terça-feira, 3 de setembro de 2013

Revista Eça-Dagobertiana


Fonseca Neto

Oeiras do Piauí é um núcleo que inaugura a vida letrada no Piauí. Sede da burocracia colonial primeira é lugar difusão da cultura vocabular nesta parte velha América portuguesa. Não é à-toa que essa cidade é avoenga e berço de muitos escritores.   
Há pouco mais de dois anos foi ali criado mais um sodalício de letras, a Confraria Eça-Dagobertiana, grêmio que promove a cultura literária do povo local, nas sendas abertas pela obra do literato português Joaquim Maria Eça de Queiroz e do escritor nativo Dagoberto Carvalho Júnior.
Neste sábado, 17, a cidade de Oeiras prestigiou o lançamento da Revista da Confraria Eça-Dagobertiana, número 2, numa noite festiva que encheu de gente a sala maior do Cine-Teatro, à Praça da Vitória. Entre outras mais atividades ali vistas, uma breve e significativa apresentação do coral Vozes de Oeiras, regido pelo maestro oeirense Aurélio Melo, além de duas palestras a cargo de confreiras habilitadas examinando aspectos da obra de Eça e Dagoberto. 
Quais melhores palavras haveríamos de usar para em breves linhas apresentar essa obra e sua relevância? 
Não é fácil apresentar obra assim coletivamente elaborada; obra de diversa autoria, “cada cabeça, uma sentença”, com cada protagonista-autor insculpindo em sua arte escritural aquele detalhe singular, fio da própria alma. Para relativizar nossas dificuldades, seguramo-nos na colunata mais segura que constitui a matéria da Revista e que é sua referência e motivo maiores: a vida e obra dos co-patronos da Confraria –e também parte inseparável delas, os cenários de seus mundos, assim os reais, assim os imaginários. Com efeito, os escritos ora publicados, são criações intencionalmente inter e entretextuais, sobretextuais. 
A Revista da Confraria é uma façanha. E a exemplo do primeiro número, Eça e Dagoberto vêm tinindo em suas páginas, que fixam para Oeiras do Piauí e para todos os lugares da lusofonia, as vozes que se amplificam do primeiro e o tirocínio incansável do segundo, fazendo-lhes ressoar, onde existir ouvido de ouvir e olhos de ver, e ler. 
Dagoberto Carvalho Júnior já narrou ene vezes sobre as formas com as quais construiu as pontes entre sua alma oeirana e o mestre oitocentista da Póvoa de Varzim. E para nós essas pontes são uma tessitura cujos pilares invisíveis estão solidamente enfincados nas duas margens do Atlântico: nas lusas costadas e calhas portucalenses de lá, derramando-se ao mar, e nas sertanias de cá, no vale do Canindé do Piauí, e das Tranqueiras. 
Quando Eça viveu, o Portugal que subjugara este país pindorama era, já, apenas a memória dos feitos de uma espécie de aventura antepassada, levada a grandes efeitos por dinastias, de afonsinas a bragantinas, formações sociais particulares ora aceleradas (1380) e ora aguilhoadas pelas guerras peninsulares e pelas guerras de mundos (1600). Quando Dagoberto Jr. nasceu, a Oeiras do Mocha e do tempo de Eça haviam, já, passado, e nela, fustigando a mansidão e silêncio do tempo, a memória dos feitos de uma espécie de paroquialidade insistente. Essa memória de lá e a de cá, a rigor, são indissociáveis, um manancial de nervuras historicamente enleiadas. 
O ambiente do encontro entre o patrono Carvalho Jr. de cá e o Eça de lá, antes de ser uma expressão física/fisiográfica – a destempo, não importa – é o lugar da memória muito bem cultivado na estrutura das ideias e tradições entremeadas desse universo de mundos confluentes. O Portugal que vem para este ermo (na percepção de lá) é já uma nação unificada e unificada sob a égide de culturas herdadas as mais diversas – dos iberos, dos lusos, latinos, visigodos, árabes, entre as referências maiores de sua ancestralidade. Pois bem: a obra de Eça, elaborada no último quartel do século XIX, é um estuário em sede romancística, pelo qual correm os fluxos dessas culturas cruzadas e baldadas, sobre a face de uma gleba euro-atlântica, solar, voltada aos mar de ansiosas interrogações... 
Muito do que vem publicado na Revista foi dito em encontros lítero-gastronômicos em Oeiras. Come-se, bebe-se, proseia-se. Bom participar dos saraus dessa gente da póvoa do Mocha, vitoriana e rosária - e muito melhor porque o bispo da cor do burgo é confrade.  

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