segunda-feira, 26 de maio de 2014

PRETO NO BRANCO - MORENO BRASILEIRO


Preto no branco - moreno brasileiro

Francisco Miguel de Moura*

Não me refiro ao preconceito de cor, mas à população brasileira como um todo, começando pelo Piauí. Se o IBGE usa essas expressões, por que não podemos usá-las também! São as mais consentâneas com a verdade, visto que as demais (pardo, caboclo, cafuso, por exemplo) podem parecer deboches. Sobre este assunto, lembrei-me de certo dia, lá pela década de 1980, quando estava a ler o jornal “A Tarde”, de Salvador.  No importante diário, deparei-me com a notícia, para mim até então estúpida, de que, proporcionalmente, o estado brasileiro onde a população “de cor” é maior não é a Bahia, como muitos falam, mas o Piauí. Infelizmente não guardei recorte da matéria. Tal afirmação de que Oeiras, proporcionalmente, tinha mais negros do que a Bahia (todo baiano chama a sua capital assim), mesmo proporcionalmente como ele frisava, me deixou “grilado”. 

Será que ele tinha razão? Pegando um compêndio escolar denominado “Estudos Regionais do Piauí”, de Joselina Lima Pereira Rodrigues, edição de 2001, leio: “Os povoadores do Piauí originaram-se dos elementos básicos formadores da raça brasileira: o branco, o negro e o índio”. Repare o leitor que a professora escreve expressamente “raça brasileira”, referindo a nossa população atual. O caldeamento dessas três raças se deu de modos muito diferentes, aqui e ali, do primeiro ao século atual. É preciso que a gente se lembre que as terras do Piauí foram as últimas a serem alcançadas por portugueses: Em 1674, o português Afonso Mafrense penetra pelos sertões acima do rio São Francisco, com muito risco, pois os índios, perseguidos  pelos senhores de engenho, aqui se encastelavam. Era o início do desbravamento. Tenha-se, naturalmente, em conta a dificuldade de chegar-se até onde fundaram a capital e daí produzir a expansão acontecida, a partir do centro até o norte e o sul. É preciso também não deixar fugir da nossa memória – pois que ainda não fugiu da memória escrita, como atestam historiadores como Odilon Nunes e atualmente Reginaldo Miranda – que o Piauí é o único estado brasileiro onde todos os índios foram exterminados, não sobrando nenhum, o que faz lembrar Canudos, infelizmente.  Eis por que nossa mistura com índio é praticamente nula.

 Começando com o núcleo inicial, como deve ser, não estamos trabalhando com dados precisos, estatísticos, mas com hipóteses e algumas citações: “O povoamento inicial do Piauí deu-se com muitas famílias enviadas do Maranhão e, pouco depois, com 300 brancos criminosos libertados em Lisboa, além de escravos e índios”. Também o crescimento de Oeiras foi muito lento. “Criada por Carta Régia de 30-6-1712, em 1730 a vila tinha apenas entre 25 e 30 moradores”, conforme registra Cláudio Bastos, no “Dicionário Histórico e Geográfico do Piauí”, editado em 1994. O que existia antes era apenas uma freguesia sob a invocação de Nossa Senhora da Vitória, ligada ao bispado de Pernambuco, a qual foi desligada como vila em 1696, ano em que justamente se comemora o nascimento de Oeiras, nossa antiga capital. Consta também, em vários historiadores, que a maioria dos piauienses brancos é originária de sete famílias que vieram para cá, com o intuito de permanecer, fato notável porque o comum era virem, enriquecerem e voltarem para Portugal. Parece-me que elas povoaram do centro do para o sul do nosso estado. E, em minha opinião e de alguns comentaristas antes de mim, estas famílias de audazes e fortes portugueses, vindas para cá com armas e bagagens, foram crescendo e se reproduzindo. Chegamos a pensar que a burguesia piauiense que domina as várias atividades, ontem a pastoril e agrícola, hoje a de políticos e administradores, de uma forma ou de outra descende desses troncos familiares. Eles combateram ferozmente os indígenas e importaram negros, para o trabalho muito extenso das fazendas de gado. E ninguém estuda nem fala, mas tivemos a civilização do couro: porta, mesa, cadeira, roupa e tudo mais que mais se pudesse e quisesse fazer era feito de couro de boi. Nessa época, exportávamos gado para o Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e quiçá para o sul do país.

Se fizéssemos uma pesquisa lingüística nos modos e hábitos do piauiense, certamente encontraríamos indícios e traços do preconceito, no passado. Mas os tempos e o modo de ser da população foram mudando, a miscigenação entre brancos e pretos aumentando. Recentemente veio a Constituição Federal de 1988, que, num dos seus artigos iniciais, proíbe o preconceito de todos os tipos - nem precisamos citá-lo. Portanto, pode-se deduzir que quem tem preconceito não é um ser humano útil, pois pratica um ato dos mais incongruentes com a vida em sociedade. A partir do conhecimento que tenho sobre estes assuntos, tanto os históricos quanto os atuais, é que vejo o desenvolvimento da sociedade brasileira no rumo de um povo homogeneizado na cor, na linguagem, nos costumes, na sensibilidade e na doçura, na inteligência e no amor. Tenho observado, particularmente no Piauí, que a cor morena domina, é maioria. Sou capaz de apostar que sim. E esta é a cor da “raça brasileira”, de que falou a professora Joselina Lima Pereira Rodrigues. Para mim, não tem a inteligência e o coração brasileiros aquele que interpõe, seja pessoa entidade civil ou governamental, qualquer obstáculo à tendência da “morenização” do brasileiro. É a tendência do norte, nordeste, sudeste e centroeste.  A região sul demorará mais a integração de que falamos em virtude do tipo de imigração recebida, destoante daquela do Brasil colonial e imperial, porque mais recente. Quem não concorda?  
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*Francisco Miguel de Moura, membro da Academia Piauiense de Letras - APL-Teresina, PI; membro da União Brasileira de Escritores (SP e PI) e sócio a IWA - International Writers and Artists Association - Estados Unidos. 

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