Des. Magalhães da Costa |
Joseli Lima Magalhães
Professor de Direito da UFPI e Doutorando em Direito Processual PUC-MINAS
Professor de Direito da UFPI e Doutorando em Direito Processual PUC-MINAS
Como
transpor a barreira da saudade? Como expressar o que se sente na
mais pura forma de gratidão? Como contemplar àquele que se foi a um
tempo não mais presente? Certamente não somente com palavras, mas
forjando e sedimentando em atitudes aquilo que a poucos custa tão
caro; e a muitos se torna tão difícil – praticar o amor. E é
justamente sobre o amor que pretendo falar.
Vou começar meu discurso pelo fim. Pela morte. Afinal é ou não a morte
o começo do fim do começo do amor? Ou o fim do começo do começo do
amor? Exatamente hoje, 18 de junho de 2012, Magalhães da Costa estaria
completando 75 anos de idade, e daqui a exatos 30 dias estaria
completando 10 anos que veio a falecer. E para celebrar sua data de
nascimento, estranhamente tendo a morte como convidada especial, vou
ler o conto de sua autoria “A Morte de Frente”, onde se percebe
toda a sutileza de como brinca com a Morte, ora na narração de um
ambiente hostil, mas ao mesmo tempo alegre, ora ironizando a sua
presença. Eis o conto, que como não poderia deixar de ser, com
elementos de veracidade:
“O velho Manezinho sacristão da igreja Matriz de Nossa Senhora do
Carmo de Piracuruca nunca teve medo da cara feia da morte. Assim,
quando soube que seu irmão e compadre Silvino Borges, mais conhecido
por Silvino Coxo, estava com os cotos na beirinha da cova, pegou a
bengala e foi ter na casa do homem, no outro lado do rio.
Silvino, encolhido no fundo da rede, só o bolo, o caco.
E Manezinho, parado, de pé:
– Boa, compadre! Então é verdade mesmo que você está perto de embarcar?
O moribundo tomou aquele susto, e ele, sacristão:
– Estive agorinha a pouco com o Dr. João Fortes, e ele me disse que
dessa você não escapa: é mal sem cura. Como o Pedro meu filho mandou
me chamar na Parnaíba e, quando voltar, na certa que não encontro mais
o mano vivo, vim logo me despedir. – Curvou-se, pegou na mão do outro
e puxou: – Adeus, meu compadre, e até Dia de Juízo. – disse, – e foi
saindo. Parou, porém, na porta de repente, coçando a cabeça. – Ah ,
sim – falou, – vigie!... Se encontrar a Binoca minha mulher por lá,
diga que mando lembrança, muitas saudades.
Conta-se que quando Manezinho tornou da viagem, o Coxo tinha batido o
vinte-e-um, e o sacristão velho orou por ele, muito contrito”.
Há 75 anos nasceu. Há 14 anos tomou posse nesse mesmo lugar na Cadeira
34 da APL, que tiveram como ocupantes Anísio Brito (Patrono), Odilon
Nunes, o Padre Cláudio Melo (o mesmo que celebrou a missa de ação de
graças quando assumiu o cargo de desembargador do TJPI) e Zózimo
Tavares, que o sucedeu. Há 13 anos lançou, aqui mesmo na APL sua
última obra – Traquinagem. Há 10 anos foi velado também aqui na APL. E
hoje lança o primeiro dos dois livros que deixou inédito. Parece ou
não parece que esses fatos ocorreram ontem? O tempo parece estreitar o
que se teima em esquecer. O que é mesmo o tempo, perguntaram para
Santo Agostinho, e ele bem respondeu em suas Confissões
“Se ninguém me perguntar, eu sei; se quiser explicar a quem me fizer a
pergunta, já não sei. (...). Dizemos tempo longo ou breve, e isto só
podemos afirmar do futuro ou do passado. (...) Mas como pode ser breve
ou longo o que não existe? Com efeito, o passado já não existe e o
futuro ainda não existe. (...). Se pudermos conceber um espaço de
tempo que não seja susceptível de ser subdividido em tais partes, por
mais pequeninas que sejam, só a este podemos chamar tempo presente.
