quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Maranhão de César e Jomar


Fonseca Neto

Aqui na borda equinocial da Sul América, desde os primeiros séculos da colonização, o Maranhão se fez uma referência das literaturas. Uma narrativa da fundação da  chamada França Equinocial é um bom exemplo disso, publicada em Paris, em 1614 e 1616, já então a capital francesa um polo difusor da cultura do ocidente latino.

Séculos depois, segunda metade do Oitocentos, um médico nascido no interior, em Caxias, dedicou sua vida a coligir as fontes escritas sobre a formação do Maranhão – aqui entendido, assinale-se, (a) região e a forma de capitania hereditária e real que esse topônimo representou e (b) o Maranhão enquanto Estado. Este, uma forma político-administrativa autônoma em face do Estado do Brasil, de 1621 a 1811, tendo São Luís como capital e sua territorialidade variável no tempo. Estado em cuja jurisdição foi instituída a capitania real do Piauí, em 1718, definitivamente dele separada no referido ano de 1811.

O médico-historiador assim dedicado chamava-se César Augusto Marques – medicou no Piauí em 1857. Publicou ele o mais importante livro que o Maranhão conhece, porque um manancial generoso de fontes inventariadas e que impactam a pesquisa social-historiográfica brasileira até hoje – o Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, com a primeira edição saída em 1870. Acima de tudo, espécie de enciclopedização do conhecimento testemunhal-escritural sobre o antigo Maranhão. Labor de pesquisa muito significativo para o Piauí, em particular, considerada sua vinculação histórica ao Maranhão desde sempre.

O Dicionário é uma espécie de guia de fontes sobre uma enorme gama de temas. Fontes hauridas de arquivos governamentais locais, eclesiásticos, acervos hemerográficos, memórias de diversos modais, documentos manuscritos e tipografados de repartições portuguesas etc.

Ao ser lançada, a obra causou muito impacto e logo foi canonizada, mas sua difusão cobriu o autor do desafio de agregar a ela novos suportes registrais que a primeira edição potencializou – ao evidenciar lacunas e senões eventuais – e o acréscimo de outras informações, além de achegas revisoras. Nessa direção, o próprio Marques faleceu em 1900 trabalhando um projeto reeditorial do Dicionário, não logrando fazê-lo, pois surpreendido com a “indesejada das gentes” cassando-lhe o destino entre os viventes, aos 74 anos . Deixou, contudo, revisões, verbetes novos e outras anotações relevantes.

Assumiu a tarefa de continuador desse esforço, todavia, um dos mais notáveis historiadores do Maranhão do tempo, Antonio Lopes. Este vianense encorpou o projeto reeditorial respectivo com qualificadíssima contribuição, fruto de sistemáticas investigações e chaves de compreensão sobre alguns temas e verbetes. Em que pese todo esse esforço, consumindo-lhe precioso tempo de vida, faleceu em 1950 sem vê-la, em folhas. Veio, após, a segunda edição, chancelada por Raimundo Nonato Cardoso, em 1970, entre os auspícios do “Maranhão Novo”, liderado pelo intelectual José Sarney.

Agora, a terceira edição do Dicionário, dirigida pelo escritor Jomar Moraes, coroando as celebrações alusivas ao centenário da Academia Maranhense de Letras: eis o prêmio que este sodalício concede à cultura historiográfica geral, mais especificamente referenciada ao Brasil e a Portugal. A rigor, edição pluriautoral, pois agrega a escrita de origem, revisada e ampliada pelo próprio Marques, o texto suplementar de Antonio Lopes, além e principalmente, as anotações e apuração textual elaboradas por Moraes. Também contribuições pontuais da Comissão César Marques e o Índice Remissivo organizado por Lino Raposo Moreira.

Ao dedicar mais de vinte anos de sua vida a preparar a presente edição, aliás, enquanto presidia a AML, Moraes chamou a si o cometimento próprio do chefe de um “patriarcado de loucos” varridos, numa república de letras. Para se tenha uma ideia do zelo extremado, ele escrutinou, letra a letra, a imensa fortuna de textos de todas as edições publicadas, das edições preparadas e não publicadas, notas prefaciais e conexas de todas elas; releu fontes. Elaborou 1.508 notas explicativas, cujo apuro confere ao leitor de hoje uma indispensável segurança na ancoragem das consultas.

Comovente o espírito manifesto de Jomar Moraes, revisando, anotando e verbetando essa obra, complementar e criticamente, em proveito das atuais gerações de pesquisadores das chamadas ciências do Homem. E quanto deixa pistas, à mostra, para a escritura dos pósteros.     

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