Mulheres: Elmar, Ana Paula, Rosália, Maria José, Maria de Jesus, e Fátima. Homens: Antônio José, Nonato Freitas (Natim), Canindé, Elmar, Miguel e Zé Francisco |
Elmar, Canindé e Zé Francisco |
2 de maio Diário Incontínuo
NAS ÁGUAS DE PIRAPORA
Elmar Carvalho
Do alto em que fica a Igrejinha do Céu, em Viçosa,
após contemplarmos a bela paisagem serrana, que de lá se
descortina, iniciamos o processo de descida da serra da Ibiapaba, em
demanda do Piauí. Ao longo da BR, asfaltada, vimos algumas casas de
fazenda, em que se denota relativa prosperidade, seja agrícola, seja
pecuária, ou ainda a conjugação dessas duas atividades. Décadas
atrás, quando fiz esse percurso em motocicleta, a estrada era de
piçarra, cheia de catabilos ou “costelas de vaca”.
Na época, vi rangentes carros de boi, carregando feixes
de cana para os engenhos produtores de cachaça ou de rapadura.
Segundo o historiador e empresário Vicente Miranda, em cujo sítio
Serra Azul estivemos hospedados, nos arredores da “colonial”
Viçosa, o povoado Delgada possui pessoas trabalhadoras, mormente na
área de hortifrutigranjeiros, que desfrutam de uma boa renda e,
consequentemente, de um bom padrão de vida, de que dão testemunho
as boas casas, que ornam o lugarejo.
Passamos ainda pelo povoado Padre Vieira, cujo nome se
deve ao fato de que muitos acreditam de que esse jesuíta, grande
orador sacro, escritor de linguagem depurada, castiça, um dos
maiores representantes do classicismo de Portugal e do Brasil, já
que muitos compêndios o consideram como pertencente à nossa
literatura, embora ele tenha nascido em terras lusitanas. O fato é
que ele esteve na Aldeia da Ibiapaba. Defendeu os interesses do
Brasil colonial, insurgiu-se contra a escravidão dos índios e
contra o desvio de conduta de certos administradores do reino.
No Posto Fiscal, quase na divisa com o Piauí, fica o
balneário Pirapora. Trata-se de uma cascata do rio Pirangi, que
nasce nas proximidades do povoado Delgada. As águas estavam frias,
mas não muito, de modo que, após o mergulho inicial, foi um banho
agradável, que apenas eu e o Canindé Correia tivemos a
coragem/sabedoria de enfrentar. Perto do paredão da pequena
cachoeira, no ponto em que a água borbulha com maior intensidade,
ficamos com a sensação de estar tomando uma hidromassagem natural.
Todo o leito do rio, no local do balneário, é de pedra, de forma
que não há o incômodo de se pisar em lama, que sempre causa algum
desconforto.
Voltamos ao restaurante do Albuquerque, onde estavam as
demais pessoas. Logo percebi que nas colunas do estabelecimento foram
escritos versos rimados, em estilo próximo ao de cordel, de caráter
educativo, em que se notava a criatividade do poeta e o seu senso de
humor. Perguntei à atendente qual era o nome do bardo. Respondeu-me
ser Vladimir.
Disse-lhe que o poeta tinha nome de poeta, pois
imediatamente associei o seu nome ao do poeta russo Vladimir
Maiakovski, que deu a alguns de seus poemas uma finalidade
utilitária, e não apenas estética, ao defender o ideário e ações
do governo revolucionário de seu país, na segunda década do século
passado. Indaguei se o nosso Vladimir nascera em Pirapora, tendo a
moça me respondido que ele era natural de Cocal, cidade piauense,
que ficava a um pouco mais de vinte quilômetros.
Entre os vários versos rimados, havia esta mensagem em
prosa do poeta de Pirapora: “Um só não salva o planeta, mas cada
um deve fazer sua parte. Bote o lixo no lixo.” Notei que o
restaurante e algumas pessoas que vendiam em bancas, em outros
locais, já começavam a despertar para a importância de não
sujarem o ambiente. Colocavam depósitos para o descarte das
embalagens e dos restos de comida. Procurei fazer minha parte, pondo
o lixo no lixo, ou seja, nos depósitos apropriados.
Mas, se não houve poluição de lixo, houve,
lamentavelmente, poluição sonora. Um automóvel, portando grandes
caixas de som, empestava os arredores com uma música desarmoniosa,
de letra horrível, de aterrador mau gosto. Quando eu pensava que o
suplício barulhento era o máximo que podíamos suportar, chegou uma
possante picape com descomunais caixas amplificadoras, dessas que os
jovens chamam de paredões. Começou a se agasalhar nas
irregularidades e ressaltos do lajedo. Ainda bem que deixamos o local
antes de começar aquela infernal batalha do barulho entre os dois
carros. Para mim não seria música. Seria tortura, pela qualidade
das pretensas “músicas” e pelo volume ensurdecedor da zoada.
Além do banho na cascata, o restaurante construiu uma
rústica, porém deliciosa piscina de águas tépidas e límpidas.
Canalizou a água do Pirangi, e a levou até o grande tanque. Mais
uma vez, apenas eu e o Canindé fomos usufruir do banho, e mais o
professor Zé Francisco, que cognominou o Canindé de Aquanindé, por
ser ele um amante inveterado das águas, sejam doces ou salgadas,
marítimas ou fluviais, mornas ou frias.
Da piscina a água escorria e enchia um criatório de
peixe, aliando, dessa forma, o lazer à parte eminentemente
produtiva, de modo a bem aproveitar o precioso líquido. Segundo
pesquisa na internet, pirapora significa lugar onde se tratam os
peixes, ou onde os peixes saltam, ou local onde os peixes moram. Em
qualquer dessas acepções, o nome ali foi bem posto. Contudo, em
lugar de peixe, optamos por degustar duas suculentas galinhas
caipiras, criadas e cevadas em Pirapora.
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