sábado, 13 de dezembro de 2014

Isótopo Césio-137 ou Jesus Cristo?


Isótopo Césio-137 ou Jesus Cristo?

José Maria Vasconcelos 
Cronista, josemaria001@hotmail.com

            Dezembro de confraternizações e euforia comercial. Espírito natalino de festejar Jesus se concentra, paradoxalmente, no figurino lojista de papai noel. A indústria do visual e dos belos presentes encanta, mas confunde e entorpece o exercício do transcendental e invisível. O espírito natalino transforma-se pó descartável e venenoso. Então me vem à lembrança o isótopo Césio-137, que vitimou centenas de incautos e desinformados.

            13 de setembro de 1987, Goiânia, Goiás. Dois caçadores de lixo vasculhavam as antigas instalações do Instituto Goiano de Radioterapia (também chamado de Santa Casa de Misericórdia), no centro de Goiânia. Os caçadores se depararam com um velho aparelho de radioterapia abandonado. Levaram o equipamento em um carrinho de mão. Desmontaram o aparelho e venderam as peças em oficinas de ferros velhos da cidade. Não tinham a mínima ideia do perigo a que se expunham.

            Nem tudo que resplandece e parece sobrenatural é divino, mas maligno e mortal. Devair Alves Ferreira comprou o resto da máquina, desmontou-a. Encantou-se com pequena porção de um produto que, no escuro, brilhava, irradiando coloração azul. Devair não sabia o perigo a que estava se expondo, manipulando apenas 20 gramas de isótopo de cloreto de césio-137, um pó branco parecido com sal de cozinha. Resolveu exibir o achado aos familiares e vizinhos. Todos acreditavam tratar-se de algo sobrenatural. Passavam o produto nos braços. O pó que resplandecia e parecia sobrenatural espalhou-se em grande área da população. Os dois caçadores também foram expostos ao césio-137 e contaminaram dezenas de pessoas. Encantamento geral.

            Em uma semana, apareceram as primeiras vítimas da contaminação, com vômitos, náuseas, diarreias, tonturas. Médicos descobriram que se tratava de Síndrome Aguda de Radiação. Só no dia 29 de outubro de 1987, a esposa de Devair levou o equipamento à sede da Vigilância Sanitária, que constatou a existência de material radioativo. Físicos nucleares compareceram à cidade. Colheram roupas das vítimas, terra e objetos do local, tudo que manifestava efeitos da radiação atômica. Já era tarde. Mortes ocorriam. Devair, a filha e sua esposa faleceram.  Dezenas de mortes. Outras vítimas adquiriam câncer. Montou-se um lixão de material atômico de 6 mil toneladas de roupas, utensílios, materiais de construção e ferramentas em 2.900 tambores e contêineres revestidos de concreto, que durarão 180 anos de descontaminação. O césio-137 causou um dos maiores desastres radioativos do planeta. E, olhe, com apenas 20 gramas de césio-137.

            A todo instante, em todo mundo, cristãos repetem a ceia de Jesus Cristo: “Isto é o meu corpo ... meu sangue ... comei, bebei. Fazei isto em memória de mim ... estarei convosco...” Uma pequena porção de pão e vinho, milagrosa presença de Cristo. Difícil entender ou aceitar tamanha irradiação divina. No entanto, contam-se histórias fantásticas de quem tocou, comeu e bebeu a pequena porção milagrosa, que já curou muita gente de males, especialmente do espírito.

            Coisas tão fugazes e transitórias, como presente de um celular ou vidro de perfume, nos fascinam tanto quanto a translucidez de um césio-137. Nem sabemos distinguir o que acumulamos, se nos seduz para a verdadeira felicidade. Desculpe a analogia, o espírito natalino exige escolha mais significativa, talvez em forma de pequena porção que não seja cloreto de césio-137, mas partícula de pão e gotículas de vinho sagrados. O espírito natalino precisa se encantar com Jesus Cristo e descartar papai noel, reluzente, mas falso.     
           

Nenhum comentário:

Postar um comentário