sábado, 21 de fevereiro de 2015

Sarapatel do comendador


Sarapatel do comendador

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Não sou tão bicudo, a ponto de negar méritos das novelas televisivas, especialmente da Globo. Fui seduzido pela novela Império, logo no princípio, pela mitológica e encantadora montanha de Roraima, onde se escondiam tesouros e mistérios. A trilha sonora de abertura, Lucy In The Sky With Diamonds (Lucy no céu com diamantes), dos Beatles, suprassumo de interpretação de Dan Torres.

Infelizmente, o que seduz os noveleiros é o puro entretenimento, sem filtrar o que se esconde por trás dos novelistas e da televisão. Exige-se conhecimento de técnicas empregadas em um gênero literário que se popularizou, mais pelos efeitos visuais do que pela tradicional novela escrita. No mais, o telespectador fixa-se somente no enredo, sem filtros da consciência crítica, filosófica e moral. Torna-se um refém do banquete narrativo oferecido pela empresa televisiva com gigantesca fonte de renda: belos corpos, lançamento de produtos, bulevares, praças e praias, carros, indumentárias, utensílios, códigos de condutas, turismo. Ao formador de opinião e educadores cabe a responsabilidade de apontar virtudes e vícios de um gênero que está mais para impor comportamentos do que extraí-los da sociedade. Um simples colorido e corte de cabelos da personagem cai logo no gosto popular.

Há algum tempo, novelistas globais, notadamente os gays, determinam exagerada apologia a personagens homossexuais, que dão graça e audiência à novela, mais pelo escrachado humor do que pela opção do gênero. O polêmico autor, Agnaldo Silva, resolveu abordar tipos diferentes da tribo gay: a mãezona Xana, o enrustido Cláudio, bicha má e invejosa Téo, além de outros. Mais que homossexualidade, o que está em jogo é o lado humano, os conflitos por que eles passam.

A novela Império segue o princípio básico do gênero: pluralidade de enredos (histórias) e personagens em torno de um núcleo comum: um cidadão rústico e pobre do interior nordestino aventura-se, no Rio, em busca de trabalho e ascensão social. Herda fortuna de um amigo garimpeiro, vira magnata do comércio de diamantes, milhões em bancos suíços, título de comendador, constrói mansão cheia de empregados, guarda-costas; filhos da prosperidade, preguiça e incompetência; o prazer em vez do trabalho e esforço. O comendador, porém, conserva a simplicidade e rusticidade interiorana. Aprecia a cachacinha, a comida frugal, especialmente o sarapatel, acompanhado de fiéis amigos trabalhadores em redor da mesa do boteco. A novela desenvolve-se em dois universos sociais paralelos e confluentes, onde se destacam virtudes de gente simples e honrada, paixões amorosas entre ricos e pobres.

O conflito do comendador com os filhos, inclusive com a esposa, é a vidinha que levam de consumo e exacerbado exibicionismo burguês, que desembocou em desabafo de profunda filosofia sertaneja: “Vocês vão ter que me aturar, comer sarapatel comigo”. Com jeitinho crítico, é possível se extrair alguma coisa de bom de uma novela. Tomara que ela acabe logo, pois vem me roubando precioso tempo de preciosos programas.   

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