Fonseca
Neto
“Quando
eu voltei lá no sertão
Eu
quis mangar de Januário
Com
meu fole prateado
Só
de baixo, cento e vinte, botão preto bem juntinho
Como
nêgo empareado
Mas
antes de fazer bonito de passagem por Granito
Foram
logo me dizendo:
"De
Itaboca à Rancharia, de Salgueiro à Bodocó, Januário é o maior!"
E
foi aí que me falou meio zangado o véi Jacó:
Luiz
respeita Januário
Luiz
respeita Januário
Luiz,
tu pode ser famoso, mas teu pai é mais tinhoso
E
com ele ninguém vai, Luiz
Respeita
os oito baixo do teu pai!
Respeita
os oito baixo do teu pai!”
Essa
versejação musicada é de uma beleza sem par. Agora aos cem anos a
nação deve cantar: “Brasil respeita Gonzagã-ão / Brasil
respeita Gonzagão / Brasil, tu pode ser famoso, mas teu povo é mais
tinhoso / E com ele ninguém vai, Brasil / Respeita os mil gosto do
teu povo! Respeita os mil gosto do teu povo!”
Comovente
o ano de celebrações do centenário de Luiz Gonzaga do Nascimento.
Nunca se tinha visto coisa igual no Brasil. Homenagens justíssimas.
No país de tantos reis, o “rei do baião”, coroado pelo povo dos
sertões. Súditos? Milhões de dançantes e brincantes, de baião,
xote e xaxado. De marchinhas de folguedos, de arrastado e chegança.
Este
2012 gonzagueano deixa ainda mais atiçada na alma da população
brasileira a poesia dos rincões de dentro, da zona do Agreste onde
nasceu o artista, no Exu. Cidade que, definitivamente, é a capital
do baião, lugar do interior que viu a sucessão na dinastia
sanfoneira, de Januário a Gonzaga.
O
conjunto da obra desse artista do povo é a expressão genuína de um
inventário da miunça da poética popular do sertanejo. Miunçaia
das cantigas da gente da região inventando a vida enquanto tange ao
chiqueiro o bicho cabrum, pisa o chão rachado nas securas sem fim,
esperam relampejar no norte, e ver voar a arribaçã.
Pernambuco
é musical, do Recife ao Araripe; tem cantador a mancheia, violeiro e
rabequeiro. A pernambucanidade dilatada espalha baião às lonjuras:
do Caruaru ao Seridó, de Salgueiro a Pirapora, do Cariri ao
Inhamuns, de Araripina ao Maranhão, de Cabrobró ao Piauí. Nessa
grande região, de agreste, caatinga e chapada, também há muito de
vasos, de cerrados e vales verdes; é o país de São Saruê e são
daí o motejador de Assaré, patativa do “siará”. E todos os
caminhos dela levam a feiras de usanças, de cordel e viloleiro, onde
cantador em mote, cria versos e cidades; tem cangaceiro e bacamarte,
catolé e umbuzeiro, tem juá e juazeiro, e quem manda nim tudo é o
padim.
Luiz
Gonzaga nasceu no dia da santa das chuvações; depois dela é São
Tião, e depois do vinte de janeiro, São José de Baberibe. Lá nas
bandas do Exu, também se reza a Birino, São Severino dos Ramos,
pois a vida ali é, também, severina e cangaceira.
O
letreiro gonzagueano e os sons de sua januária sanfona são o
límpido detonar musical das artes desses lugares da geografia humana
dos brasis. São o canto da terra, sussurros em flor e ferro, dor e
esperança, lamento e devoção. É um silabário arredondado para
sextilhar a estrofe e para arrematar a rima. No falar do sertanejo,
pegando carona em rompante, há velhas sílabas enxeridas, do
vasconço vindas a cá, pelejando pra viver. Pois na letra dos amigos
e na voz do Gonzagão, tornaram-se a voz do Brasil.
Neste
Centenário, Pindorama inteira o cantou. Claro, aquela São Paulo
esnobe, quatrocenta e ignorante, que acha que é o Brasil, uma vez
mais fez que não viu: o folhão de sua zelite, malvada no
preconceito, na deslustrada do 13, cantou glórias à banda inglesa
dos Stones cinquentões e espicaçou Pernambuco, dos dois Luís do
lugar, o Inácio de Caetés e o Gonzagão do Exu.
Orgulho
de Teresina ter esse moço como seu cidadão. Esta cidade ouviu o
toque desse corneteiro nas alvoradas antigas. Ela o canta popular e
agora o toca sinfônico.
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