quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Uma crônica perdida e, agora, encontrada: "Misericórdia para Terri Schiavo"


Cunha e Silva Filho

Todos sabemos que a ainda jovem  norte-americana Terri, de 41 anos,  vinha sofrendo nestes quinze anos, desde que  teve um  ataque cardíaco aos vinte e sete anos, resultando numa  grave lesão cerebral. Vive, até hoje,  em estado quase vegetativo. Segundo informações,  o ataque  cardíaco  foi provocado  por  vários anos  de anorexia e bulimia.   Para alguns     especialistas,  seu estado é de “mínima consciência”  e apenas se  mantém viva graças a tubos através dos quais seu tênue organismo vem  se alimentando. Entretanto, nem todos  sabem  perceber o quanto  vale a sua presença  física, o seu olhar  profundo, o revirar das pupilas e um quase balbuciar, sinais, a meu ver, ainda da presença da vida plena, da vida que é o  que afinal  importa, especialmente. Todavia,  a jovem  Terri  há tempos falando ao marido que  não desejava  manter-se  viva por aparelhos. Terri nascera em Filadélfia, Estados Unidos,  em 1963.
Se o corpo é vivo, se a pele é viva, se o rosto, embora sofrido e modificado em parte pela fragílima situação de saúde,  se ainda dá sinais de vida,  por que  privá-la do convívio de quem a ama acima de contingências materiais e de saúde perfeita?
O corpo é vida,  presença e, para os pais, cujas mãos ainda podem tocá-lo com verdadeiro amor, com o carinho e o calor  do afeto e até mesmo a alegria de ainda  poder tê-la junto deles fisicamente, o sabê-la  ocupando espaço nas suas vidas de pais  devotados é o que mais  lhes conta. O corpo, como disse, está ali,  vivo, lutando  pela vida a qualquer  custo,  mesmo  contra a vontade da doente.que perdeu   a motivação  de viver.
Há,  no entanto,  no olhar de Terri um enlace da pureza e da inocência das crianças. A inocência de seu olhar só a encontramos nos puros,  nos místicos, naqueles  seres  tocados  pelo divino olhar dos anjos, olhar de bondade, de pura  fragilidade. Os olhos se Terri se espiritualizam. Somente os santos  têm aquele olhar de desinteresse pela matéria.
Se Terri Schiavo uma vez a seu marido manifestou a vontade de morrer ainda assim não é válida nem legítima qualquer ação dos homens da Justiça para lhe dar  cabo da vida. Não cabe à lei, à Justiça, ao Estado unilateralmente a determinação  de  mandar desligar o tubo através do qual a jovem Terri  se mantém  se alimentando.
O coração de Terri ainda pulsa, não morreu. Seu olhar pertence aos que ainda respiram  e têm o sopro da vida.
Há uma semana, por ordem judicial,  desligaram  o tubo  que a alimentava. Agora, não recebe alimento, nem mesmo água.  Qualquer ação humana contra  isso me parece  errada, precipitada e mesmo  criminosa.
Estão matando   Terri. A lei a está matando aos poucos. Sem misericórdia, muda aos apelos da sociedade que não a quer ver  morta. Terri agoniza. O Tribunal  aclçheu a determinação do juiz de Tampa, James  Whittme. Nem a Suprema Corte se viu competente para decidir sobre a delicada caso de  Terri. Pela  quinta  vez o Supremo Tribunal negou-se a intervir no caso.
Enquanto isso,  lá fora,  manifestantes  protestam em silêncio.  Sabe-se  quão eloquente é às vezes o silêncio. Porém, as faixas falam  pela mordaça do silêncio. Todos apelam para o  religamento  do tubo, por onde o alimento e a água ainda podem  devolver  um sopro  de vida  à sofrida Terri Schiavo.
 De acordo com os médicos, Terri, impedida de comer  e beber, possivelmente aguentará esta semana só. Os homens constroem as leis do Estado e este passa a ter paradoxalmente a  última  palavra  entre a vida e a morte do indivíduo.. É uma sentença condenatória? Quem   sabe não o é? Somos todos muito pequenos diante  do Estado e do mundo. Há algo absurdo na vida. Algo que escapa  ao entendimento  nas relações humanas, entre a pessoa e a sociedade,  entre a liberdade  e  opressão, entre o  entendimento  comum e as razões do Estado. “Mundo,  mundo vasto mundo..”, diria  Carlos Drummond de Andrade.
Não sei se esta crônica, ao ser publicada,  estará  datada. Espero que não. 


Nota: do colunista  Terri Schiavo morreu  quatorze dias depois que lhe retiraram  do corpo o tubo de alimentação. O caso dela virou  debate  nacional sobre a questão  da eutanásia, ou seja,  do direito de morrer,  questão, até hoje,  amplamente  discutida e que sempre  reacende  candentes  polêmicas  na sociedade  em todo o mundo.


Um comentário:

  1. Que texto infâme! Terri já estava morta desde fevereiro de 1990. Viver é poder desfrutar de um mínimo de dignidade e não há vestígio algum de dignidade em um estado vegetativo. Só mesmo um sadismo muito forte para querer que um ser fique mantido "vivo" numa situação tão precária. Terri não falava, não caminhava, não podia manisfestar o menor sinal de vontade própria, o que é essencial para qualquer ser humano. Ela não era uma árvore para viver de forma vegetativa. Era um ser humano.
    Todos os que se opuseram a retirada dos tubos de alimentação são sádicos e hipócritas.

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