Mas este voa tão rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma
duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo o tempo
presente não tem nenhum espaço. (...) O que agora claramente
transparece é que nem há tempos futuros nem tempos pretéritos. É
impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e
futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três:
presente das coisas passadas, presente das presentes e presente das
futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo
em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente
das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras”.
Segundo Schopenhauer, na sua tese de doutorado entitulada “A Quádrupla
raiz do princípio da razão suficiente” , o espaço e o tempo são as
intuições formais que se formam antes, correspondendo ao princípio de
razão suficiente do ser. O espaço e o tempo são puras intuições, não
empíricas. Para Shopenhauer a mais simples e primitiva das formas de
representação, o tempo, nos revela o caráter puramente relativo do
fenôneno. Ou como diz Marie Jospe Pernin, o tempo não é nada mais do
que sucesso. Passado e futuro não existem. O primeiro não existe mais,
o segundo ainda não existe. Cada instante só existe ao aniquilar o
precedente, para ser aniquilado pelo seguinte (...) Como pura relação,
o tempo é vão ou nulo. Ele imprime no coração dos fenômenos um caráter
onírico, uma marca de irrealidade” .
Para Schopenhauer “graças ao tempo, conseguimos pois conhecer o nosso
caráter, com um conhecimento fragmentário, afetado por um coeficiente
de dispersão, porduzida por esse estranho órgão. Na hora da morte,
nossa memória e nossa reflexão – verdadeiro ´espelho cônico´ -
reconstituirão essa unidade dispersa, para nos mostrar a nossa
identidade, o sentido do nosso destino .
Certamente daqui a alguns anos, ou até mesmo amanhã, o que não se
espera, alguns de nós já morreu. E o que deixamos para gerações
futuras? O que contribuímos para o engrandecimento de nossa família,
de nosso Estado, de nosso país? Qual a dimensão exata que temos e que
vamos ter a respeito do tempo. Qual o tempo de cada um de nós
presentes nessa Assembléia? O tempo de vida, o tempo de morte, o tempo
de vida dentro da morte?
Magalhães da Costa era mais escritor do que jurista, dedicava-se mais
à literatura do que propriamente à ciência jurídica. Certamente um dos
momentos mais felizes evidenciado em seu rosto foi quando tomou posse
como membro da Academia Piauiense de Letras, comparando-se com à posse
de desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí. Muitos de seus
contos foram forjados pelas andanças em cidades do interior do Estado
do Piauí, como magistrado, e na infância que passou na cidade de
Piracuruca, norte do Estado.
Os contos selecionados para esta obra foram elaborados, a maioria
deles, depois da edição de seu último livro – Traquinagem –, em 1999,
tendo sido publicados no Jornal Meio Norte e na Revista De Repente,
ambos de Teresina, mas, de qualquer forma, considerados inéditos em
forma de livro.
Por uma questão didática, até para situar o leitor em uma melhor
compreensão da obra, os organizadores resolveram dividi-la em três
partes: i) a primeira delas designada Contos Urbanos reúne contos onde
se observa a predominância do cotidiano da vida urbana ou de tipos a
ela relacionada, ainda que os diálogos ou as histórias tenham ocorrido
em cidades do interior; ii) a segunda parte, Contos Eróticos, é
formada por apenas quatro contos, havendo forte predominância ao apelo
sexual, estando também a sensualidade presente em traços marcantes;
iii) por fim, Contos Regionais, no sentido de estórias regionalistas
mesmo, inerentes ao interior do Estado do Piauí, principalmente na
região de Sete Cidades, Piracuruca e Piripiri, em que o tipo caboclo
predomina, com diálogos inocentes e sarcásticos, irônicos e
despretensiosos. Esse perfil de narrativa, se é que assim se pode
caracterizar, foi marca predominante de Magalhães da Costa, havendo
constante resgate do modo de viver, pensar, agir e se comportar
daquele tipo de gente simples que habita não somente o norte do Estado
do Piauí, mas o nordeste do Brasil, como um todo, cada vez menos
comum, ainda, em razão dos influxos que a pós-modernidade tem
imprimido à sociedade atualmente.
