Fonseca Neto
O
chão do planalto Vermelha abriu-se neste sábado, 1º, para receber
o corpo do Luís, que logo mais germinará e florirá nesse jardim
paroquial particular de Teresina. Ali nasceu. E agora cumpre o
destempo da Verdade inafastável. Seu ser essencial tratam-no, os
Anjos, inclusive os de sua mãe, Maria, nas conduções harmoniosas
rumo ao Paraíso.
Pois
é, partiu o padre Luís Soares de Melo. Imagine-se o pároco da
secular matriz Das Dores – privilegiada com a cátedra do bispo –
e uma multidão fidelizada, nos últimos 44 anos. Trata-se da segunda
paróquia de Teresina, inaugurada com o verbo fulgurante do padre
Raimundo Alves da Fonseca, ainda no Oitocentos. E, bom sinal de todo
tempo, Luís a conservou, com a fala humanamente pastoral. Um
radical? Sim, um radical da simplicidade não arrogante.
Quando
cheguei aqui fui morar na jurisdição de sua paróquia; em pouco
tempo o conheci. Naquela região do Barrocão, eixo-duto e
transversal dessa paróquia central, era ele muito acatado – mais
para cima, a juventude e a UMC, que tanto animou; mais para baixo,
anos depois, a casa vicentina. E por ali, diariamente, o padre Luís,
já vigário-geral arquidiocesano – aliás, já cruzando com um
garoto chamado Amadeu F°, nosso vizinho naquela avenida que é rua e
que se chama até hoje de “José” e “dos Santos” (rsrsrs).
Encontrei
padre Luís, mais tarde, na Ufpi: meu professor de Introdução à
Metodologia Científica –oriundo do quadro magisterial da Faculdade
Católica de Filosofia, integrara o corpo docente inaugural da
primeira universidade do Piauí. Muito diligente no exercício da
mestria professoral, o fazia com elevado esmero e sem nenhum rebuço.
Iniciava-nos o método científico de elaboração do Conhecer,
enquanto clamava atenção para o grande valor de um instrumental
nessa fazença: a língua, a linguagem, a fala, o vocábulo –o
aprender ler e bem escrever. Lembro, a propósito, de uma sessão de
correção de exercícios. Um colega escreveu “almento” querendo
dizer “aumento”. E ele se passou ao quadro-giz e aquele dia foi
uma ótima aula sobre o radical arabesco “al” e o latino “au”.
O latim, então, era campo de domínio em seu labor, fundamento de
seu pensar formal –claro, além do latim das liturgias, ele travara
contato com as fontes do pensamento ocidental a partir desse cânone
da forja helenística.
Agora
seu sucessor no sólio paroquial, o monsenhor Amadeu Matias
Bernardes, F.°(lembram-se do citado garoto do Barrocão, que veio
das bandas pimenteiranas?) fez a celebração exequial do meio dia,
cheia de ardor,ante o corpo de Luís jazendo sob o arco-cruzeiro da
catedral. Na homilia de despedia, com serenidade eloquente que eu
jamais vira desse modo, realçou o sentido das virtudes sacerdotais
dele, do homem “bíblico, teológico” e de sua condição de
vivente que entregou a vida em solo de humanidade, para servirà
igreja da qual se fez ministro ordenado, primeiro fiel entre os
fiéis.
Ainda
que não tendo dado maior expansão a eles, padre Luís deixa bons
textos. Por insistência de muita gente amiga, na antevéspera do
“cair doente” seu corpo físico, brindou-nos com um livro, cuja
leitura permite-nos apreendê-lo, inteiro,em seu existir essencial: o
homem simples que se fez padre e rente ao povo quis viver o tempo
inteiro, em que pese a convivência próxima com todos os príncipes
arquiepiscopais de Teresina, de Avelar a Jacinto.
Nesse
livro – “Reminiscências de Theresina” – fixou a presença de
homens e mulheres do povo vermelhano de sua convivência no bairro
natal, sobretudo na meninice e adolescência. Retira do limbo de
certo obscurecimento, entre outras,as pessoas históricas de “dona
Generosa”, “Joana”, “Rosinha” (a primeira professora), do
“Cascavel”, “Benedito Caçador”, “Joca das Areias”,
“Joaquim Tomba”, o “Amadeu” (“poeta itinerante” dos
velórios), “Tia Luísa” (“crente convicta”), do
“Pintassilgo”. Relembra a dor dos pobres na tragédia dos
“incêndios” da era de Quarenta. Publica a “Salmodia
piauiense”.
E
antenado, lastima: “poderia haver corpo mais estranho no organismo
da globalização do que um analfabeto... na era da comunicação”?Eis
uma tarefa do catecismo ainda hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário