segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Somos servos inúteis



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com


Final de tarde, igreja de Fátima, liturgia eucarística. Devoto-me a missa em meio de semana, pela simplicidade do culto e do envolvimento do celebrante com os fiéis. Há sacerdotes que conhecem o rebanho, descem do altar, interagem com os fiéis. Não é sermão, homilia dos clássicos doutores. É pregação familiar enxertada com exemplos do cotidiano. Naquela terça, dezenas de pessoas, especialmente do judiciário e repartições públicas, chefes e gente importante. O evangelho batia forte na presunção de quem se arvora por prestar serviço público, se acha insubstituível, poderoso. O direito ao culto pessoal, que outros se dobrem e o reconheçam como tal.
Os apóstolos pediam ao Senhor que lhes aumentasse a fé. Jesus contou-lhes a parábola do servidor. "Qual de vós, tendo um servo ocupado na lavoura ou guardando gado, lhe dirá, quando ele vier do campo: "Senta-te à minha mesa e come"? Ao contrário, tu ordenas: "Prepara-me a ceia, cinge-te, e serve-me enquanto eu como e bebo; depois comerás tu e beberás." E, quando o servo tenha feito tudo o que lhe fora ordenado, porventura lhe fica o senhor sujeito a servi-lo? Creio que não. Pois assim também vós, depois de terdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei: Somos uns servos inúteis; fizemos apenas o que devíamos fazer". (Lucas, 17:5-10).
A tarefa de servir é mais importante do que a pose de comandar e exigir privilégios. Pegue este recado e o anexe no quadro de avisos do serviço público, na sala dos gestores, nas câmaras setoriais, na testa dos que se arvoram donos do terreiro, do dinheiro e do poder. Gente por aí, porque galgou um cargo, vira leão de majestosa juba, rei dos animais. E da cocada.
Nos últimos dias, têm-se esbanjado elogios e flores ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, pela lisura, coragem e dignidade em condenar um bando de malandros engravatados, usurpadores de milhões de reais dos contribuintes, em farras eleitoreiras e partidárias. Pela internet, admiradores já o lançaram candidato a presidente da república, tão carente anda a nação de estadistas de vergonha. O ministro, reservado e sério, não se encanta com o delírio da torcida. Apenas se acha zeloso do ofício a que lhe outorgaram. Correto: ele é pago, portanto sua obrigação é o dever. Obrigação de servo, o dever de consciência. Se aos homens sérios exige-se a humildade de servir, imagine aos malandros engravatados e corruptos. Têm de ser banidos e punidos.
"Quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis: fizemos somente o que devíamos fazer." Não que sejamos paus mandados, servos e escravos, mas escolhidos para servir. Vai mal o servir nos hospitais, nos guichês de atendimento, nas filas de espera, nas esfarrapadas desculpas e preguiça, cara de cimento armado. Principalmente com os mais humildes.
Servos inúteis, quando sobrepomos a humildade cristã à prepotência do "sabe com quem está falando?". Quando pegamos a toalha e lavamos os pés do próximo - eis a metáfora do servir. Extraímos parte de nós em prol do próximo. Servos inúteis, pois todo poderoso é o Senhor da vida. Somente a Ele o direito à majestade. Mesmo assim, desdobra-se de amor por nós. Mesmo na prosperidade e no pode, a humildade nos incita repetir, como Maria: "Eis a escrava do Senhor!"
A pose faraônica passa. As pirâmides da soberba, um dia se calarão para sempre, dormitam no deserto do esquecimento. Nem missa levantará esses mortos. Mesmo com a mais bonita pregação.

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