É esse um dos grandes dilemas de quem escreve ficção, querer ao máximo
tornar realidade o que se encontra como ficção. Até que ponto o mundo
ficto e real se encontram separados, e até que ponto o mundo ficto e
real se encontram entrelaçados. O real imita o imaginário; o
imaginário imita o real.
Habermas, certamente um dos filósofos e sociólogos mais festejados da
atualidade, ao comentar o que Ítalo Calvino, premiado escritor cubano
do século XX, e que cedo foi morar na Itália, pensa a respeito da
relação entre ficção e realidade, entre o que escreve o autor e o que
realmente ocorre, indaga se “um texto poderia ser reflexivo ao ponto
de superar até o desnível em termos de realidade que existe entre ele,
enquanto corpus de sinais, e as circunstâncias empíricas de seu
ambiente, ou seja, absorvendo em si tudo o que é real? Em caso
afirmativo, ele ampliar-se-ia, assumindo a forma de uma totalidade
instransponível. (...) Para poder totalizar desta maneira o mundo
fictício, o texto precisa recuperar inicialmente, e de modo reflexivo,
três referências com o mundo, nas quais ele mesmo está inserido: a
referência com o mundo no qual o autor vive e escreveu o texto; a
seguir, a relação entre ficção e realidade em geral; finalmente, a
referência à realidade visada na narrativa, que precisa ter ao menos a
aparência de real” .
Abre o livro, o “Poema Testamentário (feito de lugares comuns)”,
espécie de autobiografia do autor, que no dizer de seu amigo, o
escritor e advogado Ozildo Batista de Barros, consistia num prenúncio
de sua própria existência/morte.
Gostaria de agradecer a todos aqui presentes, e também àqueles que não
puderam, por um motivo ou por outro comparecer a esse evento. Agradeço
aos Acadêmicos da Academia Piauiense de Letras, em especial ao
Herculano Morais, incentivador da concretização da obra HISTÓRIAS COM
PÉ E CABEÇA..., a seu amigo, Professor Edvaldo Moura, que na condição
de Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí contribuiu
significativamente para ceder o parque gráfico do Tribunal de Justiça,
ainda que de forma paga, como não poderia ser diferente, e, assim,
diminuir os custos da edição da obra, à minha mãe e a meu irmão que
foram compreensíveis pela demora que levei em organizar o livro, não
justificável. E principalmente às palavras amigas do Acadêmico Oton
Lustosa, que como ele mesmo disse em texto cujo título é “Magalhães da
Costa: um nome da literatura e da magistratura piauienses”, publicado
logo depois de sua morte, se conheceram em um dia qualquer de julho de
1995. Eu, Acadêmico Oton Lustosa, recordo perfeitamente desse dia e
desse encontro que ocorreu na Colônia de Férias da Magistratura, na
nossa linda e sempre querida Luis Correia, e como você mesmo disse,
pouco falaram sobre processo, leis ou códigos, mas sim sobre
literatura, principalmente o gênero contos.
Gostaria de parar por aqui os agradecimentos, pois posso deixar de
citar alguém que certamente contribuiu para a publicação desse livro.
