quarta-feira, 5 de setembro de 2012

EVANDRO CUNHA, UM INTELECTUAL DA PALAVRA



5 de agosto   Diário Incontínuo

EVANDRO CUNHA, UM INTELECTUAL DA PALAVRA

Elmar Carvalho

No blog As ideias no Tempo, colhi a informação de que Evandro da Cunha e Silva havia falecido, através de emocionante crônica, quase uma elegia em prosa, da lavra de seu irmão Francisco da Cunha e Silva Filho. Pertenciam eles a uma estirpe amarantina de intelectuais e artistas. O pai deles, o velho Cunha e Silva, falecido há alguns anos, foi professor, fundador de colégio, escritor, jornalista atuante e respeitado, e membro da Academia Piauiense de Letras.

Um de seus irmãos, é um grande escultor, que produz obras de admirável fidelidade ao modelo. A Sônia Setúbal, também irmã, trabalhou na Secretaria de Cultura e na Fundação Cultural do Piauí por muitos anos. E o Cunha e Silva Filho é, como todos sabemos, um intelectual de muito valor, proficiente professor universitário, mestre e doutor em literatura brasileira, crítico literário de escol, cronista arguto, atento, antenado, articulista de invulgar capacidade argumentativa, em tudo imprimindo o seu estilo castiço e esmerado, mormente quando na condição de cronista e ensaísta.

Conheci o Evandro em Parnaíba, mais precisamente no bar Acadêmico, que ficava na Praça da Graça, perto da agência do Banco do Nordeste, no final da década de 70. Estava ele em companhia do Canindé Correia, que se encarregou de nossa apresentação, ao pé do balcão, a degustar um espumante e gelado copo de dourada cerveja. Se não estou enganado, conduzia ele o romance Conversa na Catedral, de Mario Vargas Llosa.

Embora minha demora tenha sido rápida, logo vi tratar-se de um brilhante conversador, desses que podemos qualificar de causeur. Tinha um bom timbre de voz, de entonação ritmada. Era fiscal do trabalho, e fora lotado na sub-delegacia do Trabalho de Parnaíba, na gestão do delegado Pedro Lemos. Nessa época, era sub-delegado em parnaíba o fiscal Marcondes Cavalcante, que também era amigo do Canindé. Do Marcondes, quando eu estava prestes a assumir o cargo de fiscal da extinta Sunab, ouvi este conselho:
– Tenha cuidado com aquele que possa ser seu concorrente...

Uma advertência desse tipo deveria me ter causado muita tristeza, pela perspectiva do que eu poderia esperar no novo emprego. Mas, na minha juventude, cheia de sonhos e esperanças de então, causou-me apenas uma minúscula preocupação, que logo esqueci. Todavia, não era uma recomendação despicienda, fora de propósito. A inveja e a ganância por cargos e gratificações sempre existiram, hoje talvez mais do que então. O Marcondes sabia do que estava falando, na sua velha experiência de funcionário público federal.

Na época, o Evandro morava perto da casa do Francisco Rodrigues, o Diá, meu cunhado, onde morava minha mulher Fátima, que lhe conhecia os filhos, ainda bem pequenos, e a sua mulher Aparecida. Pouco depois, ele conseguiu sua remoção para Teresina, onde sua esposa formou-se em Direito, e foi aprovada em concurso público para o mesmo Ministério do Trabalho, Delegacia do Piauí. Os filhos se formaram em Direito e em Medicina, exercendo o bacharel Glécio as altas funções de Promotor de Justiça.

Não nos visitávamos, cada um com as suas preocupações e afazeres, mas de vez em quando nos cruzávamos em algum ponto de Teresina, fosse uma esquina ou uma praça, geralmente a João Luís Ferreira, perto da banca do Tomaz. Entabulávamos uma rápida conversa, geralmente sobre livros e literatura, mas algumas vezes sobre política. Ele era, sem dúvida, ideologicamente um progressista, como se dizia no jargão da época, o que era coerente com a sua visão de intelectual e de leitor compulsivo, admirador da boa vanguarda, das obras que traziam algo de novo, embora também admirasse a boa tradição literária, afeito que era aos clássicos.

Como bem reconhece seu irmão Cunha e Silva Filho, o Evandro era um crítico rigoroso, por vezes mordaz, que não fazia concessões aos medíocres, sobretudo aos sem assunto, aos sem talento e sem estilo. Em suma, repudiava os escrevinhadores, mormente os que não apuravam a linguagem, e apenas queriam derramar na escrita o que julgavam ter a dizer. Devido ao seu rigor e apurado gosto literário, poucos eram os escritores e poetas que lhe caíam na graça e na leitura.

Era um erudito, sem dúvida. Mas creio que dedicou o melhor de seu tempo e de seu esforço à criação dos filhos e às suas leituras e meditações. Poderia ter sido um excelente professor de literatura ou de outra disciplina da área de humanidades, porém preferiu cultivar o saudável hábito da leitura. Seria um grande cronista e articulista, por sua cultura, senso crítico e poder de argumentação, mas pouco se dedicou a escrever.

Não foi um egoísta, pois socializava a sua cultura e o seu saber através das conversas, em que foi um mestre. Entretanto, poderia ter publicado livros de crônicas e ensaios. Por isso mesmo é que eu digo: poderia ter pontificado nas tribunas da cátedra e do jornalismo, pois tinha muito o que dizer, e sabia bem dizer. E também maldizer, através de afiadas ironias, com que destruía vaidades e mediocridades empavonadas.

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