sexta-feira, 18 de abril de 2014

Patrão nosso de cada dia


José Maria Vasconcelos
Cronistas, josemaria001@hotmail.com

    Neste momento em que se comemora cinquentenário da ditadura militar, opiniões se dividem em contundentes críticas ao regime militar, e louvação exacerbada às esquerdas, hoje no poder. Antes de qualquer julgamento, ouçamos belíssima música e letra de Secos e Molhados, raro talento na voz e requebros de Ney Matogrosso, do compositor principal do grupo, João Ricardo. Degustemo-la ao vinho de primeira. Aliás, todas as composições da banda são de invejar a mediocridade que rola por aí. Pena que o grupo logo se desfez, em 1973. Navegue na internet, digite “Patrão nosso de cada dia”. Ouça. Repare cada verso de protesto ao regime militar, por metáforas, para driblar a brutal censura: “Eu quero o amor/Da flor de cacto/Ela não quis/Eu dei-lhe a flor/De minha vida/Vivo agitado/Eu já não sei se sei/De tudo ou quase tudo/Eu só sei de mim/De nós/De todo o mundo/Eu vivo preso/A sua senha/Sou enganado/Eu solto o ar/No fim do dia/Perdi a vida/Eu já não sei se sei/De nada ou quase nada/Eu só sei de mim/Só sei de mim/Só sei de mim/Patrão nosso/De cada dia/Dia após dia.”

        Cacto, vegetação grosseira, espinhosa, típica dos solos hostis, metáfora para definir a ditadura, que rejeita o amor e a ternura, “ela”, a ditadura. “Já não sei se sei”, porque “vivo preso à sua senha”, à sina e submissão. “Eu solto o ar”, protesto. “Patrão nosso de cada dia...” trocadilho de “Pão nosso de cada dia”, prece religiosa, que transmite submissão ao patrão, no caso, o regime militar. O toque melancólico dos sinos lembra a obrigação da entrada e saída dos trabalhadores nas empresas.

        Vejam o paradoxo: as mesmas paixões políticas que exaltam a ditatura Vargas condenam a ditadura militar. Neste momento de discursos, debates e avaliações sobre os “anos de chumbo” do regime militar, quase todos de condenação, há certa desigualdade de juízo, que só a História vai ponderar, sem paixões.

        Não existe ditadura de consenso. Sempre há interesses para condenar ou exaltar. A quem interessaria a ditadura militar? Aos países capitalistas. O que pretendiam os adversários do regime militar? A implantação do comunismo ou socialismo, perverso, genocida, ditatorial e escravagista: Rússia (bolchevismo), Alemanha (nazismo), Cuba, Coreia do Norte, China (Mao Tsé Tung). A ditadura militar, no Brasil, foi resultado de uma convocação da população, temerosa dos rumos sombrios que se descortinavam para a nação.

        A insegurança tem dessas coisas. O povo clamou por forças poderosas de ajuda à segurança do país. O Exército acudiu, mas o regime militar se perpetuou por longo período sem atender o povo. Parece se repetir a mesma apreensão em tempo de regime petista. A nação anda exausta com os níveis de insegurança, tráfico de drogas, corrupção, assassinatos, inimagináveis nos anos 60. Estabeleceu-se o regime democrático, mas as residências e lojas viraram prisões com câmeras ocultas. Bandidos se elegem ou patrocinam candidaturas para criar leis e estatutos de proteção a criminosos. A ditadura militar detonou inimigos da democracia, os subversivos. Hoje, funciona a Comissão da Verdade sobre crimes da ditadura militar. Que verdade? Cadê Comissão da Verdade para quem assaltou bancos, matou, sequestrou diplomatas naquela época, roubando para sustentar a guerrilha. Responda D. Dilma.


        Já começo a me danar, a me faltar fôlego - desatinado coração. Paremos por aqui, a música não terminou. Patrão nosso de cada dia continua a mesmice realidade. O patrão, agora, é outro, anda armado até os dentes querendo me tomar o carro, o dinheiro, a vida.  

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