Só não poderia deixar de agradecer, mesmo e estranhamente, o autor do
livro, o que faço lendo uma música, “Casa Caiada”, de autoria do
cantor Diomedes, por mim ficado na lembrança por várias vezes ouvida
por meu pai, principalmente quando era magistrado em Piripiri (1974 a
1978) e em Parnaíba (1978-1983), certamente uma das músicas que ele
mais gostava e que bem reflete sua preocupação com o estado dantesco
da existência humana, e elementos plausíveis para superá-lo:
Quanta esperança guardada nascida do nada
Quanta vontade de ser o que não pode ser
Quanta maldade escondida nas lágrimas falsas
Quantos na beira da estrada e não sabem por quê
Quantos na vida se jogam por longas jornadas
Quantos na vida que vivem a se comprometer
Quantos que pensam estar certos e não sabem de nada
Quantos na vida que vivem e só sabem sofrer
Quantas crianças na porta da casa caiada
Quantos que vivem lá dentro tentando viver
Quantos que são prejuízo na certa pros outros
Quantos que estão só na vida e não sabem por quê
Você que é meu bom amigo e meu confidente
Sempre nas horas difíceis sou seu protetor
Esqueça um pouco a tristeza e se console comigo
Preste atenção no conselho que agora eu lhe dou
Meu amigo procure não sofrer
Esquisito como é que pode ser.
No começo do discurso disse que ia falar sobre o amor. Ledo engano. O
amor não precisa ser falado. Engana-se quem pensa que o tempo faz
passar o amor; só o amor faz passar o amor.
Com a publicação póstuma de História sem Pé e Cabeça espera-se que a
memória de Magalhães da Costa esteja cada vez mais presente na mente
da nova geração de pessoas que cultivam o gênero contos, e que também
não se disperse perante aqueles que já conhecem sua obra. Repito,
agora, o que disse, por ocasião do Panegírico realizado pelo Tribunal
de Justiça do Piauí, em 2002: “os discursos longos tendem a não
exprimir a verdade dos fatos e dos sentimentos; os curtos, ao menos,
tendem a ser ouvidos e são verdadeiros.
Obrigado.
(*) Proferido por Joseli Magalhães na APL, em 18 de junho de 2012, na solenidade de lançamento do livro HISTÓRIAS COM PÉ E CABEÇA...
mais pura forma de gratidão? Como contemplar àquele que se foi a um
tempo não mais presente? Certamente não somente com palavras, mas
forjando e sedimentando em atitudes aquilo que a poucos custa tão
caro; e a muitos se torna tão difícil – praticar o amor. E é
justamente sobre o amor que pretendo falar.
Vou começar meu discurso pelo fim. Pela morte. Afinal é ou não a morte
o começo do fim do começo do amor? Ou o fim do começo do começo do
amor? Exatamente hoje, 18 de junho de 2012, Magalhães da Costa estaria
completando 75 anos de idade, e daqui a exatos 30 dias estaria
completando 10 anos que veio a falecer. E para celebrar sua data de
nascimento, estranhamente tendo a morte como convidada especial, vou
ler o conto de sua autoria “A Morte de Frente”, onde se percebe
toda a sutileza de como brinca com a Morte, ora na narração de um
ambiente hostil, mas ao mesmo tempo alegre, ora ironizando a sua
presença. Eis o conto, que como não poderia deixar de ser, com
elementos de veracidade:
“O velho Manezinho sacristão da igreja Matriz de Nossa Senhora do
Carmo de Piracuruca nunca teve medo da cara feia da morte. Assim,
quando soube que seu irmão e compadre Silvino Borges, mais conhecido
por Silvino Coxo, estava com os cotos na beirinha da cova, pegou a
bengala e foi ter na casa do homem, no outro lado do rio.
Silvino, encolhido no fundo da rede, só o bolo, o caco.
E Manezinho, parado, de pé:
– Boa, compadre! Então é verdade mesmo que você está perto de embarcar?
O moribundo tomou aquele susto, e ele, sacristão:
– Estive agorinha a pouco com o Dr. João Fortes, e ele me disse que
dessa você não escapa: é mal sem cura. Como o Pedro meu filho mandou
me chamar na Parnaíba e, quando voltar, na certa que não encontro mais
o mano vivo, vim logo me despedir. – Curvou-se, pegou na mão do outro
e puxou: – Adeus, meu compadre, e até Dia de Juízo. – disse, – e foi
saindo. Parou, porém, na porta de repente, coçando a cabeça. – Ah ,
sim – falou, – vigie!... Se encontrar a Binoca minha mulher por lá,
diga que mando lembrança, muitas saudades.
