Fonseca
Neto
Res
privata principis.
A
república aniversariou. E daí? Há 124 anos ela foi imposta e seus
valores historicamente proclamados na luta de vários povos não se
tornaram valores reais na formação social brasileira.
Não
é pantomima: a república no Brasil – sonho e luta de muitos
brasileiros dignos – foi imposta num golpe militar contra um
Império e um imperador desafeiçoados por uma aristocracia “ferida”
e ressentida, entre mais, porque a monarquia aboliu formalmente o
trabalho escravo. O modelo de implantação do “novo” regime
comprometeu-lhe o conteúdo, e até hoje, em muitos sentidos, a
república não passou de uma arquitetura político-institucional
manejada ao serviço das facções oligárquicas que a governam, a
despeito dos interesses da maioria da população. Claro, oligarquias
com imensa capacidade de reciclagem: das oligarquias agrárias da
“velha” república às oligarquias midiáticas de hoje.
A
exemplo da separação de Portugal em 1822 (contra a mobilização
por uma Independência real) e do golpe “conciliado” da coroação
do menino Pedro II em 1840 (contra as insurreições sociais
republicanas do tempo), a república foi imposta num conchavão dos
donos do poder, em cúpulas, contra a possibilidade de algum triunfo
associado a mobilização popular –que, de fato, não passava mesmo
de tertúlia de setores sociais medianos.
Já
no dia seguinte ao 15 de novembro, um a um – e aos magotes – os
monarquistas fechavam com o chefe militar que encabeçou o golpe.
Sim, conceda-se: houve alguma dança de cadeiras, mas concepções e
práticas das novas chefias eram, em todos os sentidos,
estruturalmente as de sempre. Isto é: mentalidade escravista;
política é coisa de letrados; terra para meia dúzia; os tributos
ao proveito das iniciativas empresariais. Com efeito, tal sob a
colonização predadora, e o Império da escravidão insistente, a
república que viça neste pedaço de trópico é controlada a ferro
e fogo pelo tacão da Casa Grande e seu jeito de mandar e ferir com a
mão de capatazes.
Mas
a república não separou Igreja e Estado? Não transformou
províncias em “Estados”? Não trouxe a “eleição” do
Imperador, isto é, do presidente da república – e também de
governadores?
São
fatos; cascas reluzentes de “modernidade” de corpos antiquados.
Todavia, essa laicização do Estado não teve significado algum na
vida de ninguém; o nome Estado para as províncias é uma vergonhosa
macaqueação da Norte América; as eleições – bem, as eleições
são o que todos nós conhecemos até hoje: um jogo de cartas
marcadas, controlado, milimetricamente, pelo poder das sobreditas
oligarquias que, de fato, o detêm em suas mãos, as quais não
hesitam em sujar de sangue para manter tal poder, inteiro, em seu
regaço.
Porque
uma república que nasceu para negar o povo, a república do Brasil é
um simulacro, e assim, um mero arranjo político com esse nome que
não se deixa regar com a energia vital da participação popular
real. Não deixa vitalizar as suas estruturas para saltos de justa
grandeza na concertação humana maior. Como não se vitaliza,
apodrece; podre, os cupins fazem a festa. Daqui provém a corrupção,
esse câncer em metástase como que intratável.
Na
república dos cupins (claro caro caetano), os “podres poderes”
parasitam da raiz seivosa da planta dos pés às pontas secas e
estilhaçadas dos cabelos da cabeça. Na república da corrupção, a
res é privada.
Na
res privata, prevaricando bagrões, e bagrinhos, as obras do
interesse coletivo param e as corporações ferem de morte o
interesse social geral, se a res publica arremedar um rapapé de
entrar em ação.
A
propósito, tem um novo livro do jornalista Laurentino Gomes, muito
lido, mas nele pouca gente deu fé – acho até que por cálculo –,
de um capítulo em que cita denúncia de corrupção num quartel de
Teresina, em 1886, comprometendo chefias políticas do Partido
Conservador. Afirma ele que esse episódio ajudou a temperar o golpe
de 15 de novembro de três anos depois. Desalentado, eu? Não. Não
há repúblicos desalentados. Dou-me é o direito de não infirmar
essa loa de lei igual para todos.
Ah!
Ia esquecendo: golpeado e detratado pela res privata em 64, pelo
Congresso e pelo STF, Jango, em ossos, honrado, semana passada,
voltou a Brasília.
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