sexta-feira, 22 de novembro de 2013

República da Casa Grande


Fonseca Neto

Res privata principis.

A república aniversariou. E daí? Há 124 anos ela foi imposta e seus valores historicamente proclamados na luta de vários povos não se tornaram valores reais na formação social brasileira. 
Não é pantomima: a república no Brasil – sonho e luta de muitos brasileiros dignos – foi imposta num golpe militar contra um Império e um imperador desafeiçoados por uma aristocracia “ferida” e ressentida, entre mais, porque a monarquia aboliu formalmente o trabalho escravo. O modelo de implantação do “novo” regime comprometeu-lhe o conteúdo, e até hoje, em muitos sentidos, a república não passou de uma arquitetura político-institucional manejada ao serviço das facções oligárquicas que a governam, a despeito dos interesses da maioria da população. Claro, oligarquias com imensa capacidade de reciclagem: das oligarquias agrárias da “velha” república às oligarquias midiáticas de hoje.
A exemplo da separação de Portugal em 1822 (contra a mobilização por uma Independência real) e do golpe “conciliado” da coroação do menino Pedro II em 1840 (contra as insurreições sociais republicanas do tempo), a república foi imposta num conchavão dos donos do poder, em cúpulas, contra a possibilidade de algum triunfo associado a mobilização popular –que, de fato, não passava mesmo de tertúlia de setores sociais medianos.  
Já no dia seguinte ao 15 de novembro, um a um – e aos magotes – os monarquistas fechavam com o chefe militar que encabeçou o golpe. Sim, conceda-se: houve alguma dança de cadeiras, mas concepções e práticas das novas chefias eram, em todos os sentidos, estruturalmente as de sempre. Isto é: mentalidade escravista; política é coisa de letrados; terra para meia dúzia; os tributos ao proveito das iniciativas empresariais. Com efeito, tal sob a colonização predadora, e o Império da escravidão insistente, a república que viça neste pedaço de trópico é controlada a ferro e fogo pelo tacão da Casa Grande e seu jeito de mandar e ferir com a mão de capatazes.
Mas a república não separou Igreja e Estado? Não transformou províncias em “Estados”? Não trouxe a “eleição” do Imperador, isto é, do presidente da república – e também de governadores?
São fatos; cascas reluzentes de “modernidade” de corpos antiquados. Todavia, essa laicização do Estado não teve significado algum na vida de ninguém; o nome Estado para as províncias é uma vergonhosa macaqueação da Norte América; as eleições – bem, as eleições são o que todos nós conhecemos até hoje: um jogo de cartas marcadas, controlado, milimetricamente, pelo poder das sobreditas oligarquias que, de fato, o detêm em suas mãos, as quais não hesitam em sujar de sangue para manter tal poder, inteiro, em seu regaço.
Porque uma república que nasceu para negar o povo, a república do Brasil é um simulacro, e assim, um mero arranjo político com esse nome que não se deixa regar com a energia vital da participação popular real. Não deixa vitalizar as suas estruturas para saltos de justa grandeza na concertação humana maior. Como não se vitaliza, apodrece; podre, os cupins fazem a festa. Daqui provém a corrupção, esse câncer em metástase como que intratável.
Na república dos cupins (claro caro caetano), os “podres poderes” parasitam da raiz seivosa da planta dos pés às pontas secas e estilhaçadas dos cabelos da cabeça. Na república da corrupção, a res é privada.  
Na res privata, prevaricando bagrões, e bagrinhos, as obras do interesse coletivo param e as corporações ferem de morte o interesse social geral, se a res publica arremedar um rapapé de entrar em ação.
A propósito, tem um novo livro do jornalista Laurentino Gomes, muito lido, mas nele pouca gente deu fé – acho até que por cálculo –, de um capítulo em que cita denúncia de corrupção num quartel de Teresina, em 1886, comprometendo chefias políticas do Partido Conservador. Afirma ele que esse episódio ajudou a temperar o golpe de 15 de novembro de três anos depois. Desalentado, eu? Não. Não há repúblicos desalentados. Dou-me é o direito de não infirmar essa loa de lei igual para todos. 
Ah! Ia esquecendo: golpeado e detratado pela res privata em 64, pelo Congresso e pelo STF, Jango, em ossos, honrado, semana passada, voltou a Brasília.    

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