terça-feira, 9 de abril de 2013

Passos de Oeiras. Com chuva



Fonseca Neto

Oeiras e todas as tranqueiras canindenses subiram a “doce colina” do Rosário, de tarde, apanharam o Bom Jesus, em imagem, depois, de Passo em Passo, levaram-no para o lugar da Vitória.
Na linha do horizonte, das bandas do nascente, o azul tinindo de escuro ia ficando cheio de nuvens nevoeiras, cor de chumbo; dava-se por vista que um toró banhava as cidadelas de São João (da Varjota), de Santa Cruz (do Piauí), de Santo Antonio (de Lisboa).  
Nas tradições dessa gleba fideísta, puxando fios de sentido de tempo recôndito do memorial da Paixão, o Bom Jesus desce (secular trajeto por Dagoberto narrado) enquanto os oratórios-capelas vão se abrindo e explodindo em Flor de Passo, diante de sua imagem, do povo e do bispo.
Segue a procissão: roxas as flâmulas que a cortejam, em postes, portais, janelas atoalhadas; as mantas estolares dos sacerdotes, assim o pálio; de roxo, pagadores de promessa, cruzes de madeira atadas às costas, uns, pedras sobre a cabeça, outros; roxas as opas dos servos das diversas funções processionais; de roxo viajou o governador pelo vale de São Miguel (do Fidalgo), desceu do “pavão misterioso” que o trouxe pelo ar, subiu a colina, seguiu os passos do Bom Jesus. E nos apertos do beco do Passo de Lindoca e da casa de O. G., de túnica roxa e cordão torsal à la Francisco, aquela devota de cabaça à cabeça, anteparada por tosca rodilha. Cabaça daquelas de gogó.
Ante a imponência do Paço Municipal, expressão colonial típica, e engolido o sol na poência antecipada, param os caminhantes para ver o Encontro do coroado de espinhos com a mater dolorosíssima; chuvisca... e chove, mansamente, mas um relampejar valente faísca nas bandas do sul; troveja. É trovoa? De pé estão e de pé a contemplar ficam os caminheiros; na janela do meio da outrora Casa de Câmara e Cadeia, aparece o sermonista do preceito, deita falação aos 25 mil: até revestiram Bom Jesus, e sua mãe, mas seu povo, encharcado, não arredou pé – gesto triunfante. O arcebispo Jacinto Brito, da nova capital vindo, semeou o verbo dos evangelhos e convidou a todos à vitória contra as manifestações de violência que atormentam o viver nestes tempos. Agradou; também chamou a “Maria Beú” de “Maria Béu” - mas ora mais (!) tinha que ter uma graça hilária na circunspecção e para o tricotar da dispersão.
Já é noite. Já lufadas gélidas do sertão tocam os rostos, o tempo já limpou e até apareceu a lua, cochilando preguiçosa. Após o rufo de seguir, seguem todos para o Passo da Amargura, de novo o Miserere, água benta, Flor de Passo e alecrim, as voltas do Engano. Seguem rua acima, à esquerda: na casa dos filhos de dona Alina Rosa, sobre a mureta adrede preparada para a passagem, há toalhetas, candelabros, velas; assim em outras, jarros florais, sinais da sacralidade; famílias ofertando água de beber. Na próxima esquina anuncia-se os “prazeres da carne”, na sexta dos jejuares, dos quibebes, das saudades. E quantas famílias inteiras reunidas para tudo isso ver, obrar e seguir; rostos idosos em janelas. Minha querida Rita Campos, à calçada do cônego, sentada, guardada da chuva, em emocional e indescritível constrição.
Do Rosário à Vitória a procissão passou, estacionou, seguiu. Uma força votiva significante que a tudo parece mover. De mamandos a caducandos uma fração da água benta a ungir e da Flor de Passo a empalmar –para quê? Dizem ali que a Flor colhida em Passo tem força salvífica, queimasse-a para deter a tempestade extrema e refrear as pestes.
E ouvi também por lá, que chuva sobre a procissão é sinal que admoesta sobre castigos insondados. Mas o que se viu? O povo celebrando a vida-chuva que a estiagem, ultimamente, negou a muitos viventes: humanos, bichos outros, plantas.
Admira-se Dagoberto como chega essa procissão ao fim “sem Ferrer”. Mas também recorda que a “festa” continua, “nos Passos, nas flores e nas lembranças...”. E neste ano, fitando-as, lembrei-me que são lilásias as Flores de Passo abertas em todos os tons para honrar o Mestre.

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