terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Oh abre alas, que eu quero passar


Oh abre alas, que eu quero passar

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

             Antes de a maior festa coletiva do Brasil começar, que tal um passeio ao passado? Afinal, em se tratando de qualidade musical, carnavais antigos dão ainda de letra na mediocridade atual e continuam a encantar foliões e apreciadores do belo artístico. Velhas marchinhas que seduzem, em momento em que só restam rebolados regados a bebedeira, erotismo e refrãos insossos.

         Iniciemos por Chiquinha Gonzaga (1847-1935), filha de escrava com general do império, que a adotou e a privilegiou com educação aristocrática: afilhada de Duque de Caxias, aluna de famosos professores, entre os quais Maestro Lobo. Chiquinha Gonzaga ou Francisca Edwiges Neves Gonzaga estudou e compôs músicas, a partir dos 11 anos. Pianista, Chiquinha produziu sambas, polcas e choros, regeu orquestra. Mulher avançada para seu tempo de cultura machista e preconceituosa. A mulata pesquisava suas raízes musicais em contato com escravos. Casada com almirante, separou-se, anos depois, um escândalo para época. Aos 52 anos, apaixonou-se por aluno de música de 16 anos. Para fugir à rejeição da família e da sociedade, adotou-o como filho, ambos apaixonadamente perdidos, tiveram filhos.

                Em 1899, Chiquinha Gonzaga compôs a primeira música carnavalesca, o celebre Ó ABRE ALAS, QUE EU QUERO PASSAR/ Eu sou Lira/Não posso negar/Ó abre alas/Que eu quero passar/Rosa de Ouro/É quem vai ganhar. Canção composta para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro. Muitas outras composições de Chiquinha popularizaram-se, graças à adaptação das mesmas a instrumentos menos aristocráticos que piano. Chiquinha tocava em saraus do Catete, ritmos populares que sofriam críticas da sociedade, que não aceitava “vulgaridades” artísticas em ambiente nobre. O presidente Hermes Lima acatava, porém, o gosto de sua esposa, amiga de Chiquinha Gonzaga.

                Marchinhas de carnaval, depois de Chiquinha Gonzaga, caíam na boca do povo, esquentavam salões de clubes sociais, dão, até hoje, audiência às rádios, neste período. Lembro-me bem da obra-prima de Zé Kéti, MÁSCARA NEGRA (Tanto riso/ Oh quanta alegria/ Mais de mil palhaços no salão/ Alecrim está chorando pelo amor de Combina/ No meio da multidão/ Foi bom te ver outra vez/Tá fazendo um ano/Foi no carnaval que passou/Eu sou aquele pierrô/Que te abraçou/Que te beijou, meu amor/A mesma máscara negra/Que esconde o teu rosto/Eu quero matar a saudade). A canção estourou no final dos anos de 1960. Tantas e tantas que pipocavam, a partir do réveillon, até chegar o carnaval, vendidas aos montes e decoradas à exaustão: Mamãe, eu quero; Cidade Maravilhosa; A Banda; Atrás do trio elétrico; Chiquita bacana; Tomara que chova três dias sem parar; Alá laô, mas que calor, ôôô; Acorda Maria bonita...

         Carnaval, origem pagã, depois adaptada ao espírito cristão de alegria, comes-e-bebes com racionalidade.  Caro Valet, vai-te carne, carnaval, porque, depois de três dias, vem o período quaresmal de jejuns e reflexões. Queira Deus que a indisciplina carnavalesca não reviva o império romano da comilança, que desembocava nos vomitórios construídos nos salões nobres. Uma farra que encurtava vários anos de vida. E pode se repetir.     

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