Conta-se que quando Manezinho tornou da viagem, o Coxo tinha batido o
vinte-e-um, e o sacristão velho orou por ele, muito contrito”.
Há 75 anos nasceu. Há 14 anos tomou posse nesse mesmo lugar na Cadeira
34 da APL, que tiveram como ocupantes Anísio Brito (Patrono), Odilon
Nunes, o Padre Cláudio Melo (o mesmo que celebrou a missa de ação de
graças quando assumiu o cargo de desembargador do TJPI) e Zózimo
Tavares, que o sucedeu. Há 13 anos lançou, aqui mesmo na APL sua
última obra – Traquinagem. Há 10 anos foi velado também aqui na APL. E
hoje lança o primeiro dos dois livros que deixou inédito. Parece ou
não parece que esses fatos ocorreram ontem? O tempo parece estreitar o
que se teima em esquecer. O que é mesmo o tempo, perguntaram para
Santo Agostinho, e ele bem respondeu em suas Confissões
“Se ninguém me perguntar, eu sei; se quiser explicar a quem me fizer a
pergunta, já não sei. (...). Dizemos tempo longo ou breve, e isto só
podemos afirmar do futuro ou do passado. (...) Mas como pode ser breve
ou longo o que não existe? Com efeito, o passado já não existe e o
futuro ainda não existe. (...). Se pudermos conceber um espaço de
tempo que não seja susceptível de ser subdividido em tais partes, por
mais pequeninas que sejam, só a este podemos chamar tempo presente.
Mas este voa tão rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma
duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo o tempo
presente não tem nenhum espaço. (...) O que agora claramente
transparece é que nem há tempos futuros nem tempos pretéritos. É
impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e
futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três:
presente das coisas passadas, presente das presentes e presente das
futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo
em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente
das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras”.
Segundo Schopenhauer, na sua tese de doutorado entitulada “A Quádrupla
raiz do princípio da razão suficiente” , o espaço e o tempo são as
intuições formais que se formam antes, correspondendo ao princípio de
razão suficiente do ser. O espaço e o tempo são puras intuições, não
empíricas. Para Shopenhauer a mais simples e primitiva das formas de
representação, o tempo, nos revela o caráter puramente relativo do
fenôneno. Ou como diz Marie Jospe Pernin, o tempo não é nada mais do
que sucesso. Passado e futuro não existem. O primeiro não existe mais,
o segundo ainda não existe. Cada instante só existe ao aniquilar o
precedente, para ser aniquilado pelo seguinte (...) Como pura relação,
o tempo é vão ou nulo. Ele imprime no coração dos fenômenos um caráter
onírico, uma marca de irrealidade” .
Para Schopenhauer “graças ao tempo, conseguimos pois conhecer o nosso
caráter, com um conhecimento fragmentário, afetado por um coeficiente
de dispersão, porduzida por esse estranho órgão. Na hora da morte,
nossa memória e nossa reflexão – verdadeiro ´espelho cônico´ -
reconstituirão essa unidade dispersa, para nos mostrar a nossa
identidade, o sentido do nosso destino .
Certamente daqui a alguns anos, ou até mesmo amanhã, o que não se
espera, alguns de nós já morreu. E o que deixamos para gerações
futuras? O que contribuímos para o engrandecimento de nossa família,
de nosso Estado, de nosso país? Qual a dimensão exata que temos e que
vamos ter a respeito do tempo. Qual o tempo de cada um de nós
presentes nessa Assembléia? O tempo de vida, o tempo de morte, o tempo
de vida dentro da morte?
