Edmar
Oliveira
Hoje
eu acordei nostálgico. Nas minhas rugas vi o tempo distante e me
deixei levar para bem muito longe quando esperava com impaciência
dos meninos uma viagem de Teresina a Palmeirais ou de itinerário
contrário. Mas foram tantas as idas e vindas que as modernagens
foram aparecendo e o que era novidade são rugas perdidas nas
circunvoluções da memória.
Lembro
do vapor do Rafael. Uma gaiola de dois andares que apitava para
chegar e partir deixando uma fumaça preta nos céus do carvão
queimado em suas caldeiras de ferro. Ele se achegava e encostava-se
ao barranco improvisado de cais e a gente tinha que se equilibrar
numa prancha para adentrar na embarcação. Depois as famílias
armavam suas redes no convés e a monotonia da paisagem era quebrada
por lavadeiras e pescadores que viviam de trabalhar no rio. Pelo meio
do dia destampavam-se as latas de frito e era um cheiro de comida que
vinha abafado dentro das latas saltando pra fora. Até hoje sinto o
cheiro do frito de galinha ou de carne de sol, comida fria de
vaqueiros, que guardava seu aroma e sabor em latas bem tapadas. A
água fria da quartinha matava a sede da comida seca. O vapor
deslizava lento dentro da noite para chegar no outro dia. Em Teresina
o imenso cais de concreto nos facilitava o desembarque junto com os
côfos, embalagem feita da palha do coqueiro, que traziam galinhas
vivas em uns, farinha, feijão e milho da roça noutros. Com a
modernagem a lentidão do vapor nas águas do rio, que demorava muito
mais pra subir a corrente que pra descer, deu lugar as rodovias.
Também a estiagem do Parnaíba e seus bancos de arreia dificultavam
a navegação. As rodovias chegaram mais ligeiras.
Rodovias
era um modo de dizer. Ou buracos da estrada carroçal de apenas cento
e poucos quilômetros eram feitos por quase um dia todo. Mas os
paus-de-arara eram mais rápidos que o vapor. Quando chegaram os
“mistos”, aí a viagem ficou mais confortável. Tinha até lugar
numerado dentro do banco inteiriço. A demora se acentuava com o
embarque e desembarque de gêneros alimentícios que o transporte,
misto de ônibus e caminhão, tinha que receber e entregar. Mais
tarde vieram as jardineiras, meio fechada nas laterais, avó dos
ônibus modernos. Aí a viagem já ficava um luxo de conforto!
Mas
nunca vou esquecer uma viagem que fiz com a mudança da minha tia
Vangir e a família para Teresina. Pequei uma carona no caminhão de
mudança. Tia Vangir e seu marido Antônio tinham uma prole muito
extensa. Às vezes eu achava que ela nem sabia contar os primos e
primas. Viemos, os meninos, em cima da carroceria carregada da
mudança. Móveis, bilheira, potes e outros utensílios de fácil
quebra que nós tínhamos de salvar dos buracos. Os trapos eram
poucos, mas tomavam quase todo o espaço. A farra era boa nas nossas
peraltices. Mas quando chegou a noite a meninada foi se agasalhando
como podia em cima do caminhão. Lembro que ainda tinha um galão de
gasolina, cujo cheiro irritante desencadeou em mim uma crise de asma.
Chegamos tarde da noite numa casa no bairro da Vermelha que não
tinha luz elétrica. Minha tia tentava acomodar aquele bando de
meninos nas redes, algumas com dois ou três. Dei sorte de ficar
sozinho numa rede porque “piava” muito e tinha grande falta de ar
que só melhorou quando o dia clareou. No café, tia Vangir deu por
falta de um dos meninos que devia ter de ter ficado em Palmeirais ou
naquela parada no Castelhano, onde eles tinham uma propriedade e nós
paramos para almoçar. É claro que o primo apareceu logo depois por
ali mesmo, só tinha saído para fazer uma incursão na cidade grande
de madrugadinha, que era costume da roça.
Mas
a jardineira, na qual andei muito, ficou embalando minha nostalgia
numa foto que o Paulo José me mandou por e-mail. Se ela veio da
nuvem da internet eu andei nela nas nuvens das minhas lembranças nas
estradas esburacadas parando em Nazária, Caititu, Estados Unidos,
Capumba, Castelhano e Riacho dos Negros, antes de chegar nos
Palmeirais. A nostalgia vem das rugas que vejo num espelho, como num
poema do Climério.
Fonte:
Blog Piauinauta
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