DOIDOS
DE ESTRADA
Anchieta
Mendes
Quem
não os viu, os DOIDOS DE ESTRADA, por este mundo a fora? Quem teve o cuidado de
observar os seus passos, as suas roupas, a bagagem volumosa e suja que
carregam?
Quem
indagou, a si mesmo, por que existem esses irmãos que ganham as estradas e que
não têm CAMINHOS? Quem perguntou a algum
desses irmãos misteriosos que andam, sem parar e sem cansaço, ao sol e à chuva,
de onde vêm, para onde vão, se é que vão a algum lugar?!
Quem
quis ouvir ou procurou saber a história desses irmãos? Talvez ninguém,
inclusive eu. Pecado dos que, como eu, não se interessam pelos desditosos, os
abandonados, os infelizes, os loucos, os DOIDOS DE ESTRADA, que não são poucos.
E
lá se vão. Olhar distante sem saber a distância percorrida e a que vai
percorrer. Nem olham para as placas a indicar quilômetros, localidades e
direções. A sua direção é o mundo, mundo sem nome, sem rota, sem mapa e sem
tamanho.
Suor caindo, fome, sede, pés sangrando, sem
reclamar, sem sentir nada, além da ilusão de andar, de prosseguir a viagem sem
destino e sem companhia, estradas longas, dias sem horas e noites sem começo e
fim.
Presumo que
seja uma fatalidade, a vida dos DOIDOS DE ESTRADA. Uma destinação da própria
sorte, uma missão que não se compreende, não se reconhece ou admite. Inglória e
misteriosa missão desse andarilho que é a marca, talvez, de um amor perdido, de
uma injustiça sofrida, de uma desdita qualquer, que o mundo é cheio de
desditas.
Pois não é que
eu chego a invejar a vida dos DOIDOS DE ESTRADA? Sabem por que? Ora, meus
amigos, eles não conhecem o que está ocorrendo nos bastidores da política, não
têm conhecimento das guerras imorais, das crianças que morrem de fome, dos
crimes que se praticam; dos horrores plantados por todo lugar. Não sabem das
injustiças praticadas, dos males e da fome que sofrem os pobres.
Não sabem o
que acontece neste mundo cão, de desgraça e opressão, de tortura e maldade,
perseguição e ódio. Não sabem. Porque não sabem, não trazem consigo a mágoa
infinda e a dor imensa de saber que o mundo está cheio de canalhas, de
mentirosos, de aduladores e de prepotentes.
Não sabem que
a corrupção suga os cofres do povo e a sua dignidade. Não sabem que a fome é
cada dia mais dura e infame. Que a desgraça está mudando o destino de milhões
de jovens que não têm futuro.
Invejo os
inocentes, que não conhecem o pecado, nem o mal, a mentira, a ignomínia, nem o
desapreço, o orgulho, a vaidade e a submissão do homem aos poderosos.
E os DOIDOS DE ESTRADA
nada mais são do que pobres cidadãos que perderam a noção do mundo, da vida e
do sofrimento. São, naturalmente, candidatos a um lugar no céu. Ali têm acento
os perseguidos e os desgraçados.
Deus anda com
eles pelas estradas sem rumo, sem começo nem destino.
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