sexta-feira, 12 de julho de 2013

PRESENÇA DE LOTITA


José Maria Vasconcelos

Pela Sky, revi cenas da minissérie da TV Globo, "Presença de Anita", exibida em 200I. Sensualidade e ternura adolescentes na pele da linda Mel Lisboa. Logo associei Anita a Lotita, minha aluna do Colégio Diocesano, na década de 1970. 15 anos, exuberante, talento para as artes. Clarice, a Lotita dos amigos.

Lotita, depois que me leu a crônica, "VEM...QUEM SABE FAZ HORA", inspirada em Geraldo Vandré e Chico Buarque, enviou-me email, contando sua história, inclusive a visita que lhe fizera o genial cantor. Ela reside no Rio de Janeiro, instrutora e dançarina de balé clássico, entre outras atividades artísticas e profissionais. A piauiense relata episódios compostos de absurdos e desafios, durante os estudos e início da profissão em São Paulo, depois Rio. Permitiu-me produzir e publicar a crônica.

Lotita residia na Clodoaldo Freitas, antiga Rua da Palmeirinha. Criança, sobreviveu a crise de meningite. O médico previu-lhe sequelas e morte antes dos 15 anos. Deus esticou-lhe a vida, porém com espírito guerreiro. Sua mãe, Rita, carnavalesca saltitante, porta-estandarte, desfilava nas avenidas de Teresina, impecavelmente ornada de brilho e adereços coloridos.

Não é fácil partir, singrar mares bravios, varar noites nos livros, profissionalizar-se, abrir espaços na cidade grande. A jovem Lotita sentiu na pele o provérbio latino: "Ad astra per aspera", às estrelas por caminhos ásperos. Hábil no balé clássico, na dança chinesa, egípcia, grega, judaica, sapateado, o que lhe comprometeu tendões das pernas e afastamento dos palcos. Optou por ministrar cursos afins. Sobre o assassinato de seu jovem irmão, delegado Arias Filho, há 22 anos...: "Mamãe caiu desmaiada, foi uma barra, ela literalmente enlouqueceu e assim ficou por três anos. Atualmente, está com doença degenerativa, uma pena... meus filhos pequenos jamais esqueceram o transe por que mamãe passou." O mandante da barbaridade até hoje dribla a Justiça, sem julgamento.

E continua: "Fiquei sete anos trabalhando em Sampa e morando no Rio. O trabalho lá era compensador, embora o estresse e a violência no trânsito se tornavam assustadores. Fui assaltada diversas vezes e culminou com um fato absurdo: fui violentada por dois homens e foi terrível! Caí em depressão, que só foi contornada, anos depois, com o diagnóstico de bipolaridade..." Momento de rara satisfação: "Zé, tive um susto terrível, certa vez, em São Paulo. Estávamos ensaiando no Ballet Stagium. Vi um homem entrando. Procurava papel para digitalizar um texto. Era um roteiro de um balé lindíssimo: "A Dança das Cabeças", com música de Egberto Martins. O visitante era Geraldo Vandré."

Batalhas sempre existirão. Nada de pedir ao Altíssimo para se livrar delas, mas as armas para derrotá-las. Lotita voltou a criar, dançar, inaugurando outra vida, celebrando cada dia, cheia de frescor e mocidade interior; em vez dos urubus com faro para a podridão, ir atrás do néctar das flores, como colibris. Como se revivesse uma minissérie global, exuberante Anita na pele de Lotita.

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