamada a depor. Pensei: agora é o fim. Para que você leitor tire as suas conclusões, eis aqui, parte da inquirição.

Juiz: A senhora viu tudo, conte como aconteceu.
Mãe: O meu filho já havia espancado o acusado duas vezes, e depois mesmo eu tentando impedi-lo, ele foi até o barraco do acusado e após invadir o barraco e tentar estrangular o acusado, sofreu o golpe, que o matou.
Juiz: O seu filho, como ele era?
Mãe: Doutor, graças ao nosso bom Deus, ele se foi. Era um sem coração, batia em todo o mundo, roubava, já havia tentado matar várias pessoas. Olhe hoje eu me sinto aliviada, pois ele era uma dor de cabeça só.
Juiz: E o acusado, a senhora conhece?
Mãe: Claro, é um homem bom, trabalhador, não faz mal a ninguém, isso que aconteceu, foi uma tragédia, eu mesma se estivesse no lugar dele teria feito a mesma coisa.

Espanto geral. Acusação, Juiz, a defesa, os jurados, a platéia, todos se surpreenderam. Ninguém, absolutamente, esperava aquele depoimento. Achei inédito, uma mãe falar a verdade sobre o próprio filho e elogiar aquele que o matara. É óbvio que meu cliente foi absolvido. Concluindo: toda regra tem exceção, até mesmo a instituição Mãe.

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