Sarapatel do comendador
José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
Não sou tão bicudo, a
ponto de negar méritos das novelas televisivas, especialmente da Globo. Fui
seduzido pela novela Império, logo no princípio, pela mitológica e encantadora
montanha de Roraima, onde se escondiam tesouros e mistérios. A trilha sonora de
abertura, Lucy In The Sky With Diamonds (Lucy no céu com diamantes), dos
Beatles, suprassumo de interpretação de Dan Torres.
Infelizmente, o que seduz os noveleiros é o puro
entretenimento, sem filtrar o que se esconde por trás dos novelistas e da
televisão. Exige-se conhecimento de técnicas empregadas em um gênero literário
que se popularizou, mais pelos efeitos visuais do que pela tradicional novela
escrita. No mais, o telespectador fixa-se somente no enredo, sem filtros da
consciência crítica, filosófica e moral. Torna-se um refém do banquete
narrativo oferecido pela empresa televisiva com gigantesca fonte de renda:
belos corpos, lançamento de produtos, bulevares, praças e praias, carros,
indumentárias, utensílios, códigos de condutas, turismo. Ao formador de opinião
e educadores cabe a responsabilidade de apontar virtudes e vícios de um gênero
que está mais para impor comportamentos do que extraí-los da sociedade. Um
simples colorido e corte de cabelos da personagem cai logo no gosto popular.
Há algum tempo, novelistas globais, notadamente os gays,
determinam exagerada apologia a personagens homossexuais, que dão graça e
audiência à novela, mais pelo escrachado humor do que pela opção do gênero. O
polêmico autor, Agnaldo Silva, resolveu abordar tipos diferentes da tribo gay:
a mãezona Xana, o enrustido Cláudio, bicha má e invejosa Téo, além de outros.
Mais que homossexualidade, o que está em jogo é o lado humano, os conflitos por
que eles passam.
A novela Império segue o princípio básico do gênero:
pluralidade de enredos (histórias) e personagens em torno de um núcleo comum:
um cidadão rústico e pobre do interior nordestino aventura-se, no Rio, em busca
de trabalho e ascensão social. Herda fortuna de um amigo garimpeiro, vira
magnata do comércio de diamantes, milhões em bancos suíços, título de
comendador, constrói mansão cheia de empregados, guarda-costas; filhos da
prosperidade, preguiça e incompetência; o prazer em vez do trabalho e esforço.
O comendador, porém, conserva a simplicidade e rusticidade interiorana. Aprecia
a cachacinha, a comida frugal, especialmente o sarapatel, acompanhado de fiéis
amigos trabalhadores em redor da mesa do boteco. A novela desenvolve-se em dois
universos sociais paralelos e confluentes, onde se destacam virtudes de gente
simples e honrada, paixões amorosas entre ricos e pobres.
O conflito do comendador com os filhos, inclusive com a
esposa, é a vidinha que levam de consumo e exacerbado exibicionismo burguês,
que desembocou em desabafo de profunda filosofia sertaneja: Vocês vão ter que
me aturar, comer sarapatel comigo. Com jeitinho crítico, é possível se extrair
alguma coisa de bom de uma novela. Tomara que ela acabe logo, pois vem me
roubando precioso tempo de preciosos programas.
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