quinta-feira, 2 de abril de 2015

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE O POEMA AMOR CONCRETO


2 de abril

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE O POEMA AMOR CONCRETO

Elmar Carvalho

No velório do poeta Hardi Filho, com quem estreitei laços de amizade, desde 1982, quando fixei residência em Teresina, encontrei o professor José Maria Vasconcelos e o poeta Rubervam Du Nascimento, além de outros amigos e conhecidos. Na breve palestra que entretivemos, José Maria nos solicitou, a mim e ao vate Rubervam, que lhe mandássemos um texto, contendo comentários sobre poema de nossa autoria.

Já há algum tempo o mestre pediu a vários poetas que escrevessem uma análise sobre seus próprios textos. Esse material seria publicado inicialmente em jornal, e depois, talvez, em livro. Vários colegas atenderam a essa proposta, que me foi formulada por e-mail. Vinha me esquivando desse espinhoso mister, mas, “peitado” pessoalmente pelo ilustre professor, prometi cumprir esse desafio.

O grande poeta Manuel Bandeira, em Itinerário de Pasárgada, uma espécie de memórias ou testamento de sua poemática, falou sobre a gênese de alguns de seus poemas. Em alguns poucos textos avulsos andei escarafunchando o meu fazer literário, inclusive nesta cronologia diarística. Dessa forma, para atender ao pedido do erudito e castiço José Maria Vasconcelos, lhe enviei o seguinte e-mail:


“Atendendo ao seu pedido, segue no anexo o meu texto sobre o meu poema Amor concreto. É imprescindível, para compreensão do leitor, que o poema seja publicado sem mudança em seu aspecto visual. Por isso, talvez seja melhor que ele seja publicado como imagem (fotografia ou escaneado), para que não sofra alteração, e assim minhas explicações não percam o sentido. Espero que as minhas explicações (em prosa) não tenham algum grave escorregão. Se tiver, peço que corrija.” Eis o poema e o texto contidos no anexo:

“AMOR CONCRETO

no vór-
            ti-
     ce voraz
dos abrasados amantes abraçados
o amor se faz
in-tenso e tenaz
no êmbolo inserido no
          ver        tiginoso
          vér        ti
                 ce
       inver        tido

         Inicialmente, veja o leitor que o sintético poema tem feição discursiva e ao mesmo tempo concretista, com o aspecto visual formando um verdadeiro carmen figuratum. O próprio título remete ao amor físico, carnal, e à vertente concretista da poesia brasileira – o concretismo. Penso que se trata de um poema criativo, e que não deve ser lido e interpretado com pruridos de falso e ultrapassado moralismo.
         As três primeiras linhas (versos) figuram a movimentação de um vórtice e ao mesmo tempo desenham um triângulo, que é a simbolização mais simples da genitália feminina. Além disso, formam a aliteração da sílaba vo.
         No verso seguinte (quarto) note-se a aliteração e as coliterações na letra a, com tonicidade nessa letra, além da ardente metáfora em relação aos amantes. Atente-se para o fato de que os vocábulos abrasados e abraçados são quase homógrafos e homófonos.
         Observe-se a rima no quinto e no sexto versos. A seguir, vem a metáfora do amor físico ou carnal, representado pelo êmbolo e seu movimento de pistão, em seu sobe e desce ou vai e vem, conforme a posição seja vertical ou horizontal.
         A grafia in-tenso provoca a polissemia ou plurissignificação, mostrando que o amor é intenso e é tenso ao mesmo tempo. Tenso também porque se trata mais de paixão, que propriamente de amor (este num sentido mais espiritualizado, e não de gozo físico).
         Os quatro versos finais, tal como estão dispostos, formam a imagem de quatro triângulos, com isso representando diferentes posições sexuais: para um lado, para o outro, para cima, para baixo e de ponta-cabeça até. Também formam a abertura do canal vaginal e o clitóris, que vem a ser a sílaba ce, colocada no vestíbulo ou no pórtico de entrada ou arco triunfal do aparelho genital da mulher.
         Por fim, a metáfora contida nesses últimos quatro versos é, a meu ver muito clara, mas, seguindo o didatismo da proposta do professor José Maria Vasconcelos, devo dizer que ela se refere ao formato da genitália feminina em posição normal, quando o vértice do triângulo é invertido, ou seja, fica na parte inferior. Vertiginoso vértice invertido significa que a boceta provoca vertigem, ou a pequena morte de que nos falam os franceses.
         Quanto à fragmentação do vocábulo invertido – inver     tido – além de “desenhar” o início da abertura vaginal também significa que esse órgão foi tido ou possuído pelo amante.”

