segunda-feira, 18 de junho de 2012

OS ÍNDIOS


Antonio Miranda com o índio ALVARO TUKANO (diretor do Museu do Indio de Brasilia) em cerimônia no auditório da Biblioteca Nacional de Brasilia, 6 dez. 2010


Antônio Miranda

I


Também vieram de longe
e plantaram raízes
imemoriais
no jardim de sua eleição
desde a diáspora primeva
da Criação.  
 
Não sabemos se temos
a mesma origem
ou se nascemos já divididos
disputando o mesmo espaço.  
 
Descimentos e preamentos
bandeirantes
dizimaram e escravizaram
índios sem religião
como animais
errantes.  
 
 
II
 
Os sobreviventes estão
confinados em reservas
como num zoológico humano.  
 
Duas culturas não podem
ocupar o mesmo lugar:
ou o índio é integrado
à sociedade
e perde a identidade tribal
ou refugia-se na comunidade.
  
Garimpeiros, pecuaristas
seringueiros e extrativistas
(caraíbas)
avançam com motosserras.  
 
O índio não é ambicioso
nem ocioso.  
 
A terra é a existência do índio
-terra de todos, comunitária
terra que é partícula
em movimento e assimilação.  
 
Terra e índio: um vive da outra.
Mãe e filho, indivisíveis.  
 
Terra sagrada
de húmus vivo e fértil
de seus antepassados
com que o índio abona
o inhame, o cará e a taioba.  
 
Em que cultiva, caça e pesca
e colhe, apenas quando
e quanto necessita.
 
 
III
 
Para o índio não há amanhã
em qualquer sentido pois
o tempo não existe
em sua percepção:
o movimento do corpo
num ímpeto contínuo
(da vontade em ação)
é que move a rede
(e não os pés e a mão)
como move a vida.  
 
Dias alternam-se sem
alterações e altercações
-de pesca, de fruta acesa
que logo vai compartilhar
no complemento do beiju
do pirarucu e do tucunaré.  
 
O fogo está sempre aceso
na aldeia e almas intermitentes
de dormir e despertar
de morrer e renascer:
um tempo dentro de outro
tempo infinito e cego.  
 
Fogo feito para irmanar-se
depois de buscar a lenha
que não armazena jamais
para não quebrar a rotina.  
 
Um grande poder de concentração
-e de dedicação extrema-
com todo o tempo do mundo
mas sem a noção de tempo.

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