segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O Corso



Fonseca Neto


Dizem alguns vocabulários, seculares, latinos e portugueses (o do padre R. Bluteau, por exemplo)que corso é como “assi chamaõ os Italianos o lugar, em que pessoas de calidade andaõ passeando nos seus coches” (1712). Diz outro que “é onde se corre por divertimento em coches, ou se dá espectaculo de páreo ou de carreira de cavallos” (M. Silva, 1789).

Por essas indicações se nota que as chamadas festas de corso são conhecidas na Europa setecentista e daí se projetarem para este hemisfério tropical foi apenas um passo. Um passo que dão junto com as festas carnavalescas de milenares tradições por lá e que a força da cultura colonizadora igualmente transpôs e aqui germinou em grande viço.

O Brasil, e Teresina, em particular, conhecem os corsos carnavalescos há mais de século. O Rio de Janeiro cortesão, além de outras velhas cidades coloniais – Salvador, Olinda e São Luís – elaboram a síntese dos modos de brincar o Carnaval entre nós, entre eles o corso, assim brincado por setores da camada social dos privilegiados possuidores de coches, sucedidos depois nessas desfilanças pelos automóveis. Isto mesmo: o aparecimento do automóvel alavanca o corso carnavalesco brasileiro, conferindo-lhe uma possibilidade ainda maior de expandir-se. A elite, fantasiada e fantasiando, desfilando em carros suas alegorias diante do povaréu, pedestre e descalço.

Assim em Teresina. Fantasiar carro em corso vem de velhos carnavais. Nos anos 1960 eram os Jeep’s descapotados e os picapes, além de caminhões, o “das raparigas” um deles de maior sucesso, compreensivelmente pela mítica que se fazia real para todos de vê-las, ao vivo e nas cores reais, à luz do dia. A organização do carnaval local ancorado em escolas de samba (de novos e mirando no exemplo da capital federal e sendo outra forma de a massa popular continuar sendo mera espectadora) insignificou o desfile de corso, uma vez que o carnaval de rua, movido a blocos e cordões, e outras folganças sincretizadas, igualmente decairia, sem nunca desaparecer, de todo. A elite e muito mais gente foi brincar em bailes fechados.

Vale anotar, porque muito curioso, que a retomada do desfile de corso em Teresina se dá, justamente, pela recriação do “Carro das Raparigas”, uma figuração bem-humorada e colocada nas ruas por ação da querida professora Cecília Mendes, quando presidiu a Fundação Monsenhor Chaves, o núcleo articulador da política pública municipal na área da produção cultural.

Hoje uma festa que mobiliza dezenas de milhares de pessoas – e já entrou desde 2012 no G. Book como o maior corso do mundo – os seus sentidos de origem ganham enorme realce: este ano, somente os inscritos, foram 898, a maioria caminhões de carroceria, cada um deles carregando, em média, cerca de vinte foliões, alegorizados, carros e brincantes, com uma variedade quase indescritível de motivos e temas.

O corso 2013 levou à rua o mais expressivo ajuntamento/movimento de pessoas em Teresina, depois daquela concentração de cerca de 250 mil pessoas reunidas para ver o papa João Paulo II, quando por aqui andou no ano de 1980.Impressionante a força da população em plena rua, fantasiada, brincando o Carnaval a seu modo, de mamandos a caducandos, bebericando e – enquanto desfila o corso, propriamente dito – conservando um sentido de confraternização exemplar.

É de se distinguir nesse grande evento o papel mobilizador de redes de tevês locais, que foram para o olho do furacão corsesco com seus estúdios e maravilhas tecnológicas, para interagir no calor da brincadeira e aspergir sobre (e contagiar) os de casa e do mundo com imagens sensacionais de pessoas e personagens protagonizando em nosso mundo as saturnálias, ou que sejam as bacantes e dionisíacas festanças, que eletrizam a química do corpo e deixa a alma agradecida.


Taí o Carnaval, de volta, cheio de muita graça, sem burocracia, e, sobretudo, sem a Prefeitura ter de pagar para fazer o carro alegórico de ninguém e financiar a brincadeira de poucos. Todavia, lazarando, isto é, tentando fazer direito o que tem de fazer: a organização serena da livre expressão popularesca em seu palco,a rua, quando explode em fantasia e prazer.

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