Magalhães da Costa era mais escritor do que jurista, dedicava-se mais
à literatura do que propriamente à ciência jurídica. Certamente um dos
momentos mais felizes evidenciado em seu rosto foi quando tomou posse
como membro da Academia Piauiense de Letras, comparando-se com à posse
de desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí. Muitos de seus
contos foram forjados pelas andanças em cidades do interior do Estado
do Piauí, como magistrado, e na infância que passou na cidade de
Piracuruca, norte do Estado.
Os contos selecionados para esta obra foram elaborados, a maioria
deles, depois da edição de seu último livro – Traquinagem –, em 1999,
tendo sido publicados no Jornal Meio Norte e na Revista De Repente,
ambos de Teresina, mas, de qualquer forma, considerados inéditos em
forma de livro.
Por uma questão didática, até para situar o leitor em uma melhor
compreensão da obra, os organizadores resolveram dividi-la em três
partes: i) a primeira delas designada Contos Urbanos reúne contos onde
se observa a predominância do cotidiano da vida urbana ou de tipos a
ela relacionada, ainda que os diálogos ou as histórias tenham ocorrido
em cidades do interior; ii) a segunda parte, Contos Eróticos, é
formada por apenas quatro contos, havendo forte predominância ao apelo
sexual, estando também a sensualidade presente em traços marcantes;
iii) por fim, Contos Regionais, no sentido de estórias regionalistas
mesmo, inerentes ao interior do Estado do Piauí, principalmente na
região de Sete Cidades, Piracuruca e Piripiri, em que o tipo caboclo
predomina, com diálogos inocentes e sarcásticos, irônicos e
despretensiosos. Esse perfil de narrativa, se é que assim se pode
caracterizar, foi marca predominante de Magalhães da Costa, havendo
constante resgate do modo de viver, pensar, agir e se comportar
daquele tipo de gente simples que habita não somente o norte do Estado
do Piauí, mas o nordeste do Brasil, como um todo, cada vez menos
comum, ainda, em razão dos influxos que a pós-modernidade tem
imprimido à sociedade atualmente.
É esse um dos grandes dilemas de quem escreve ficção, querer ao máximo
tornar realidade o que se encontra como ficção. Até que ponto o mundo
ficto e real se encontram separados, e até que ponto o mundo ficto e
real se encontram entrelaçados. O real imita o imaginário; o
imaginário imita o real.
Habermas, certamente um dos filósofos e sociólogos mais festejados da
atualidade, ao comentar o que Ítalo Calvino, premiado escritor cubano
do século XX, e que cedo foi morar na Itália, pensa a respeito da
relação entre ficção e realidade, entre o que escreve o autor e o que
realmente ocorre, indaga se “um texto poderia ser reflexivo ao ponto
de superar até o desnível em termos de realidade que existe entre ele,
enquanto corpus de sinais, e as circunstâncias empíricas de seu
ambiente, ou seja, absorvendo em si tudo o que é real? Em caso
afirmativo, ele ampliar-se-ia, assumindo a forma de uma totalidade
instransponível. (...) Para poder totalizar desta maneira o mundo
fictício, o texto precisa recuperar inicialmente, e de modo reflexivo,
três referências com o mundo, nas quais ele mesmo está inserido: a
referência com o mundo no qual o autor vive e escreveu o texto; a
seguir, a relação entre ficção e realidade em geral; finalmente, a
referência à realidade visada na narrativa, que precisa ter ao menos a
aparência de real” .
Abre o livro, o “Poema Testamentário (feito de lugares comuns)”,
espécie de autobiografia do autor, que no dizer de seu amigo, o
escritor e advogado Ozildo Batista de Barros, consistia num prenúncio
de sua própria existência/morte.
Gostaria de agradecer a todos aqui presentes, e também àqueles que não
puderam, por um motivo ou por outro comparecer a esse evento. Agradeço
aos Acadêmicos da Academia Piauiense de Letras, em especial ao
Herculano Morais, incentivador da concretização da obra HISTÓRIAS COM
PÉ E CABEÇA..., a seu amigo, Professor Edvaldo Moura, que na condição
de Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí contribuiu
significativamente para ceder o parque gráfico do Tribunal de Justiça,
ainda que de forma paga, como não poderia ser diferente, e, assim,
diminuir os custos da edição da obra, à minha mãe e a meu irmão que
foram compreensíveis pela demora que levei em organizar o livro, não
justificável. E principalmente às palavras amigas do Acadêmico Oton
Lustosa, que como ele mesmo disse em texto cujo título é “Magalhães da
Costa: um nome da literatura e da magistratura piauienses”, publicado
logo depois de sua morte, se conheceram em um dia qualquer de julho de
1995. Eu, Acadêmico Oton Lustosa, recordo perfeitamente desse dia e
desse encontro que ocorreu na Colônia de Férias da Magistratura, na
nossa linda e sempre querida Luis Correia, e como você mesmo disse,
pouco falaram sobre processo, leis ou códigos, mas sim sobre
literatura, principalmente o gênero contos.
Gostaria de parar por aqui os agradecimentos, pois posso deixar de
citar alguém que certamente contribuiu para a publicação desse livro.
Só não poderia deixar de agradecer, mesmo e estranhamente, o autor do
livro, o que faço lendo uma música, “Casa Caiada”, de autoria do
cantor Diomedes, por mim ficado na lembrança por várias vezes ouvida
por meu pai, principalmente quando era magistrado em Piripiri (1974 a
1978) e em Parnaíba (1978-1983), certamente uma das músicas que ele
mais gostava e que bem reflete sua preocupação com o estado dantesco
da existência humana, e elementos plausíveis para superá-lo:
Quanta esperança guardada nascida do nada
Quanta vontade de ser o que não pode ser
Quanta maldade escondida nas lágrimas falsas
Quantos na beira da estrada e não sabem por quê
Quantos na vida se jogam por longas jornadas
Quantos na vida que vivem a se comprometer
Quantos que pensam estar certos e não sabem de nada
Quantos na vida que vivem e só sabem sofrer
Quantas crianças na porta da casa caiada
Quantos que vivem lá dentro tentando viver
Quantos que são prejuízo na certa pros outros
Quantos que estão só na vida e não sabem por quê
Você que é meu bom amigo e meu confidente
Sempre nas horas difíceis sou seu protetor
Esqueça um pouco a tristeza e se console comigo
Preste atenção no conselho que agora eu lhe dou
Meu amigo procure não sofrer
Esquisito como é que pode ser.
No começo do discurso disse que ia falar sobre o amor. Ledo engano. O
amor não precisa ser falado. Engana-se quem pensa que o tempo faz
passar o amor; só o amor faz passar o amor.
Com a publicação póstuma de História sem Pé e Cabeça espera-se que a
memória de Magalhães da Costa esteja cada vez mais presente na mente
da nova geração de pessoas que cultivam o gênero contos, e que também
não se disperse perante aqueles que já conhecem sua obra. Repito,
agora, o que disse, por ocasião do Panegírico realizado pelo Tribunal
de Justiça do Piauí, em 2002: “os discursos longos tendem a não
exprimir a verdade dos fatos e dos sentimentos; os curtos, ao menos,
tendem a ser ouvidos e são verdadeiros.
Obrigado.
(*) Proferido por Joseli Magalhães na APL, em 18 de junho de 2012, na solenidade de lançamento do livro HISTÓRIAS COM PÉ E CABEÇA...
Esta obra vem quem sabe fazer com os grandes escritores , que já partiram, venham a ser reeditsados os seus livros e ou escritos literários,
ResponderExcluirParbéns á familia de Magalhães da Costa
Desembargador Magalhães da Costa é patrono de uma das cadeiras da Allche(academia longaense de letras, cultura, história e ecologia), foi membro efetivo da Alval, Alresc e APL.