Certamente, eu poderia ter acrescentado outras análises sobre a estrutura do poema, e principalmente ter adicionado mais algumas dissecações interpretativas. Mas prefiro que o leitor faça outras observações, conforme sua experiência de vida e criatividade, ainda que divergentes das minhas. Aliás, acharei o poema mais rico, caso o intérprete e analista venha a descobrir nuanças que eu próprio não vislumbrei.     

2 comentários:

  1. Caro Elmar Carvalho:

    V. aceitou com coragem a sugestão do professor José Maria Vasconcelos a fim de que com outros poetas piauienses, inclusive o Rubervam du Nascimento, se abalançassem a analisar os próprios poemas e, para tanto, o fez em relação ao seu "Poema concreto." Vejo que, pela sua análise estilística, fundamentada nas característica do Concretismo de 56, saiu-se bem na sua condição de intérprete de si mesmo. Ora, assim fazendo, V. se pôs no mesmo plano de um crítico comentando a sua poesia. Julgo que, quando o próprio poeta fala de sua forma de composição, a poesia não perde com isso, mas adiciona novos ângulos hermenêuticos do fazer poético.
    Porém, não é função do poeta ser o crítico e analista de si mesmo. O poema deve ser lido por si mesmo, como um produto de originalidade e de obediência a peculiares estratégias empregadas pelo poeta. Talvez comentar os intrincados meandros de como surgiu a ideia-máter de um poema seja útil à crítica em geral, tanto assim que Bandeira não esgotou a explicação da gênese de todos os seus poemas. Poemas há que valem apenas pelo que são como jogo de palavras, ato puro feito de palavras potencializadas para a expressão do lirismo. Tais poemas dispensam até interpretação, servem à fruição estética, como artefatos que valem por si mesmos, feitos de palavras e imagens, como fizeram os bons poetas simbolistas e até parnasianos ou neo-parnasianos.
    A principal função do poeta é fazer poesia e a ele não cabe fazer juízo crítico de sim mesmo. Que isso seja delegado aos críticos, cuja função é a de analisar, interpretar e julgar o valor estético de uma obra poética.
    Nem tampouco o analista de poesia ou ficção, ou qualquer que seja o gênero literário, tenha que satisfazer o poeta no que concerne à sua análise. O poeta não pode impor afirmações como esta: “Não é isto que queria afirmar no meu poema, .” como fez uma vez João Cabral ao comentar uma análise sobre sua poesia em conferência na Faculdade de Letras da UFRJ. A análise crítica não se esgota em seus aspectos interpretativos, ainda que se somassem todos os estudos interpretativos de um poeta ou ficcionista.
    No passado, críticos impressionistas de talento, como Álvaro Lins, sonhavam com a ideia de que, um dia, seria bom que na mesma pessoa houvesse o poeta e o crítico na mesma pessoa. Isso, contudo, só valeria, em meu entender, quando o poeta fosse crítico de outros poetas, não dele.
    No entanto, como a poesia ainda é cercado de a aura de mistério de fundo romântico, todos queremos saber o que o pensa de sua poesia, como nele se formaliza o ato de criação literária, como nasceu o poema , foi por inspiração, ou foi resultante do suor de um trabalho artístico consciente de suas técnicas e do conhecimento da estrutura do poética, do seu estudo, do seu desenvolvimento em novas maneiras de realizar poesia no poema.Nenhum grande poeta pode dispensar o trabalho da crítica literária, ou lhe dar as costas. Ao contrário, a história literária conhece muitos casos de amizade entre poetas e críticos.Constituem eles, desde Aristóteles, com sua Arte Poética, dois agentes decisivos ao desenvolvimento da literatura.. Da mesma forma, o poeta não pode deixar de ser familiarizado com a tradição literária. Não é por ser moderna que a poesia tenha que ser melhor do que nos períodos clássico, arcádico, barroco, romântico , simbolista ou concretista entre outras variações a partir dos anos de 1956 no Brasil.
    Cunha e Silva Filho

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