segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

EXALTAÇÃO AOS MISSIONÁRIOS: cegos, mudos e surdos

Escritor Monteiro Lobato

 Jacob Fortes

Ainda tocado pelo efeito duradouro do clima Natalino, circunstância natural quando se trata da celebração da data máxima da cristandade, sou instado a lembrar, sobretudo aos que foram agraciados com leitos emplumados, acerca da importância de serem doados às pessoas mais desamparadas de recursos, mormente estudantes pobres, os missionários que, na inatividade, repousam ociosos no vão das estantes: os livros.

Pobre também ler. Exemplificativamente, vejamos. Apesar da ventura de ter tido uma infância pródiga em honra — oferta de um casal apedeuto, de sertanejos, que agia sob o imperativo da retidão — desventuradamente o destino flagelou o período juvenil do estudante Adalberto com uma pobreza de invejar qualquer monge franciscano. Naqueles distantes tempos juvenis regados à escassez, Adalberto vivia a pedir aos ricos: cadernos, lápis, borrachas e livros, porém, escondidos atrás das suas indiferenças, eles não o viam, nem ouviam. Apesar de tudo Adalberto sagrou-se vitorioso pelo caminho do estudo. Pobreza não é circunstância impeditiva à leitura, pelo menos nos tempos em que a internet, o celular e a televisão não tinham primazia sobre a leitura; não tinham o poder de declarar interdita a prática desse mister.

A presente exaltação aos missionários não a faço por mero diletantismo, mas no apego à convicção de que milhares de pessoas podem ser salvas por eles, talqualmente Adalberto. Esses abnegados missionários têm o condão de informar, transformar, maravilhar, reflexionar, sanear motivações enfermadas, amolgar corações empedernidos, amansar a incivilidade, ensinar a escrever e outros benefícios incontáveis. Por aplicação analógica esses missionários são como as abelhas: durante o seu trajeto elas vão espalhando por sobre os ovários das flores os grãos de pólen que carregam nas suas corbículas, realizando, desse modo, a polinização responsável pela fecundação de frutos e, consequentemente, das árvores.

Gostaria que esses abnegados pudessem missionar no País inteiro, rua acima grotão abaixo, mas entre o ideal e a infactível quadratura do círculo, melhor que me contente apenas em exaltá-los para que, ao menos, sirva de refrigério ao meu ideário, atenda a uma realização sonhada.

A esses missionários todo me devotei e ainda dedicarei todo o meu devotamento para que o desábito à leitura não prospere. Agradeço a eles as horas de boa leitura muitas das quais se prestaram, também, a lenir melancolias e até mesmo distrair o choro do bucho quando a algibeira, desfalcada de haveres, não podia aprovisioná-lo do essencial, sequer uma mamadeira de guaraná. Apesar do injusto labéu de serem portadores de deficiência (cegos, mudos e surdos), asseguro que enxergam quando alguém lhes apalpa, febril do prazer da descoberta; falam quando precisam dissipar a dúvida; ouvem quando precisam exercer ação terapêutica sobre a ignorância.

Em favor desses prestimosos amigos, tão singelos quanto às crianças, transcrevo as palavras de um amigo ainda mais fervoroso, Monteiro Lobato:

Um país se faz com homens e livros”.
Entre os mais humildes comércios do mundo está o do livreiro. Embora sua mercadoria seja a base da civilização, pois que é nela que se fixa a experiência humana, o livro não interessa ao nosso estômago nem a nossa vaidade. Não é, portanto, compulsoriamente adquirido. O pão diz ao homem: ou me compras ou morres de fome. O batom diz à mulher: ou me compras ou te acharão feia. E ambos são ouvidos. Mas se o livro alega que sem ele a ignorância se perpetua, os ignorantes dão de ombros porque é próprio da ignorância sentir-se feliz em si mesma, como o porco com a lama. E, pois o livreiro vende o artigo mais difícil de vender-se. Qualquer outro lhe daria maiores lucros; ele o sabe e heroicamente permanece livreiro. E é graças a esta generosa abnegação que a árvore da cultura vai aos poucos aprofundando as suas raízes e dilatando a sua fronde. Suprimam-se o livreiro e estará morto o livro. Com a morte do livro retrocederemos à idade da pedra, transfeitos em tapuias comedores de bichos de pau podre. A civilização vê no livreiro o abnegado zelador da lâmpada em que arde, perpetua, a trêmula chamazinha da cultura”.”   

Nenhum comentário:

Postar um comentário