terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Teresina, outros saberes e usos



Fonseca Neto

As cidades têm chão: o espaço que nos limita, as coordenadas de sua geografia, céus e clima, o sabor de seu alimento, a sombra que nos agasalha, deuses de nossos lares, culto de comuns antepassados. Mas as cidades têm tempo, e por isso têm alma, como as pessoas” (Sebastião Moreira Duarte).
Em tais “espaço” e “coordenadas” elas se fazem corpo físico, artistica e utilitariamente elaborados, assim historiculturalmente ofertados ao “tempo”.
Teresina é uma cidade oitocentista e do século de sua criação permanece, imutável, o riscado de suas ruas e praças mesopotâmicas centrais,o que se poderia conceituar de “centro histórico”. Uma exceção que diz muito: do plano fundador, da área proposta para uma grande praça, campo ou parque, de 400x400 metros, conservou-se apenas o correspondente a um quarteirão, de 80x80, a hoje praça João Luís. Especulação imobiliária de nascença?
Da prediaria edificada, em sua forma original, e com idade sesquicentenária, tem-se a capela do cemitério São José e alguns mausoléus que a entornam e pertencem a antigas famílias brancas abonadas,o sobradão que serviu de palácio do governodo Piauí, agora o Museu, além de um obelisco a Saraiva. Das décadas finais do Oitocentos, há a igreja de São Benedito, e o Teatro 4 de Setembro. De pé, ainda, muitos edifícios públicos e particularesabaldramados nesse tempo e que forammodificados, ou simplesmente mascarados à usança diversa, com outra arte ou não-arte, filha de danada sabença.E, mais relevante, negativamente: o velho Centro deixou de ser o lugar preferencial de moradia da maioria da população, em que pese ainda sediar a Administração pública municipal e estadual – com equipamentos dos serviços respectivos, tipo escolas, hospitais e afins, comunicações, etc. – e também muito da atividade comercial, assim de pequena e micro-indústria e artesanato. Deve-se ressaltar que, em se tratando de escolas e serviços de saúde, já preponderam nessa área os estabelecimentos de iniciativa privada, com forte impacto nas aludidas alterações da vida da capital. Ande-se pelas praças e nos quarteirões do entorno das três igrejas primeiras da capital e ateste-se um semideserto de gente e de vida.Em determinado sentido, apenas ruínas prostituídas da cidade que passou a habitar a memória de seus filhos nascidos e criados ontem, anteontem. Aliás, a penumbra sensual dos seus cabarés, também se diluiu em novas zonas fronteiriças, ainda pecadoras, sempre edênicas.
Obra do século XX, há a cidade fisicamente expandida (qual um leque) para muito além do projeto do mestre João Isidoro e de outros idealizadores de sua criação. Em dezesseis décadas, porém, essa expansão (desejável e necessária sob vários aspectos) processou-se de modo tal que o sítio edificado das primeiras cinco décadas (1852-1902) restou quase irreconhecívelaos olhos dos moradores de hoje.Ainda que de maneira difusa, disso decorre a percepção de certo descuido quanto à “cidade velha que se vai demolindo” para ceder lugar a lucrativos estacionamentos, por exemplo.
Que fazer? Que fazer se as cidades são mesmo corpos vivos e mutantes? Se sua perenidade implica ter reelaborado seu destino por artes de seus hodiernos planejadores e poetas? Destino? Aqui, em Milton Santos, docemente sociologal e em férrea poética, uma direta ao planejador, no batente: “Destinos que precisam ser bem interpretados e compreendidos, para evitar que as nossas metrópoles, convertidas em ruínas e cemitérios, passem a ser meros aglomeradosde ‘frios cubos entregues a bestas menos destruidoras que o homem’”.
Aqui convém atentar para a maximização de Duarte de que têm alma as cidades: Teresina tem alma acrisolada nas carcaças da prediaria que vai virando “o pó dos pósteros”; força que anima no presente a memória dos antepassantes; alma que resiste ser hospedeira dos tais “frios cubos...”.
Teresina: centro antigo esvaziado de habitantes e com o investimento de séculos de labor e drama; cidade de periferias repletas de gente e desinvestidas da ludicidade do existir urbano. Tarefa: solar e cálida, costure-se as nesgas sobre esse abismo de diferenças.

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