quinta-feira, 31 de maio de 2012

AINDA MEU “TESTAMENTO” LITERÁRIO


Concurso de poemas
Alunos, ladeados pela profa. Régia e pelo prof. Clementino Siqueira


31 de maio   Diário Incontínuo

AINDA MEU “TESTAMENTO” LITERÁRIO

Elmar Carvalho

Em meu depoimento no Pro Campus, recordando as minhas antigas leituras de menino, falei que alguns dos livros da biblioteca de meu pai estavam incompletos. É que, quando eu tinha de dois para três anos de vida, ao brincar com esses livros, talvez folheando aleatoriamente suas folhas, sem saber decifrar ainda o código da escrita, e sem imaginar o prazer que mais adiante elas me dariam, no meu início de leitor inveterado, rasguei algumas dessas belas páginas, sob o olhar indulgente e divertido de minha avó paterna.

No afã e no prazer da leitura, ficava triste e frustado, quando perdia parte do desenrolar da narrativa, por causa das folhas perdidas, que eu mesmo rasgara nos meus tempos de infante. Um desses romances foi o Mártir do Gólgota, sobre o qual já me referi neste Diário, e um compêndio sobre a Literatura Brasileira, que continha história e crítica literária, com a transcrição exemplificativa de trechos dos poemas. Esta última obra foi decisiva para que eu, desde bem jovem, passasse a distinguir a boa da má literatura, a separar o joio do trigo, como nos adverte a parábola evangélica.

Nessa época eu lia de tudo, mormente poemas e ficção. Lia e relia as antologias contidas nos compêndios de gramática e literatura. Li muitas revistas, inclusive gibis e fotonovelas, e até mesmo romances condensados ou transformados em histórias em quadrinhos, à falta momentânea de obras literárias. Encantava-me a beleza de Michela Roc e Paola Pitti, atrizes italianas, que interpretavam as heroínas dos lacrimejantes folhetins fotográficos. Ao ler a biografia dos grandes poetas e escritores, e ao lhes ver o retrato estampado nas seletas, almejei me tornar um poeta de valor, e não simplesmente um poeta qualquer. Se consegui ou não o meu objetivo é uma outra questão, que não me cabe responder.

Foi nessa época que li todo o Novo Testamento, numa edição que tinha notas históricas e de exegese, que me adestraram a interpretar sobretudo as parábolas de Jesus. Certa vez, já estudando na cidade, fui à pregação de um sacerdote católico, numa casa próxima. O padre perguntou aos assistentes a interpretação de certa parábola. Adestrado pelas notas a que me referi, dissequei a alegoria exemplar sem titubeios e vacilos, o que causou enorme admiração pela minha pouca idade.

Vendo meu pai o meu grande interesse pelos livros, e já começando a esboçar alguns textos, trouxe-me ele de presente, certo dia, um dicionário de bolso, das Edições de Ouro. Foi grande o meu deslumbramento. Em meu incontido entusiasmo, comecei a ler o dicionário, página por página, verbete após verbete. Meu pai, vendo essa minha dedicação, explicou-me que dicionário não era para ser lido dessa maneira, mas apenas para ser consultado, quando eu tivesse dúvida sobre o significado de um determinado vocábulo. Cedo percebi, que, pelo contexto da leitura, muitas palavras desconhecidas poderiam ter o seu significado extraído da própria interpretação do texto.

Não pude deixar de explicar aos acadêmicos da AJULE que a literatura era a mais inglória das artes; que o renome através dela só vem tardiamente, quando vem, após muito esforço e dedicação; que se desejassem dinheiro e Glória, deveriam buscar a música (ainda que fosse a música medíocre da geração Teló) ou o futebol, ou mesmo a política, mesmo a de Demóstenes e outros demos demoníacos. Também lhes adverti que usassem com afinco a caneta vermelha, a borracha, a cesta de lixo e a tecla delete, conforme seu instrumento de escrever, porquanto muito do que escrevemos são gorduras e celulites, que apenas engordam o texto, sem lhes dar a contrapartida da beleza.

Aproveitei para fazer, como venho fazendo há muitos anos, um alerta sobre as ciladas das drogas. E disse que os colégios, públicos e privados, muito poderiam fazer, preventivamente, para evitar que o jovem caia no mundo dos entorpecentes, através de palestras e aulas a respeito desse mal que assola as famílias e a sociedade, bem como promovendo o esporte, a arte e a cultura, através de campeonatos intercolegiais ou interclasses, gincanas culturais, certames de declamação, concursos literários e musicais.

Expliquei-lhes que outrora havia jornais manuscritos, murais e impressos em mimeógrafos, ou nas trabalhosas e antiquadas imprensas tipográficas, em que os textos eram compostos tipo a tipo no componer, pelo “compositor” nada musical. Eu mesmo fui colaborador de alguns desses jornais, entre os quais referi o A Luta, o Folha do Litoral, o Norte do Piauí, o Inovação, que a Régia, coordenadora da Academia Juvenil, bem conhecera em Parnaíba.

Defendi a ideia de que os colégios poderiam criar blogs e sites culturais, para explorar a criatividade artística dos jovens estudantes, que neles poderiam publicar seus poemas, crônicas, contos e ilustrações, desenhos ou pinturas, e até mesmo pequenos filmes e videoclipes. Poderiam promover a encenação de pequenas peças teatrais ou produzir performances com a utilização de poemas e exposição de artes plásticas de seus alunos.

Enfim, mediante essas atividades esportivas, artísticas e culturais, a que fiz referência, os educandários poderiam contribuir para afastar a juventude dos narcóticos, dando aos jovens um maior e melhor sentido da vida, desenvolvendo ou aumentando a autoestima deles, e, quem sabe, possibilitando o surgimento de novos e grandes artistas. As quadras já existem, os auditórios já existem, os professores já existem. O que falta, pois?

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