terça-feira, 9 de julho de 2013

Um e-mail interessante


Dr. Elmar,

Primeiramente, ainda estou muito agradecido pela doação das obras para minha pessoa.

Mas, o mais importante é que no seu poema "Noturno de Oeiras", eu e meu filho de 9 anos - que é um assíduo leitor nesta terra de raros admiradores da palavra - nos transportamos para um tempo que não parou.

Ademais, segue um texto muito interessante encontrado nas minhas pesquisas sobre "A palavra", esta que pode ser mais mordaz do que uma espada, ou pode ser mais benéfica do que todos os remédios vendidos nas farmácias.

Parabéns pelo Blog, caso possa inserir o texto, ficarei agradecido.

Do companheiro das caminhadas eventuais na Avenida Raul Lopes,

Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)

Segue o texto:

A palavra

Freud costumava dizer que os escritores precederam os psicanalistas na descoberta do inconsciente. Tudo porque literatura e psicanálise têm um profundo elo em comum: a palavra. Já me perguntei algumas vezes como é que uma pessoa que tem dificuldade com a palavra consegue externar suas fantasias e carências durante uma terapia.

Consultas são um refinado exercício de comunicação. Se relacionamentos amorosos fracassam por falhas na comunicação, creio que a relação terapêutica também poderá naufragar diante da impossibilidade de o paciente se fazer entender.

Estou lendo um belo livro de uma autora que, além de poeta, é psicanalista, Sandra Niskier Flanzer. E o livro se chama justamente “a pa-lavra”, assim, em minúsculas e salientando o verbo contido no substantivo.

Lavrar: revolver e sulcar a terra, prepará-la para o cultivo. Se eu tenho um Deus, e tenho alguns, a palavra é certamente um deles. Um Deus feminino, porém não menos dominador. Ela, a palavra, foi determinante na minha trajetória não só profissional, mas existencial.

Só cheguei a algum lugar nessa vida por me expressar com clareza, algo que muitos consideram fácil, mas fácil é escrever com afetação. A clareza exige simplicidade, foco, precisão e generosidade. A pessoa que nos ouve e que nos lê não é obrigada a ter uma bola de cristal para descobrir o que queremos dizer.

Falar e escrever sem necessidade de tradução ou legenda: eis um dom que é preciso desenvolver todos os dias por aqueles que apreciam viver num mundo com menos obstáculo. A palavra, que ferramenta.

É uma pena que haja tamanha displicência em relação ao seu uso. Poucos se dão conta de que ela é a chave que abre as portas mais emperradas, que ela facilita negociações, encurta caminhos, cria laços,aproxima as pessoas.

Tanta gente nasce e morre sem dialogar com a vida. Contam coisas, falam por falar, mas não conversam, não usam a palavra como elemento de troca. Encantam-se pelo som da própria voz e, nessa onda narcísica, qualquer palavra lhes serve. Mas não. Não serve qualquer uma.

A palavra exata é um pequeno diamante. Embeleza tudo: o convívio, o poema, o amor. Quando a palavra não tem serventia alguma, o silêncio mantém- se no posto daquele que melhor fala por nós.

Em terapia – voltemos ao assunto inicial – temos que nos apresentar sem defesas, relatar impressões do passado, tornar públicas nossas aflições mais secretas, perder o pudor diante das nossas fraquezas, ser honestos de uma forma quase violenta, tudo em busca de uma “absolvição” que nos permita viver sem arrastar tantas correntes.

Como atingir o ponto nevrálgico das nossas dores sem o bisturi certeiro da palavra? É através dela que a gente se cura.

(MEDEIROS, Martha. A palavra. Revista O Globo. 18 set. 2011).

(*) Fabrício é advogado do Banco do Nordeste do Brasil S. A. Conheci-o por intermédio do amigo Jean Cibélio, também funcionário do BNB. Gosta de ler, tem assunto e sabe conversar com arte. Seu filho é um leitor compulsivo, apesar de ainda bem jovem.


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