Ver para crer ou crer para ver?
José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
Antes do jogo da seleção brasileira,
bela canção de Gilberto Gil eclodia do carro estacionado próximo ao Balão de
São Cristóvão. Qualquer brasileiro sabe, de cor, algum verso da encantadora
música, bem sertaneja: “Andá com fé eu vou/ Que a fé não costuma faiá/...Que a
fé tá na mulher/ A fé tá na cobra coral/ Num pedaço de pão/... Na luz, na
escuridão/...Na maré/ Na lâmina de um punhal/...A fé tá também pra
morrer/Triste na solidão/...A fé vai onde quer que eu vá/ A pé ou de avião.”
A
eletrizante canção provoca certa reflexão, especialmente quando deparamos
circunstâncias adversas, como doença, crise financeira ou amorosa, acidente,
preparação para concursos, coisa e tal. No texto, veem-se elementos metafóricos
motivadores de apreensões, que exigem exercício da fé: mulher, pão para
sobrevivência, cobra, punhal, morte, noite e solidão, viagem aérea.
A fé norteia o sentimento religioso da maioria dos
brasileiros que professam algum credo. Palavra tão simples estampada até em
camisetas e para-brisas de carros. Todavia poucas pessoas se dão conta do
verdadeiro sentido da fé, normalmente associada a surtos piegas e emocionais
conduzidos por lideranças religiosas. A cura simples de uma dor de barriga gera
arroubos de testemunho milagroso, durante culto.
Para alguns, fé é coisa de ignorante, por não ter
acesso a uma educação formal. Pode ser. Por isso, motivo para exacerbação de
religiosidade. Por outro lado, entre intelectualizados, há um mito de que fé e
ciência não se misturam. Será verdade? A visão ateísta do mundo atual torna
impossível que um intelectual exercite fé na divindade. Bobagem. Famosos
cientistas, que nos legaram fantásticas descobertas, criam na existência
divina: Galileu, Mendel, Nicolau Copérnico, Newton, Eistein, Pascal, Maxwell,
tantos outros. O cristianismo fundou as melhores universidades: Bolonha,
Sorbonne, Harvard, Cambridge, Salamanca e outras. A fé nunca foi inimiga da
ciência, apesar de alguns desacertos com o clero. A Revolução Francesa
despertou uma classe de iluministas cientistas, ateus e anticlericais, que,
ainda hoje, tentam explicar tudo sem interferência divina ou transcendental,
como a negação do criacionismo. Com eles surgiu o princípio científico do ver
para crer, sujeitando fenômenos sobrenaturais à lupa do laboratório. A fé de
Tomé. Com os recursos da ciência moderna, é possível, porém, separar uma
simples, às vezes, infantil, manifestação sobrenatural de uma causa natural.
O princípio da fé não se baseia em ver para crer,
mas crer para ver. Não há, na Bíblia, melhor definição de fé do que a
encontrada na carta do apóstolo Paulo aos hebreus: “A fé é a esperança na
certeza do que não se vê” (11,1). Não é ver para crer, mas crer no que ainda há
de se ver. O impossível tornar-se possível. A cura do cego, do paraplégico, do
câncer em fase devastadora, da doença incurável, apesar de todos os recursos
científicos experimentados.
Será que uma nação com terríveis índices de
criminalidade, corrupção, drogas e falta de compromisso dos administradores
ainda tem jeito de cura? Tem, sim, pois a fé começa pelos cidadãos. Afinal,
disse o Mestre: “O reino dos céus está dentro de vós.” O negócio, então, é
arregaçar as mangas. Porque a “fé não costuma faiá”. Pelo menos, é bonita de se
ouvir nas avenidas da cidade.
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