segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Um giro pela Teresina de antanho


José Maria Vasconcelos

É como se acabasse de ler um romance dos anos 60 e 70, fechasse os olhos, voasse, à deriva dos sonhos. O tempo passa, mais um gole de café para afagar o álbum da memória. Estampas aparecem como folhas secas caindo ao léu.
Palhoça, 1969, primeira boate com luz negra, tosca, circular, paredes de buriti, lembrava uma cabana indígena. Ficava na Vermelha, na Avenida Barão de Gurgueia, próxima à Igreja Nossa Senhora de Lurdes. Roberto Carlos nas paradas. Agarradinhos, sarros inocentes. Modesta, mas chique. A Palhoça derreteu-se em chamas, e mereceu uma reflexão de D. Avelar Brandão Vilela, na Rádio Pioneira, “oração por um dia feliz”, enorme audiência. Sem televisão, apenas três rádios AM, radialistas, popularizados, elegiam-se com facilidade, a mandato parlamentar, como Fernando Mendes, Carlos Augusto de Oliveira, Rodrigues Filho, Deoclécio Dantas e Pedro Mendes Ribeiro, ou conquistavam posições na administração pública.
Copa do Mundo, 1970. Faltavam três anos para inauguração da primeira televisão do Piauí, a TV Clube. Torres da Embratel, espalhadas por todo o Brasil, recebiam, através da torre de Itaboraí, no Rio, os sinais do satélite. Sem televisão, Teresina recebeu as transmissões da Copa por Fortaleza, um privilégio que atraiu curiosos do interior do Piauí e Maranhão. Uma faixa, na ponte metálica do Parnaíba, tripudiava: “Benvindos ao México”, sede da Copa. Depois de cada vitória da seleção brasileira, o corso ocupava a Avenida Frei Serafim.
A capital só oferecia quatro cursos superiores: Direito, Odontologia, Filosofia e Letras. Ao concluir o ensino médio, jovens aquinhoados partiam para outras metrópoles, em busca de cobiçados cursos. Regressando a Teresina, nas férias, garotas seduziam-se por esses rapazes de “futuro promissor”. No final da tarde, em julho, o calçadão do Colégio Sagrado Coração de Jesus concentrava centenas de estudantes para o bate-papo e encontro com esses estrangeiros. Virgindade, uma preciosidade.
As garotas preservavam-se para depois da formatura, fiéis aos namorados distantes.
Aos sábados e domingos, à noite, Praça Pedro, lotada e dividida: local reservado a coroas, circulação de adolescentes; na parte superior da praça, o coreto, os amassos. Às 9 em ponto, o toque de recolhimento da corneta militar, todos pra casa. Rapazes dirigiam-se à prostituta Paissandu, atrás das aconchegantes boates, algumas de luxo, belas mulheres e adolescências expurgadas da família porque perderam a virgindade com o namorado. Cine Royal, chique, refrigerado. Cine Rex, ventiladores, plebe rude, veados malinando machos no escuro, filmes de terceira categoria. Theatro 4 de Setembro, menos teatro e conforto, cinema de faroeste americano, discriminado. Depois das 9, tertúlia no Clube dos Diários, até às 12 em ponto. Só abraçados, rostinhos colados, também esfregaços embaixo, beijos na boca no esconderijo das mechas dissimuladas, provocantes, tecidos íntimos umedecidos. Tudo isso, só isso. Depois disso, só no casamento.
Iate Clube, recanto de endinheirados e madurões, um filtro social e caro. Jóquei Clube, o melhor carnaval da cidade e dos eventos sociais trepidantes, menos seletivo, balneário lotado aos domingos. Ríver começava a eclodir, inaugurando tertúlias às sextas.
Teresina, de segunda a quinta, recolhia-se sem badalações, livre de assaltos e violência. Raros consumidores de drogas, livres e mansos, dedos em V, utópica mensagem de Paz e Amor, dolce far niente hípie.
Último gole de café, hora de sair para o trabalho, enfrentar minha Teresina de 161 anos, desvirginizada, maliciosa, turbulenta, ainda agradável para se viver e pedir mais cafezinho. 

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