sábado, 10 de agosto de 2013

Nostálgicas Gaiolas de Transporte


Edmar Oliveira

Hoje eu acordei nostálgico. Nas minhas rugas vi o tempo distante e me deixei levar para bem muito longe quando esperava com impaciência dos meninos uma viagem de Teresina a Palmeirais ou de itinerário contrário. Mas foram tantas as idas e vindas que as modernagens foram aparecendo e o que era novidade são rugas perdidas nas circunvoluções da memória.

Lembro do vapor do Rafael. Uma gaiola de dois andares que apitava para chegar e partir deixando uma fumaça preta nos céus do carvão queimado em suas caldeiras de ferro. Ele se achegava e encostava-se ao barranco improvisado de cais e a gente tinha que se equilibrar numa prancha para adentrar na embarcação. Depois as famílias armavam suas redes no convés e a monotonia da paisagem era quebrada por lavadeiras e pescadores que viviam de trabalhar no rio. Pelo meio do dia destampavam-se as latas de frito e era um cheiro de comida que vinha abafado dentro das latas saltando pra fora. Até hoje sinto o cheiro do frito de galinha ou de carne de sol, comida fria de vaqueiros, que guardava seu aroma e sabor em latas bem tapadas. A água fria da quartinha matava a sede da comida seca. O vapor deslizava lento dentro da noite para chegar no outro dia. Em Teresina o imenso cais de concreto nos facilitava o desembarque junto com os côfos, embalagem feita da palha do coqueiro, que traziam galinhas vivas em uns, farinha, feijão e milho da roça noutros. Com a modernagem a lentidão do vapor nas águas do rio, que demorava muito mais pra subir a corrente que pra descer, deu lugar as rodovias. Também a estiagem do Parnaíba e seus bancos de arreia dificultavam a navegação. As rodovias chegaram mais ligeiras.

Rodovias era um modo de dizer. Ou buracos da estrada carroçal de apenas cento e poucos quilômetros eram feitos por quase um dia todo. Mas os paus-de-arara eram mais rápidos que o vapor. Quando chegaram os “mistos”, aí a viagem ficou mais confortável. Tinha até lugar numerado dentro do banco inteiriço. A demora se acentuava com o embarque e desembarque de gêneros alimentícios que o transporte, misto de ônibus e caminhão, tinha que receber e entregar. Mais tarde vieram as jardineiras, meio fechada nas laterais, avó dos ônibus modernos. Aí a viagem já ficava um luxo de conforto!

Mas nunca vou esquecer uma viagem que fiz com a mudança da minha tia Vangir e a família para Teresina. Pequei uma carona no caminhão de mudança. Tia Vangir e seu marido Antônio tinham uma prole muito extensa. Às vezes eu achava que ela nem sabia contar os primos e primas. Viemos, os meninos, em cima da carroceria carregada da mudança. Móveis, bilheira, potes e outros utensílios de fácil quebra que nós tínhamos de salvar dos buracos. Os trapos eram poucos, mas tomavam quase todo o espaço. A farra era boa nas nossas peraltices. Mas quando chegou a noite a meninada foi se agasalhando como podia em cima do caminhão. Lembro que ainda tinha um galão de gasolina, cujo cheiro irritante desencadeou em mim uma crise de asma. Chegamos tarde da noite numa casa no bairro da Vermelha que não tinha luz elétrica. Minha tia tentava acomodar aquele bando de meninos nas redes, algumas com dois ou três. Dei sorte de ficar sozinho numa rede porque “piava” muito e tinha grande falta de ar que só melhorou quando o dia clareou. No café, tia Vangir deu por falta de um dos meninos que devia ter de ter ficado em Palmeirais ou naquela parada no Castelhano, onde eles tinham uma propriedade e nós paramos para almoçar. É claro que o primo apareceu logo depois por ali mesmo, só tinha saído para fazer uma incursão na cidade grande de madrugadinha, que era costume da roça.

Mas a jardineira, na qual andei muito, ficou embalando minha nostalgia numa foto que o Paulo José me mandou por e-mail. Se ela veio da nuvem da internet eu andei nela nas nuvens das minhas lembranças nas estradas esburacadas parando em Nazária, Caititu, Estados Unidos, Capumba, Castelhano e Riacho dos Negros, antes de chegar nos Palmeirais. A nostalgia vem das rugas que vejo num espelho, como num poema do Climério.

Fonte: Blog Piauinauta

Nenhum comentário:

Postar um comentário