segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Política, a arte de dissimular


Política, a arte de dissimular

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

             “Nunca esquecerei que na retina de meus olhos tinha” graduado policial, acusado de crimes de pistolagem, preso. A caminho do julgamento, levantava a Bíblia e proclamava: “A justiça divina provará a minha inocência!” Precisa explicar o que significa o ato de dissimular?

         Agora, semelhante teatro aberto, sem julgamento nem condenação. Divulgados os resultados das eleições, início de noite, viam-se candidatos vitoriosos, frente às câmeras de TV, aos berros, feições embevecidas de inebriantes talagadas de bebida. Rolavam lágrimas, orações, louvores aos céus. Confessavam virtudes cristãs, consideravam-se vítimas do ódio de adversários. Abraçados, rezavam Pai Nosso, gritavam mais forte ao “assim perdoamos a quem nos tem ofendido”. Só não erguiam a Bíblia, assim ficasse mais perfeita repetição. Agradeciam à justiça divina as bênçãos alcançadas nas urnas, porque a humana é pífia. Em defesa dos interesses partidários e pessoais, pesa o bom papo, retórica melosa, embromação, hipocrisia, dissimulação e engodo. Acrescente-se velha marca de sabonete “vale quanto pesa” sobrenome, parentesco, pedigree, dinheiro surrupiado das verbas públicas ou do tráfico e assaltos. Levantem a Bíblia, proclamem o nome do Senhor, em vão. Um dia, a casa cai.

         Dissimular, ato de ocultar, encobrir com astúcia, não dar a perceber, não revelar sentimentos ou desígnios encrustados no espírito. O dissimulador nunca confessa mea culpa de suas mazelas. Sempre se faz de vítima. Sempre encontra um vilão: a crise internacional, as elites, golpistas, imprensa, FHC, imperialismo americano. Ou “eu não sabia de nada”.

         Conhece o truque para adestrar um animal malabarista? Dê-lhe nacos de ração a cada exibição. O animal fixa seu animador, porém o que lhe interessa é mais raçãozinha. E assim o show continua, bem como a submissão por uma merreca de comida. Eleitor ingênuo lembra animal adestrado, mas submisso a tiquinhos de sobrevivência. Qualquer cédula de cinquentinha compra um voto. Conhecido político confessava com cinismo, aos risos e deboche: “Povão não quer saber de obras públicas, mas de um abraço apertado, uma cachaça de graça, 10 reais, barriga cheia de arroz e panelada na feira. Quanto mais pinta de rico, melhor. Até vigário se dobra. Essa história de político correto só vinga na capital. Honesto não tem vez. Corrupto, malandro, arrebenta, tá eleito”.

         Dissimulação é a arte da sobrevivência dos mais fortes e valiosos em meio aos mais fracos. Não existe linha religiosa que defenda tão danosa política de convivência humana. A mensagem de Cristo é curta e grossa: “Seja o vosso sim, quando for sim; não, se for não.” Condenou o farisaísmo da elite da época, “sepulcros caiados por fora, mas a imundície por dentro”. Ou “dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. O dissimulador, imagem do Maligno, que acompanha a humanidade desde o princípio, no jardim do Éden. Que tentou o Mestre no deserto, prometendo-lhe poder e fortuna. E se serve, hoje, até do nome de Deus, para comover multidões, conquistar votos. As retinas de nossos olhos não se cansam de assistir a espetáculos que, se não cuidamos, cometemos maior pecado, o da cumplicidade. Pelo menos, no Brasil, a política virou espetáculo da dissimulação.        

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